O Que Liga os Homens na Vida
O que mais estreitamente liga os homens na vida não são forças puras e generosas. Se assim fosse, não se teria queimado nem ofendido tanta gente superior que andou no mundo. O óptimo moral e intelectual da humanidade é um compromisso entre o bom e o mau, entre o limpo e o sujo, entre a Quaresma e o Carnaval. Por isso, quem traz uma chama limpa a alumiá-lo, e teima em segui-la, não pode ser entendido nem tolerado por aqueles que ou não precisam de luz, como as toupeiras, ou se remedeiam com um simples morrão de candeia.
É certo que os calendários civis e religiosos apenas perpetuam heróis e santos. Mas, olhando bem, vê-se que é sempre a mesma história. Queima-se ou crucifica-se primeiro o herói ou o santo, joga-se aos dados a sua túnica, e, quando dele não resta nem a sombra das cinzas, aparece um centurião qualquer a dizer: «Verdadeiramente este homem era filho de Deus».
Passagens sobre Simples
658 resultadosA verdade jamais é pura e raramente é simples.
Num Bairro Moderno
Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama do papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho da horta aglomerada
Pousara, ajoelhando, a sua giga.E eu, apesar do sol, examinei-a.
Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.Do patamar responde-lhe um criado:
“Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais.” È muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.
Minha filosofia de vida é simples: pisa nos outros antes que te pisem.
Quem sabe ser humilde percebe que há mais verdade no autêntico e simples do que em todas as grandiosidades do mundo; Que ser feliz é, antes e depois de tudo o mais: ser-se quem se é. De forma simples. Numa alegria funda que celebra o milagre de sermos tão valiosos quanto únicos e verdadeiros.
A Força da Intuição
Para adquirirmos o bilhete de ida ao amor que somos basta estarmos atentos e confiarmos nos sinais que recebemos de dentro e de fora. São pistas, são oportunidades, autênticos tesouros que nos devolvem a casa. Será que estás desperto para isto? Será que consegues reconhecer-te enquanto sabedoria superior? Repito, todos os dias te surgem novas oportunidades. Todos os dias! Se existe força que nunca desiste é a nossa intuição. Todos os dias se faz ouvir e pode manifestar-se nas mais simples sensações.
Desde cedo que aprendi a escutar-me e a interpretar os sinais que a vida me dava. Não me sinto superior a ninguém, mas a consciencialização desta verdade coloca-nos num patamar distinto, de visibilidade maior e certezas absolutas. Certezas próprias, a nosso respeito, claro está. Convicções que nos catapultam para estados prolongados de felicidade e que nos permitem antecipar acontecimentos, habilitando-nos com um apurado leque de escolhas acertadas e condizentes com aquilo que verdadeiramente somos. Ou seja, já não vamos a todas, só vamos onde sentimos que devemos ir e onde sabemos que se encontram fragmentos nossos. Isto é ser espiritual.
Elementos de Vitória
Estão cheias as livrarias de todo o mundo de livros que ensinam a vencer. Muitos deles contêm indicações interessantes, por vezes aproveitáveis. Quase todos se reportam particularmente ao êxito material, o que é explicável, pois é esse o que supremamente interessa a grande maioria dos homens.
A ciência de vencer é, contudo, facílima de expor; em aplicá-la, ou não, é que está o segredo do êxito ou a explicação da falta dele. Para vencer – material ou imaterialmente – três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte.
Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do êxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: não fazer um esforço inútil, persistir no esforço até o fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.
Aproveitar oportunidades quer dizer não só não as perder, mas também achá-las. Criar relações tem dois sentidos – um para a vida material, outro para a vida mental. Na vida material a expressão tem o seu sentido directo. Na vida mental significa criar cultura.
A chuva, lá fora, trauteia baixinho a sua clara e doce cantiga de Inverno, a sua eterna melodia simples que embala e apazigua. Sinto-me só. Quantas coisas lindas e tristes eu diria agora a Alguém que não existe!
A Lealdade é um Amor que Esquece o Mundo
Só se é realmente leal quando se está sujeito a alguém ou a algo. Aí, onde mesmo um sonho pode ser senhor. Na sujeição de quem serve uma causa, na sujeição de quem se submete a um chefe, na sujeição à pessoa amada, na sujeição do sentimento e na sujeição do dever, no sacrifício da liberdade, da razão e do interesse. No desperdício e no desprezo do que está à vista e do que está à mão, é nesta desagradável situação que se acha ou não acha a lealdade. É por ser selvagem e servil, mas só a um senhor, que a lealdade tem valor. É muito difícil ser-se leal, mas só porque é muito difícil seguirmos o coração. A lealdade é um amor que esquece o mundo.
Ao escolher um amigo, e ao ser-se amigo dele, rejeitam-se as outras pessoas. Quando estamos apaixonados, é através dessa pessoa que amamos a humanidade. O amor ocupa-nos muito. E para os outros, não fica quase nada.
Não se consegue ser leal ao ponto de calar o coração. Mas sofremos com as nossas deslealdades. Sabemos perfeitamente o que estamos a fazer, quem sacrificámos, e porquê. É por causa da consciência da nossa imperfeição que o ideal da verdadeira lealdade não pode ser abandonado ou alterado.
