Sós por tudo e por nada, os Portugueses são os únicos seres humanos que inventam solidões para sentir.
Passagens de Miguel Esteves Cardoso
297 resultadosA alegria nunca é constante, nunca é segura. Desprende-se do dia a dia. Não nos deixa neste mundo. A alegria é um estado à parte, que ninguém consegue tornar real. É como um filme em que se está. Mesmo para lembrar a alegria é difícil. Há qualquer coisa na alegria que não cola.
Ser diferente é uma qualidade só por si. Só por ser diferente tem de ser defendido. Acontece, porém, que vivemos num tempo igualitário, unificador e racionalista em que as diferenças que ainda existem tendem a ser abolidas. Nota-se em tudo. Uniformiza-se, massifica-se, burocratiza-se como nunca antes. É muito benéfico, económico e democrático; traz muitas vantagens às populações e é também uma grandíssima chatice.
O amor é um perpétuo encontro, em que cada encontro quer ser o último; aquele que nunca mais separará os amantes, mas depois não vai além de ser a continuação, pequenina, mas querida, do primeiro.
As Notícias São o Contrário da Vida
As notícias são o contrário da vida. Uma notícia é uma novidade; é uma excepção. Mas a pergunta mais difícil (provocando a resposta mais interessante) é: “São uma excepção a quê?”
A noção corrente, idiota, é que “cão morde homem” não é notícia, mas que “homem morde cão” é. Mentira. A grande maioria dos cães não morde as pessoas. E quando há uma pessoa que morde um cão não só é raro, como desinteressante.
Atrás – ou à frente – desta simplificação está a questão bastante mais importante de como se dão os cães e os homens. As mordeduras são episódios pouco representativos e facilmente explicáveis, sem explicarem nada.
Um psicopata assassina muitas pessoas. É uma notícia. Mas que nos diz dos noruegueses? Nada. Que nos diz sobre o comportamento dos europeus? Nada.
A realidade é o contrário da notícia. A notícia é histriónica e histérica, separada da normalidade, que nunca é unívoca ou definidora. Existem dois impulsos. O mais antigo é realçar a surpresa e a indignação. O mais moderno é notar as ausências e as diferenças, mas investigar e descrever as presenças circundantes, onde e entre as quais ocorrem tanto a novidade como a antiguidade.
Não há solidão mais bonita que a boa companhia de quem se quer bem. Essa é uma companhia aérea correndo os ceús, descendo em direcção a nós, e depois novamente levantada nos braços, nunca realmente aterrando. Essa é a companhia que se forma, quase uma escritura de amor que se assina, quando duas solidões escolhidas se encontram. «É sempre de duas solidões boas que nasce a melhor das companhias».
O frio torna as paisagens mais nítidas. O calor esborrata-as.
Viver é um favor que não se sabe quando acaba – nem como pagar – mas que se sabe, logo à partida, que vai acabar antes de nos apetecer. Todos os dias sinto que foi mais um dia que me foi dado e, ao mesmo tempo, mais um dia que me foi subtraído, que jamais hei-de recuperar.
Não Há Amor como o Primeiro
Não há amor como o primeiro. Mais tarde, quando se deixa de crescer, há o equivalente adulto ao primeiro amor — é o primeiro casamento; mas não é igual. O primeiro amor é uma chapada, um sacudir das raízes adormecidas dos cabelos, uma voragem que nos come as entranhas e não nos explica. Electrifica-nos a capacidade de poder amar. Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor de podermos ser amados. Atiramo-nos ao nosso primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou de onde saltámos. Saltamos e caímos. Enchemos o peito de ar, seguramos as narinas com os dedos a fazer de mola de roupa, juramos fazer três ou quatro mortais de costas, e estatelamo-nos na água ou no chão, como patos disparados de um obus, com penas a esvoaçar por toda a parte.
Há amores melhores, mas são amores cansados, amores que já levaram na cabeça, amores que sabem dizer “Alto-e-pára-o-baile”, amores que já dão o desconto, amores que já têm medo de se magoarem, amores democráticos, que se discutem e debatem. E todos os amores dão maior prazer que o primeiro. O primeiro amor está para além das categorias normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer.
O Amor Maior
O amor é preocupação. Ter o coração já previamente ocupado. Ter medo que alguma coisa de mal aconteça à pessoa amada. Sofrer mais por não poder aliviar o sofrimento da pessoa amada do que ela própria sofre.
O amor é banal. É por isso que é tão bonito. O que se quer da pessoa amada: antes que ela nos ame também, é que ela seja feliz, que seja saudável, que tudo lhe corra bem. Embora se saiba que o mundo não o permite, passa-se por cima da realidade, do raciocínio do que é possível, e quer-se, e espera-se, que Deus abra, no caso dela, uma excepção.A paixão pode parecer mais interessante. Mas irrita-me que se compare com o amor. Como se pode comparar dois sentimentos que não têm uma única semelhança? Se o amor e a paixão coincidem, é como a cor do céu e do mar num dia de Verão — é uma alegria, mas nada nos diz acerca do que distingue o ar da água.
