Meditação Sobre os Poderes
Rubricavam os decretos, as folhas tristes
sobre a mesa dos seus poderes efémeros.
Queriam ser reis, czares, tantas coisas,
e rodeavam-se de pequenos corvos,
palradores e reverentes, dos que repetem:
és grande, ninguém te iguala, ninguém.
Repartiam entre si os tesouros e as dádivas,
murmurando forjadas confidĂŞncias,
não amando ninguém, nada respeitando.
Encantavam-se com o eco liquefeito
das suas vozes comandando, decretando.
Banqueteavam-se com a pequenez
de tudo quanto julgavam ser grande,
com os quadros, com o fulgor novo-rico
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte
e mostrava-lhes como tudo Ă© fugaz
quando, humanamente, se está de passagem,
corpo em trânsito para lado nenhum.
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria
dos seus tĂtulos afundados na terra lamacenta.
Passagens sobre Pequenez
25 resultadosA Vida nĂŁo Cabe numa Teoria
A vida… e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filĂłsofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teĂłlogos nĂŁo entenderam na solidĂŁo das celas. Nisto, ou entĂŁo na conta do sapateiro, na degradação moral do sĂ©culo, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nĂłs.
Mas a vida Ă© uma coisa imensa, que nĂŁo cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Vivemos numa Paz de Animais Domésticos
Uma cobra de água numa poça do choupal, a gozar o resto destes calores, e umas meninas histéricas aos gritinhos, cheias de saber que o bicho era tão inofensivo como uma folha.
Por fidelidade a um mandato profundo, o nosso instinto, diante de certos factos, ainda quer reagir. Mas logo a razĂŁo acode, e o uivo do plasma acaba num cacarejo convencional. Todos os tratados e todos os preceptores nos explicaram já quantas espĂ©cies de ofĂdios existem e o soro que neutraliza a mordedura de cada um. Herdamos um mundo já quase decifrado, e sabemos de cor as ervas que nĂŁo devemos comer e as feras que nos nĂŁo podem devorar. Vivemos numa paz de animais domĂ©sticos, vacinados, com os dentes caninos a trincar pastĂ©is de nata, tendo aos pĂ©s, submissos, os antigos pesadelos da nossa ignorância. Passamos pela terra como espectros, indo aos jardins zoolĂłgicos e botânicos ver, pacata e sĂ biamente, em jaulas e canteiros, o que já foi perigo e mistĂ©rio. E, por mais que nos custe, nĂŁo conseguimos captar a alma do brinquedo esventrado. O homem selvagem, que teve de escolher tudo, de separar o trigo do joio, de mondar dos seus reflexos o que era manso e o que era bravo,
A humildade Ă© o sentimento da nossa pequenez perante Deus.
Ficaremos cada vez mais indiferentes quando alcançarmos um conhecimento suficiente da superficialidade e da futilidade dos pensamentos, da limitação dos conceitos, da pequenez dos sentimentos, da absurdez das opiniões e do número de erros na maioria das cabeças.