O Amor Maior

O amor é preocupação. Ter o coração já previamente ocupado. Ter medo que alguma coisa de mal aconteça à pessoa amada. Sofrer mais por não poder aliviar o sofrimento da pessoa amada do que ela própria sofre.
O amor é banal. É por isso que é tão bonito. O que se quer da pessoa amada: antes que ela nos ame também, é que ela seja feliz, que seja saudável, que tudo lhe corra bem. Embora se saiba que o mundo não o permite, passa-se por cima da realidade, do raciocínio do que é possível, e quer-se, e espera-se, que Deus abra, no caso dela, uma excepção.

A paixão pode parecer mais interessante. Mas irrita-me que se compare com o amor. Como se pode comparar dois sentimentos que não têm uma única semelhança? Se o amor e a paixão coincidem, é como a cor do céu e do mar num dia de Verão — é uma alegria, mas nada nos diz acerca do que distingue o ar da água.
Dizer que o amor pode começar como paixão é uma forma falaciosa de estabelecer uma continuidade entre uma e outra, geralmente pejorativa para o amor, que é entendido como um resíduo da paixão, uma consequência menos alterosa, mas mais profunda, menos excitante mas mais eterna.

O amor começa pelo amor. É o céu. O céu foi criado primeiro. A paixão é um simples impulso físico, material, mensurável, explicável por todas as ciências da atracção. É o mar. O mar está mais perto de nós. Podemos chegar ao fundo dele. A diferença entre o amor e a paixão é como a diferença entre a cosmologia e a oceanografia. O mar tem fim, tem peso, tem vida. O céu não tem limite. O céu é dos astrónomos e dos poetas, que sabem que hão-de morrer sem percebê-lo. O mar é dos cientistas e dos observadores, que podem passar a vida dentro dele, sabendo que é finito e perceptível. O céu, como o amor, tem Deus acima dele. O mar, como a paixão, tem o Homem lá dentro. Compare-se o efeito que os anjos têm sobre nós com o que têm as sereias e perceber-se-á a distância entre a religião e a mitologia. A religião é uma coisa de Deus, do amor — a mitologia é uma coisa de pessoas-feitas-deuses, de paixão.

Como coincidem tantas vezes amor e paixão, é preciso isolá-los para não confundi-los. Basta responder à velha pergunta, sem responder depressa, com as velhas mentiras com que nos enganamos uns aos outros: «Se essa pessoa só conseguisse ser feliz amando outra, seria capaz de desejar que isso acontecesse, custasse o que me custasse?» Só quem ama responderá que sim. Imediatamente. Porque o amor é claro, é inevitável e, para além do mais, é um dom maior, maior que o amor-próprio, uma dádiva que ultrapassa as privações e o sofrimento.