Passagens de Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Frases, pensamentos e outras passagens de Manuel Maria Barbosa du Bocage para ler e compartilhar. Os melhores escritores estĂŁo em Poetris.

PolĂ­tica feroz, que sempre armada
De bárbaros pretextos,
Ă€ morte horrenda em lĂşgubre teatro
Dás vítimas sem conto,
Apoucas e destrĂłis a Humanidade,
Afectando mantĂŞ-la.

O LeĂŁo e o Porco

O rei dos animais, o rugidor leĂŁo,
Com o porco engraçou, não sei por que razão.
Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna
(A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna):
Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes,
Poder de despachar os brutos pretendentes,
De reprimir os maus, fazer aos bons justiça,
E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça;
Mas em vĂŁo, porque o porco Ă© bom sĂł para assar,
E a sua ocupação dormir, comer, fossar.
Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria,
Soltavam contra ele injĂşria sobre injĂşria
Os outros animais, dizendo-lhe com ira:
«Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!»
E ele, apenas grunhindo a vilipĂŞndios tais,
Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais!
Dos filhos para o génio olhai com madureza;
Não há poder algum que mude a natureza:
Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos
O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.

Ă“ Trevas, que Enlutais a Natureza

Ă“ trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;

Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim PlutĂŁo se goza,
NĂŁo aterreis esta alma dolorosa,
Que Ă© mais triste que voz minha tristeza.

Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.

Volvei, pois, sombras vĂŁs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis Ă  piedade o mesmo Inferno.

Se Ă© Doce

Se Ă© doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se Ă© doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce Ă© ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.

Esperança Amorosa

Grato silêncio, trémulo arvoredo,
Sombra propĂ­cia aos crimes e aos amores,
Hoje serei feliz! – Longe, temores,
Longe, fantasmas, ilusões do medo.

Sabei, amigos ZĂ©firos, que cedo
Entre os braços de Nise, entre estas flores,
Furtivas glórias, tácitos favores,
Hei-de enfim possuir: porém segredo!

Nas asas frouxos ais, brandos queixumes
Não leveis, não façais isto patente,
Quem nem quero que o saiba o pai dos numes:

Cale-se o caso a Jove omnipotente,
Porque, se ele o souber, terá ciúmes,
Vibrará contra mim seu raio ardente.

Morte, JuĂ­zo, Inferno e ParaĂ­so

Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.

Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.

Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo sĂł meu sustento os meus cuidados;

E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, JuĂ­zo, Inferno e ParaĂ­so.

Raios não Peço ao Criador do Mundo

LX

Raios não peço ao Criador do Mundo,
Tormentas nĂŁo suplico ao Rei dos Mares,
Vulcões à terra, furacões aos ares,
Negros monstros ao báratro profundo:

NĂŁo rogo ao deus de amor que furibundo
Te arremesse do pé de seus altares;
Ou que a peste mortal voe a teus lares,
E murche o teu semblante rubicundo.

Não imploro em teu dano, ainda que os laços
Urdidos pela fé, com vil mudança
Fizeste, ingrata Nise, em mil pedaços:

Não quero outro despique, outra vingança,
Mais que ver-te em poder de indignos braços,
E dizer quem te perde, e quem te alcança.

A Negra FĂşria CiĂşme

Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fĂşria CiĂşme.

Sobre um sĂłlio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fĂşria CiĂşme.

Crespas vĂ­boras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fĂşria CiĂşme.

Arrancando Ă  Morte a fouce
De buĂ­do, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fĂşria CiĂşme.

Ao cruel sĂłcio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fĂşria CiĂşme.

Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrĂ­vel dos monstros,
A negra fĂşria CiĂşme.

Amor inda Ă© mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fĂşria CiĂşme.

Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fĂşria CiĂşme.

Do férreo cálix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fĂşria CiĂşme.

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Oh Retrato da Morte, oh Noite Amiga

Oh retrato da morte, oh noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha do meu pranto,
Des meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:

E vĂłs, oh cortesĂŁos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.

Apenas Vi Do Dia A Luz Brilhante

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mĂŁe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmĂŁos e do pai me pĂ´s distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidĂŁo procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.

