Poemas sobre Mundo

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Poemas de mundo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Sinfonia de Cor

Sempre defronte
de mim
o mar azul, o mar imenso, o mar sem fim,
todo igual e azul até ao horizonte.

Neste dia delirante
de luz crua a jorrar, intensa, lá do alto,
uma vela distante
mancha de branco o seu azul-cobalto.

Um traço de espuma branca
junto à penedia
marca a linha da costa em enseada franca.

E a nota branca
das gaivotas em bando,
esvoaçando
à revelia,
e um ritmo novo de alegria,
de ruído e de graça.

Perto uma vela passa,
lenço branco a acenar…

Não ter asas também para poder voar
aonde me levasse a minha fantasia!
E ser gaivota e mergulhar
na água e bater asas,
alegre, todo o dia!

Poisar nos calhaus negros, que são brasas,
brasas negras a arder,
e ver aos pés a referver
aos borbotões de espuma.

Dar um grito e subir,
subir alto e distante,
já quando a terra se esfuma
e o mar aumenta, quanto mais avante.

Partir!

Partir para o delírio das alturas,

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Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileo!
– e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação –
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

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Evocação

Levanta-te Romeu do túmulo em que dormes
E vem sorrir de novo à boa, à eterna luz!
De noite, ouço dizer que há sombras desconformes
E as noites do passado, oh, devem ser enormes
Na atonia fatal das larvas e da cruz!

Conchega gentilmente ao peito carcomido
Os restos do teu manto: — assim, que bem que estás!

Na terra hão de julgar-te um grande Aborrecido
Que busca desdenhoso o centro do ruído
Nas horas vis do tedio e das insonias más.

O mundo transformou-se; aquele fundo abismo
Do antigo amor fatal, fechou-se d’uma vez,
E tu filho gentil do velho romantismo,
Tu vens achar dormindo o rude prozaismo
No berço onde sonhava a doce candidez!

No entanto pódes crer; faz muito menos frio
Á luz do novo sol; do gaz provocador;
E o século apesar de gasto e doentio,
Não pode já escutar o cântico sombrio
Que fala de edeaes e cousas sem valor!

Em paz deixa dormir a terna Julieta
Que aos céus ainda por ti levanta as brancas mãos;
E enquanto por mim corre a tétrica ampulheta,

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Do Fundo da Mesa

O jantar já tinha sido servido. No fundo da mesa,
os pratos amontoavam-se por entre restos ilesos
de comida. Era para ali que nos retirávamos, para
deixar de sentir por momentos, sobre os ombros,
o peso da literatura. A sua incomodidade. Não
seria possível dela extrair, agora, um novo uso?
Nessas alturas, a filosofia consolava-nos do ruído
das conversas, da própria ênfase a que recorríamos
para que, sobre a mesa, o poema ficasse escrito.
Porque o fazíamos? Tornar-se-ia o mundo
mais limpo depois de escrito? Como as mãos
que no rebordo da toalha, enxugávamos?
E no entanto era esse o melhor argumento
de que dispúnhamos: o das mulheres-escritoras
que, noutro século, fiéis ao desvelo dos armários,
reinventavam o mundo no aconchego das cozinhas.

Gratidão

A minha gratidão te dá meus versos:
Meus versos, da lisonja não tocados,
Satélites de Amor, Amor seguindo
Co’as asas que lhes pôs benigna Fama,
Qual níveo bando de inocentes pombas,
Os lares vão saudar, propícios lares,
Que em doce recepção me contiveram
Incertos passos da Indigência errante;
Dos olhos vão ser lidos, que apiedara
A catástrofe acerba de meus dias,
Dos infortúnios meus o quadro triste;
Vão pousar-te nas mãos, nas mãos que foram
Tão dadivosas para o vate opresso,
Que o peso dos grilhões me aligeiraram,
Que sobre espinhos me esparziram flores,
Enquanto não recentes, vãos amigos,
Inúteis corações, volúvel turba
(A versos mais atenta que a suspiros)
No Letes mergulhou memórias minhas.
Amigos da Ventura e não de Elmano,
Aónio serviçal de vós me vinga;
Ao nome da Virtude o Vício core.

