Poemas sobre Lembranças

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Poemas de lembranças escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Natal Africano

Não há pinheiros nem há neve,
Nada do que é convendonal,
Nada daquilo que se escreve
Ou que se diz… Mas é Natal.

Que ar abafado! A chuva banha
A terra, morna e vertical.
Plantas da flora mais estranha,
Aves da fauna tropical.

Nem luz, nem cores, nem lembranças
Da hora única e imortal.
Somente o riso das crianças
Que em toda a parte é sempre igual.

Não há pastores nem ovelhas,
Nada do que é tradicional.
As orações, porém, são velhas
E a noite é Noite de Natal.

O Andaime

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

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O Trato

Era assim meu afecto
e assim é que o conservo;
maduro na lembrança
e secreto e severo.
Não o pus (minha boca
altiva) em gesto ou voz;
meu sol no entanto era
muito mais sol.
Não o soubeste, e agora
se sabes, não te dói.
Se sabes, não te move,
dizes, e em ti não passou.
Não importa; do trato
não fui eu quem faltou.
Meu caminho foi feito;
ai de quem não amou.

A Lembrança

1

Não te afastes, lembrança, não te afastes!
Rosto, não te desfaças, assim,
como na morte!
Continuai a olhar-me, olhos enormes, fixos,
como um instante me olhastes!
Lábios, sorri-me,
como me sorristes um instante!

2

Ai, fronte minha, aperta-te;
não deixes que se espalhe
sua forma fora do seu vaso!
Oprime o seu sorriso e o seu olhar,
até serem a minha vida interna!

3

— Embora me esqueça de mim mesmo;
embora o meu rosto, de tanto o sentir, tome
a forma do seu rosto;
embora eu seja ela
e nela se perca a minha estrutura! —

4

Oh lembrança, sê eu!
Tu — ela — sê lembrança inteira e única, para sempre;
lembrança que me olhe e me sorria
no nada;
lembrança, vida com minha vida,
feita eterna, apagando-me, apagando-me!

Tradução de José Bento

Nunca Envelhecerás

A tua cabeleira
é já grisalha ou mesmo branca?
Para mim é toda loira
e circundada de estrelas.
Sobre ela
o tempo não poisou
o inverno dos anos
que se escoam maldosos
insinuando rugas, fios brancos…

Ao teu corpo colou-se
o vestido de seda,
como segunda pele;
entre os seios pequenos
viceja perene
um raminho de cravos…

Pétalas esguias
emolduram-te os dedos…
E revoadas de aves
traçam ao teu redor
volutas de primavera.

Nunca envelhecerás na minha lembrança!…

Biografia

Sou aquele a quem busco:
jamais encontrarei a minha sombra.
A noite me acompanha
e sei que luto
com a treva. Combato: sangue a sangue
e corpo a corpo.

Rios sob o meu pulso
escapam ao destino atroz do sono:
durmo com a lembrança
de minha fuga
e o sólido vazio das montanhas.
Sem horizontes.

Avanço com a angústia
prévia: a visão do derradeiro encontro.
Reconheço que canso.
Porque sou surdo:
só ouço a minha voz quando alguém chama
alguém que é outro.

Reconheço um segundo:
crio logo raízes e sou tronco
sem nenhuma esperança.
Espero tudo
e não espero nada que não ganhe
outro contorno.

Sou aquele que do húmus
liberta os pés e as pernas sem esforço
até saber que anda
imóvel. Fundas
são minhas mãos e afundam por instantes.
Encolho os ombros.

Burgo

Meu velho burgo dormido
meu berço de heras
poeira húmida
de secos orvalhos
minha lembrança
de presságios não cumpridos
Meu regaço de penas
minha brisa alada
burgo meu cais
donde não parto nem volto
aceno de asa
sem mastros de largada
minha água
de sede crestada
burgo meu destino
de fugir e restar
sem haver partido.

Doente

Que negro mal o meu! estou cada vez mais rouco!
Fogem de mim com asco as virgens d’olhar cálido…
E os velhos, quando passo, vendo-me tão pálido,
Comentam entre si: – coitado, está por pouco!…

Por isso tenho ódio a quem tiver saúde,
Por isso tenho raiva a quem viver ditoso,
E, odiando toda a gente, eu amo o tuberculoso.
E só estou contente ouvindo um alaúde.

Cada vez que me estudo encontro-me diferente,
Quando olham para mim é certo que estremeço;
E vai, pensando bem, sou, como toda a gente,
O contrário talvez daquilo que pareço…

Espírito irrequieto, fantasia ardente,
Adoro como Poe as doidas criações,
E se não bebo absinto é porque estou doente,
Que eu tenho como ele horror às multidões.

E amando doudamente as formas incompletas
Que às vezes não consigo, enfim, realizar,
Eu sinto-me banal ao pé dos mais poetas,
E, achando-me incapaz, deixo de trabalhar…

São filhos do meu tédio e duma dor qualquer
Meus sonhos de neurose horrivelmente histéricos
Como as larvas ruins dos corpos cadavéricos,

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Visio

Eras pálida. E os cabelos,
Aéreos, soltos novelos,
Sobre as espáduas caíam…
Os olhos meio cerrados
De volúpia e de ternura
Entre lágrimas luziam…
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiam…

Depois, naquele delírio,
Suave, doce martírio
De pouquíssimos instantes,
Os teus lábios sequiosos,
Frios, trêmulos, trocavam
Os beijos mais delirantes,
E no supremo dos gozos
Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes…

Depois… depois a verdade,
A fria realidade,
A solidão, a tristeza;
Daquele sonho desperto,
Olhei… silêncio de morte
Respirava a natureza —
Era a terra, era o deserto,
Fora-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.

Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Lábios trêmulos e frios,
O abraço longo e apertado,
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.

E agora te vejo. E fria
Tão outra estás da que eu via
Naquele sonho encantado!

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Sono

Dormir
mas o sonho
repassa
duma insistente dor
a lembrança
da vida
água outra vez bebida
na pobreza da noite:
e assim perdido
o sono
o olvido
bates, coração, repetes
sem querer
o dia.

Não Sei Meu Amor

Não sei
meu amor
porque a memória
se fecha
quando do abismo da vida
já tombaram os meus olhos
na aridez da esperança.

Não sei
meu amor
porque a memória
chora, oculta
se ninguém a viu nascer.

Entretanto
de teus olhos, águias de fogo,
vem um reino eterno,
de calor e significado
claro e sem segredos.

Fecho os meus
e volta a dor
na cruzada
a trazer-me teus olhos
num espaço sem fronteira
na vertigem de teu corpo.

Todo o meu desejo pressente
que da lembrança recomeça
o regresso da tua criação
dessa tarde emocionada
que me trouxe à vida
tua vida transfigurada.

A um Poeta Morto

Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
– Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.

E o poeta sentiu os olhos rasos de água;
Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume:
Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa,
Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.

E na terra, por onde o sonhador passava,
Ia a roxa corola espalhando as sementes:
De modo que, a brilhar, pelo solo ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes.

Foi assim que se fez a Via Dolorosa,
A avenida ensombrada e triste da Saudade,
Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa
Dos órfãos do carinho e da felicidade.

Recalcando no peito os gritos e os soluços,
Tu conheceste bem essa longa avenida,
– Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços,
Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.

Teu pé também deixou um sinal neste solo;
Também por este solo arrastaste o teu manto…
E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo,

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Saudade

Segue-me noite e dia o teu desejo!…
Oiço a tua voz rúbida e cantante
Suplicar-me a carícia do meu beijo,
numa teima exigente e perturbante!

E o meu corpo vencido, dominado,
vai tombar doloroso, inconsciente,
sobre a lembrança morna do passado
– e fica-se a sonhar… perdidamente!

Mortos, Ainda Morremos

O rastro breve que das ervas moles
Ergue o pé findo, o eco que oco coa,
A sombra que se adumbra,
O branco que a nau larga —

Nem maior nem melhor deixa a alma às almas,
O ido aos indos. A lembrança esquece,
Mortos, inda morremos.
Lídia, somos só nossos.

O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,

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Este é um dos Lugares

Este é um dos lugares (ou parte alguma?)
que nunca esperei ocupar ou ver sequer;
alheio em tudo, igual a tantos outros
que breves soube e de que nada guardo.
Um só espaço em verdade me pertence,
– meu berço, meu texto, meu legado:
a casa que é a mãe e viverá
enquanto eu não abdique do seu sangue.
Lá estou e serei: sou as paredes,
a escuridão que a procura e adormece,
sublimando-a tanto como a luz,
trave do seu lar frio e seu apelo,
pelas janelas vendadas defendida.
Batei à porta, chamai do seu jardim
devastado até não me ser senão lembrança:
lá dentro, responderei, embora aqui,
desde sempre à espera de ninguém.

Lembre-vos quão sem Mudança

Lembre-vos quão sem mudança,
Senhora, é meu querer,
perdida toda esperança;
e de mim vossa lembrança
nunca se pode perder.
Lembre-vos quão sem por quê
desconhecido me vejo;
e, com tudo, minha fé
sempre com vossa mercê,
com mais crecido desejo.

Lembre-vos que se passaram
muitos tempos, muitos dias,
todos meus bens se acabaram,
com tudo, nunca mudaram;
querer-vos, minhas porfias.
Lembre-vos quanta rezão
tive pera esquecer-vos,
e sempre meu coração,
quanto menos galardão,
tanto mais firme em querer-vos.

Lembre-vos que, sem mudar
o querer desta vontade,
me haveis sempre de lembrar,
té de todo me acabar,
vós e vossa saudade.
Lembre-vos como pagais
o tempo que me deveis,
olhai quão mal me tratais:
Sam o que vos quero mais,
o que menos vós quereis.

Lembre-vos tempo passado,
não porque de lembrar seja,
mas vereis quão magoado
devo de ser c’o cuidado
do que minha alma deseja.
Lembre-vos minha firmeza,
de vós tão desconhecida,
lembre-vos vossa crueza,
junta com minha tristeza,

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Amigo

1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

2.
Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

Amigo,
se tens fome come do meu pão.

3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
– como o meu coração – sempre buscando altura.

Sorris-te – amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou… Menos aquela lembrança…

… Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio…

Tradução de Rui Lage

A um Jovem Poeta

Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.