NĂŁo Lamentes, Oh Nise, O Teu Estado;

NĂŁo lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
PutĂ­ssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;
CleĂłpatra por puta alcança a c’roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono nĂŁo passa por honrado:

Essa da RĂşssia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dĂŁo a sua greta:
NĂŁo fiques, pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra Ă© tudo peta.

Sanhudo, Inexorável Despotismo

Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fĂşria cevas,
Que em mil quadros horrĂ­ficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do AteĂ­smo:

Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a RazĂŁo num denso abismo.

Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,

Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas sĂł no ext’rior, nĂŁo tiranizas
Do livre coração a independência.

Em louvor do grande Camões

Sobre os contrários o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rápido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teuco forte:

Embora o bravo MacedĂłnio corte
Coa fulminante espada o nĂł fadado,
Que eu de mais nobre estĂ­mulo tocado,
Nem lhe amo a glĂłria, nem lhe invejo a sorte:

Invejo-te, Camões, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fĂşrias de Lieu raivoso:

Os ais de InĂŞs, de VĂ©nus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O céu de Amor, o inferno do Ciúme.

Desejo Amante

Elmano, de teus mimos anelante,
Elmano em te admirar, meu bem, nĂŁo erra;
Incomparáveis dons tua alma encerra,
Ornam mil perfeições o teu semblante:

Granjeias sem vontade a cada instante
Claros triunfos na amorosa guerra:
Tesouro que do CĂ©u vieste Ă  Terra,
NĂŁo precisas dos olhos de um amante.

Oh!, se eu pudesse, Amor, oh!, se eu pudesse
Cumprir meu gosto! Se em altar sublime
Os incensos de Jove a LĂ­lia desse!

Folgara o coração quanto se oprime;
E a RazĂŁo, que os excessos aborrece,
Notando a causa, revelara o crime.

O poeta asseteado por amor

Ă“ CĂ©us! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!

Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem nĂŁo receia
Contemplar Ursulina um sĂł momento!

“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrĂ­lega loucura:

“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
Ă€ tua linda ingrata algum suspiro.”

Olhos Suaves, que em Suaves Dias

Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:

Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrĂ­sona voz perturba os ares:

Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!

Dos Tórrido Sertões, Pejados De Oiro

Dos tórridos sertões, pejados de oiro,
Saiu um sabichĂŁo de escassa fama,
Que os livros preza, os cartapácios ama,
Que das lĂ­nguas repartem o tesoiro.

Arranha o persiano, arranha o moiro,
Sabe que Deus em turco Allah se chama;
Que no grego alfabeto o G Ă© gama,
Que taurus em latim quer dizer toiro.

Para papaguear saiu do mato:
Abocanha talentos, que nĂŁo goza;
É mono, e prega unhadas como gato.

É nada em verso, quase nada em prosa:
NĂŁo conheces, leitor, neste retrato
O guapo charlatão Tomé Barbosa?

A Rosa

Tu, flor de VĂ©nus,
Corada Rosa,
Leda, fragrante,
Pura, mimosa,

Tu, que envergonhas
As outras flores,
Tens menos graça
Que os meus amores.

Tanto ao diurno
Sol coruscante
Cede a nocturna
Lua inconstante,

Quanto a MarĂ­lia
TĂ© na pureza
Tu, que Ă©s o mimo
Da Natureza.

O buliçoso,
Cândido Amor
PĂ´s-lhe nas faces
Mais viva cor;

Tu tens agudos
Cruéis espinhos,
Ela suaves
Brandos carinhos;

Tu nĂŁo percebes
Ternos desejos,
Em vĂŁo FavĂłnio
Te dá mil beijos.

MarĂ­lia bela
Sente, respira,
Meus doces versos
Ouve, e suspira.

A mĂŁe das flores,
A Primavera,
Fica vaidosa
Quando te gera;

Porém Marília
No mago riso
Traz as delĂ­cias
Do ParaĂ­so.

Amor que diga
Qual Ă© mais bela,
Qual Ă© mais pura,
Se tu, ou ela;

Que diga VĂ©nus…
Ela aĂ­ vem…
Ai! Enganei-me,
Que Ă© o meu bem.

És dos Céus o Composto Mais Brilhante

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
TernĂ­ssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se nĂŁo rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razĂŁo com teus risos se mistura.

És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mĂŁos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.