Frases de Afonso Cruz

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Frases de Afonso Cruz. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Ver coisas que vulgarmente não vemos tem gradações de repulsa ou fascínio. Há um certo pudor quando se vê o que está debaixo das roupas, e, quando vemos ainda mais fundo, sentimos a vertigem do enjoo, do nojo. Desmaiamos quando vemos sangue. Não há visão mais terrível que o interior do homem, seja anatomicamente seja moralmente.

Viver não tem nada a ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é precisamente o oposto, é aquilo que não fazemos todos os dias.

Muito da eficiência daquilo que fazemos, daquilo que mastigamos, depende sobretudo do que não se vê. Das raízes. (…) Porque são as coisas que estão dentro de nós e em que ninguém repara quando nos olha. Temos uma paisagem muito grande que não se vê, a menos que nos debruçemos para dentro e mostremos aquilo de que nos lembramos. Nada é tão forte como as coisas que não se veem.

Todos os jardins da nossa infância são o jardim do paraíso. A pele suave desses tempos em que se corria com as pernas arqueadas soltando uma espécie de luz pela respiração. Ríamos a correr para os braços dos adultos numa entrega absoluta. Eles, os adultos, atiravam-nos ao ar e apanhavam-nos com mãos ásperas, e, talvez por isso, quando crescemos nunca mais deixamos de, esporadicamente, sonhar que voamos. E de sonhar com gigantes e anões, pois eram essas as nossas proporções.

O espelho provoca em mim o estranho efeito de por vezes me dar a violenta estalada da realidade, por outras elevar-me à dimensão do sonho, da ficção, de uma verdade essencial que se deposita cá dentro e que, por timidez, evita sair senão em momentos de alguma intimidade.

Enquanto a água se pode guardar cm garrafas, as histórias não podem ser engarrafadas sem que se estraguem rapidamente. Têm de andar ao ar livre como os animais selvagens. Temos dc as soltar para que possam correr todas nuas.

Creio que, numa relação, o beijo terá sempre de manter a densidade do primeiro, a história de uma vida, todos os pores-do-sol, todas as palavras murmuradas no escuro, toda a certeza do amor.

Dizem que um homem vendado, se lhe pedirem para caminhar em linha reta, anda em círculos. Porque é que o homem anda em círculos quando fecha os olhos? É um mistério, dizem, mas o homem de olhos fechados caminha para dentro. E o tempo também se dobra, também não anda a direito. O tempo é como um homem de olhos fechados. No fundo anda tudo aos círculos, desde as recordações às histórias. Tudo acaba por se dobrar, um dia.

– Sabe porque não somos felizes? – perguntou ele.
– Desespero, solidão, medo?
– Não. Por causa da realidade.