Se uma pessoa tem realmente um profundo interesse em crescer espiritualmente, a prática da meditação é imprescindível, é a chave para isso. Somente orações ou o simples desejo não influenciam de modo significativo a mudança espiritual interior.
O Mundo Só se Dá para os Simples
Minha gula pelo mundo: eu quis comer o mundo e a fome com que nasci pelo leite — esta fome quis se estender pelo mundo e o mundo não se queria comível. Ele se queria comível sim — mas para isso exigia que eu fosse comê-lo com a humildade com que ele se dava. Mas fome violenta é exigente e orgulhosa. E quando se vai com orgulho e exigência o mundo se transmuta em duro aos dentes e à alma. O mundo só se dá para os simples e eu fui comê-lo com o meu poder e já com esta cólera que hoje me resume. E quando o pão se virou em pedra e ouro aos meus dentes eu fingi por orgulho que não doía eu pensava que fingir força era o caminho nobre de um homem e o caminho da própria força. Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito e era com o mesmo material que eu iria a ele. E depois foi quando o amor pelo mundo me tomou: e isso já não era a fome pequena, era a fome ampliada. Era a grande alegria de viver — e eu pensava que esta sim,
Aquilo que é verdadeiro, simples e sincero é bastante compatível com a natureza do homem.
A Base da Actividade
Em nenhuma actividade é bom sinal se, de início, existe o desejo de vencer – emulação, violência, ambição, etc. Deve começar-se por amar a técnica de cada actividade por si própria, como se ama a vida pelo simples parazer de viver.
Nisto consiste a verdadeira vocação e a promessa de êxito sério. Em seguida, poderão vir todas as paixões sociais imagináveis, para reanimar o puro amor da técnica – têm mesmo que vir -, mas começar por elas é indício de que se deseja perder tempo. Em suma, é preciso amar uma actividade, como se mais nada existisse no mundo, por si própria.
É por isso que o momento significativo é o do início: porque, então, é como se o mundo (paixões sociais) não existisse ainda no que diz respeito a essa actividade.
Também porque toda a gente é capaz de se interessar por um trabalho que se sabe quanto rende; o difícil é apaixonarmo-nos gratuitamente.
A Sociedade Destroça o Indivíduo
Trata-se dum conjunto, dum todo, a sociedade, e, podre, uma vez que é preciso contar com ela ao mesmo tempo que se não deve contar. Quer dizer, é como um conjunto estável, composto por elementos instáveis. Ora é impossível viver no interior, sem sofrer essa instabilidade, esse monte de mentiras. Surge então o medo de utilizar o mínimo pormenor que participe dessa instabilidade. É a revolta. Você duvida do valor das palavras, dos gestos, do que representam as palavras, das ideias, das simples associações de ideias, dos sonhos e até da realidade, das sensações mais claras, mais agudas. Você duvida mesmo da sua dúvida, da organização que toma, da forma que adopta. Não lhe fica nada, nada. Já não é nada, é um camaleão, um eco, uma sombra. Isso é obra da sociedade, compreende?
J.-M. G.
(…) E as paixões que Pascal condenava, em primeiro lugar o amor próprio, não são no homem simples aberrações porque o movem a agir, visto que o homem é feito para a ação. (…)
Mas porque é que estas ideias não as tem defendido a classe médica? É simples a resposta. É que não há pílulas de sol, nem injeções de exercício, nem tão pouco vacinas de ar… e é preciso viver dos doentes.
Uma simples decisão pode afetar uma pessoa para resto da vida.
À Beleza
Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço…
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.
Verosimilhança não é Verdade
Quase sempre as suspeitas nos inquietam; somos sempre o joguete desses boatos de opinião, que tantas vezes põe em fuga um exército, quanto mais um simples indivíduo. (…) nós rendemo-nos prontamente à opinião. Não fazemos a crítica das razões que nos levam ao temor, não as esquadrinhamos. Perdemos todo o sangue-frio, batemos em retirada, como os soldados expulsos do seu campo à vista da nuvem de poeira que levanta uma tropa a galope, ou tomados de terror colectivo por causa de um boato semeado sem garante.
Não sei como, mas as falsidades perturbam-nos desde logo. A verdade traz consigo a sua própria medida; tudo quanto se funda sobre uma incerteza, porém, fica entregue à conjectura e às fantasias de um espírito perturbado.
Eis porque, entre as mais diversas formas do medo, não há outra mais desastrosa, mais incoercível que o medo pânico. Nos casos ordinários, a reflexão é falha; nestes, a inteligência está ausente.
Interroguemos, pois, cuidadosamente a realidade. É verosímil que uma desgraça venha a produzir-se? Verosimilhança não é verdade. Quantos acontecimentos ocorreram sem que os esperássemos! Quantos acontecimentos esperados que jamais ocorreram! Mesmo que venham a produzir-se, que é que lucraremos em nos anteciparmos à nossa dor?
O nosso amor nunca é para nós! Jamais poderemos gostar de nós mesmos se não fizermos nada de bom aos outros. Amar-se a si mesmo é uma contradição, uma forma simples de dizer egoísmo.