Não sei se vens de heróis, se vens de grandes;
Não sei, meu benfeitor, se teus maiores
Foram cobertos, decorados foram
De purpúreos dosséis, de márcios loiros;
Sei que frequentas da Amizade o templo,
Que és grande,

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Coração Habitado

Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.

Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.

Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.

Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.

História Antiga

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Ontem à Tarde um Homem das Cidades

Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os
outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.

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Caminharemos de Olhos Deslumbrados

Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.

Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.

No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.

Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.

Nus e ensanguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
E coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.

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you are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras,

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A Ti

Como o sol nasce do monte
E todo o vale alumia,
Assim no meu horizonte
Nasceu teu olhar, um dia.

Nessa manhã cor-de-rosa,
Que dos teus olhos saía,
Tua voz melodiosa
Foi a voz da cotovia.

E logo na minha mágoa,
Neste canteiro sem flor,
Brotou, qual nascente de água,
O teu amor, meu Amor!

Então fez sol deslumbrante
Nos dias da minha vida:
Já não era a luz distante,
Já não a fonte escondida.

Nuvens, tormentas e dores,
Que enchiam meu coração,
Tudo se cobriu de flores,
A esse divino clarão!

E à luz que os teus olhos deram,
Como faróis redentores,
Mundos no mundo nasceram,
Do amor brotaram amores.

Três aves no nosso ninho
O enchem de um fulgor sagrado:
Já não és o sol sozinho,
Fizeste o céu estrelado!

Deus te proteja e te guarde,
Minha Mulher, minha Irmã,
Ó minha Estrela da Tarde,
Minha Estrela da Manhã!

Para As Raparigas de Coimbra

1

Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avôzinho,
Falta-te apenas a voz.

2

Minha capa vos acoite
Que é p’ra vos agazalhar:
Se por fóra é cor da noite,
Por dentro é cor do luar…

3

Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobraes, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!

4

A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cae, tolinho, a essa isca…
Só pondo uma flor no anzol!

5

A lua é a hostia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d’uma certa farinha
Que não apanha bolor!

6

Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu’é da tua agoa?
Qu’é dos prantos que eu chorei?

7

A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.

8

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Sêde de Amor

I

Vi-te uma vez e (novo
Extranho caso foi!)
Por entre tanto povo…
Tanta mulher… Suppõe

Que mãe estremecida
Via o seu filho andar
Sobre muralha erguida,
Onde o fizesse ir dar

Aquelle remoinho,
Aquella inquietação
D’um pobre innocentinho
Ainda sem razão!

E ora estendendo os braços…
Ora apertando as mãos…
Vendo-lhe o gesto, os passos,
Quantos esforços vãos,

O triste na cimalha
Faz por voltar atraz…
Sem vêr como lhe valha!
A vêr o que elle faz!

Pallida, exhausta, muda,
Os olhos uns tições,
Com que, a tremer, lhe estuda
As mesmas pulsações…

(Porque não é mais fundo
O mar no equador,
Nem é todo este mundo
Maior do que esse amor!

Mais vasto, largo e extenso
Todo esse céo tambem
Do que o amor immenso
D’um coração de mãe!)

Assim, n’essa agonia…
N’essa intima avidez…
É que entre os mais te eu ia
Seguindo d’essa vez!

Porque te adoro!… a ponto,

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Retórica da Paisagem

O que se pede da poesia? Que nos entretenha os olhos
com as rendas sulfurosas de um doentio crepúsculo?
Com efeito, no poema, as palavras não nos servem
de cestos em que se recolham – dilatados, quase
a cair das árvores – os frutos. E contudo, continuamos
a confundir os caminhos do poema com os do mundo
quando eles, na natureza, apenas nos apontam
a incerteza do destino. As palavras repetem-se –
frutos atirados sobre a mesa – e a morte,
para quem não acredita no poder de transfiguração
das metáforas, esgota da vida todo o sentido.
Diz-se: os ramos não crescem no quadro,
os pássaros deixam de assolar a paisagem –
e o pensamento, ao reflectir-se, deixa a tela
pejada dos restos em que se perdeu pelo
horizonte. Mas todo o conhecimento
acaba no ponto em que o voo se
confunde com a linha acidentada da planície.

Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.

Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!

Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!

Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna.

Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração.

Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduze-me ao pó que fui!
Reduze a pó minha memória!

Reduze a pó
a memória dos homens,

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Súplica

Mortos que em certas horas me falais
Com a vossa mudez ou murmúrios subtis,
Dizei: Custa muito morrer?
Há lá, por esse mundo, uma outra vida,
Que valha a pena viver?

Mortos que em certas horas me tocais
Com a vossa mão fria,
Dizei-me: Com a morte tudo acaba,
Ou, como se nascêssemos de novo,
Um novo mundo principia?

Nada sei.
Sou inexperiente da morte,
Pois não morri ainda.
Queria saber e desvendar
Se com a morte que tomba
Alguma coisa começa,
Ou, se pelo contrário, tudo finda.

Esses que amei, com quem vivi, felizes,
Num mundo de amarguras povoado,
De novo, poderei tornar a vê-los,
Felizes ao meu lado?

Ilusões, quem as criou,
É um benfeitor
Que merece guarida!
Dai-me a ilusão, todos vós que morrestes,
De uma outra vida melhor
Para além desta vida.

Não Fora o Mar!

Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

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Liberta

Noutros cenários a minha alma vive!
Outros caminhos…
Por outras luzes iluminada!
– Eu vim daquele mundo onde estive
tanto tempo emparedada…

Andavam de negro
As minhas horas…
A esquecer-me da vida –
Não me encontrava!
Meus sonhos amortalhados
Em crepúsculo,
A noite não os levava!

………………………..

Um entardecer triste e doloroso
Enrubesceu o céu!
E o meu olhar ansioso
Fundiu-se no teu!

………………………..

E as tuas lindas mãos,
Esguias e nevróticas,
Pintam-me telas rubras
Bizarras e exóticas
De largos horizontes…

………………………..

Hoje, ergue-me a ânsia enorme
De outras horas viver!
– Sensualizando a vida,
Descobrindo novas fontes
De dor e de prazer…

– Orgias de estranha cor
de que tu fosses somente
o extraordinário inventor!

Poema da Eterna Presença

Estou, nesta noite cálida, deliciadamente estendido sobre a relva,
de olhos postos no céu, e reparo, com alegria,
que as dimensões do infinito não me perturbam.
(O infinito!
Essa incomensurável distância de meio metro
que vai desde o meu cérebro aos dedos com que escrevo!)

O que me perturba é que o todo possa caber na parte,
que o tridimensional caiba no dimensional, e não o esgote.

O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo.
E em mim continuaria a caber se me cortassem braços e pernas
porque eu não sou braço nem sou perna.

Se eu tivesse a memória das pedras
que logo entram em queda assim que se largam no espaço
sem que nunca nenhuma se tivesse esquecido de cair;
se eu tivesse a memória da luz
que mal começa, na sua origem, logo se propaga,
sem que nenhuma se esquecesse de propagar;
os meus olhos reviveriam os dinossáurios que caminharam sobre a Terra,
os meus ouvidos lembrar-se-iam dos rugidos dos oceanos que engoliram
continentes,

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Não Deixeis um Grande Amor

Aos poucos apercebi-me do modo
desolado incerto quase eventual
com que morava em minha casa

assim ele habitou cidades
desprovidas
ou os portos levantinos a que
se ligava apenas por saber
que nada ali o esperava

assim se reteve nos campos
dos ciganos sem nunca conseguir
ser um deles:
nas suas rixas insanas
nas danças de navalhas
na arte de domar a dor

chegou a ser o melhor
mas era ainda a criança perdida
que protesta inocência
dentro do escuro

não será por muito tempo
assim eu pensava
e pelas falésias já a solidão
dele vinha

não será por muito tempo
assim eu pensava
mas ele sorria e uma a uma
as evidencias negava

por isso vos digo
não deixeis o vosso grande amor
refém dos mal-entendidos
do mundo