Dizer que o amor pode começar como paixão é uma forma falaciosa de estabelecer uma continuidade entre uma e outra, geralmente pejorativa para o amor, que é entendido como um resíduo da paixão,
A felicidade, em Portugal, é considerada uma espécie de loucura. Porquê? Porque os Portugueses, quando vêem uma pessoa feliz, julgam que ela está a gozar com eles. Mais precisamente: com a miséria deles. Não lhes passa pela cabeça que se possa ser feliz sem ser à custa de alguém.
Fim-de-Semana em Casa
É sábado. É Inverno. É dia de acastelar. Saímos com sacos, «tupper-wares», rolos de notas e troco, listas.
Vamos aos mercados, às lojas, aos restaurantes. O objectivo é enchermo-nos de víveres, jornais e revistas, queijinhos frescos, nozes e avelãs, coentros e beringelas, feijoadas de chocos e caldeiradas, velharias, bolos e pilhas sobressalentes.
Só o bastante para nos acastelarmos em casa, repimpões, com tudo ao nosso alcance, até à longínqua segunda-feira. Dia em que saíremos – talvez – quando todos os forasteiros e fim-de-semaneiros tiverem voltado para casa deles.
Não temos um fosso ou sequer um ferrolho na porta – mas corremo-lo à mesma, idealmente, tropeçando de verdade nas cabeças de alhos-porros e nas ramas das beterrabas, protuberando dos sacos de plástico deitados, mortos, no chão da cozinha.
Será a mentalidade medieval do campismo ou o ideal «hippy» da auto-suficiência? Não. Constitui açambarcamento? É anti-social? Também não. É apenas o prazer do ninho. Com ameias.
Quanto pior o tempo, melhor sabe fecharmo-nos no nosso castelinho, seguros que estamos abastecidos, de tudo, para dois dias inteiros, prontos para sobrevivermos alegremente até ao fim do fim-de-semana. Cá nos acastelamos e cá nos vamos arranjando.
Noutra dimensão, graças a compras sabichonas,
Tanto as revoluções como as contra-revoluções são feitas por pessoas manientas e autoritárias que têm um «modelo» de homem que querem impor aos outros. É preciso não esquecer que as revoluções e as contra-revoluções, por muito «glamour» jamesdeaniano que possam ter nos primeiros dias, são feitas para tomar o poder e mandar nas pessoas.
O Preço da Pressa
O castigo de ser feliz é o tempo passar depressa. O castigo de ser triste é o tempo não passar. A recompensa de não conseguir ser nem triste nem feliz, permanecendo indiferente, é o tempo passar devagar. Se todos os dias nascemos – os que temos a sorte de amar, mais a suspeita de sermos, talvez, amados – todos os dias morremos cedo de mais.
Se me perguntassem quanto tempo passei com a Maria João, nos últimos 15 anos, eu teria muitas dificuldades em não responder 15 dias ou até 15 minutos, por não saber mostrar e justificar até esse pouco tempo que passámos.
Ainda ontem acordámos às oito da manhã. Mas, às sete da tarde, apesar de termos passado o dia juntos, pareceu-nos que nos tinham roubado o dia inteiro; que tínhamos acabado de nos conhecermos.
Passo do amor à política, por amor ao meu país. A despedida do conhecido e comprovado José Sócrates deveria ter sido tão generosamente saudada como foi recebida a vitória do simpático mas inexperiente Passos Coelho.
O tempo, a ocasião e a sorte parecem ser coisas parecidas – mas são coisas muito diferentes. O ponto de vista,
O tempo que perdemos a fotografar ou a filmar onde vamos e o que fazemos: mais do que interrupções, são subtracções. O tempo perdido em apontamentos e fotografias é um estúpido virar-de-costas – um roubo – à riqueza daquela ocasião, sabida, à partida, finita.
Tem-se sempre, caso se seja português, saudade de qualquer coisa. O que é preciso ver é que Portugal está feito para que se tenha saudades dele. Propositadamente. Cientificamente. Tudo foi minuciosamente estudado para nos chatear de morte quando estamos cá e nos matar de saudades quando cá não estamos.
Querer é poder, não só porque há coisas que não se conseguem sem que sejam realmente queridas, mas porque é realmente um «poder». Quem não quer nada sofre, por definição, de uma fraqueza. Por outras palavras, quem não quer nada a não ser o que tem, não avança – tem uma situação que não arrisca, que não aquece nem arrefece.
Hoje, ser-se egoísta é quase uma coisa boa – chega a ser elogiado como condição necessária – enquanto se vai tornando impossível ou, de qualquer modo, indecorosa, a maior das qualidades humanas, que é o altruísmo.
Os homens convenceram-se de que, por natureza, são infiéis. Porque foram concebidos para cobrir todas as fêmeas do planeta. Vontade não lhes falta; o problema é não contarem com a colaboração das ditas, para além da falta de tempo e de paciência para seduzir as que, de certezinha, se deixariam levar.
O melhor do amor é sentir-se que se tem todos os namorados que se quer, e só ter um.