Sonetos sobre Alegria

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Sonetos de alegria escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Nona Sinfonia

É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glória de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.

Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que são ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.

Para o alto se voltam as volutas
hieráticas    sagradas    impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.

Mas de baixo é que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.

X

Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo,
Porás a ovelha branca, e o cajado;
E ambos ao som da flauta magoado
Podemos competir de extremo a extremo.

Principia, pastor; que eu te não temo;
Inda que sejas tão avantajado
No cântico amebeu: para louvado
Escolhamos embora o velho Alcemo.

Que esperas? Toma a flauta, principia;
Eu quero acompanhar te; os horizontes
Já se enchem de prazer, e de alegria:

Parece, que estes prados, e estas fontes
Já sabem, que é o assunto da porfia
Nise, a melhor pastora destes montes.

Velhas Tristezas

Diluências de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.

Murmúrios incógnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.

Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sóis glorificadas.

Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!…

Inconstância

É o meu destino: – hei de seguir assim
como um novo amor por sol, em cada dia…
– o que há pouco era tudo o que queria
já agora não é nada para mim…

Só vive, o que ainda é sonho e fantasia!
O que conquisto encontra logo um fim…
O amor que nasce cheio de alegria
hoje – morre amanhã cheio de esplim…

Inconstante e volúvel, meus desejos
– tem a alma das bolhas de sabão
e a duração efêmera dos beijos…

O amor – é a vida de um perfume no ar,
o encanto de um segundo de ilusão…
– a beleza da espuma sobre o mar!…

XXXII

Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vôo, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …

E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…

Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mão!

XXXVIII

Quando, formosa Nise, dividido
De teus olhos estou nesta distancia,
Pinta a saudade, à força de minha ânsia,
Toda a memória do prazer perdido.

Lamenta o pensamento amortecido
A tua ingrata, pérfida inconstância;
E quanto observa, é só a vil jactância
Do fado, que os troféus tem conseguido.

Aonde a dita está? aonde o gosto?
Onde o contentamento? onde a alegria,
Que fecundava esse teu lindo rosto?

Tudo deixei, ó Nise, aquele dia,
Em que deixando tudo, o meu desgosto
Somente me seguiu por companhia.

Solitário

Longe de ti, do mundo – solitário.
sem o riso das falsas alegrias
vou desfiando, um a um, todos os dias,
como contas de dor, no meu rosário…

E assim – sem Ter ninguém – oh, quantas vezes!
– no amor que já deixei fico a pensar…
E as semanas se escoam sem parar:
a primeira… outra mais… mais outra… e os meses…

O outono já chegou, e as folhas solta…
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho
a pensar que esse amor aos poucos volta…

Mentira!… Vã mentira que me ilude!…
Como é triste a ilusão mesmo num sonho,
Eu que na vida me iludir não pude!…

Dor Suprema

Um amigo me disse: «O que tu crias
É sonho e pretensão, tudo fingido;
O pranto com que a mente sã desvias
É decerto forçado e pretendido!

Em toda a canção e conto que fazes
Porquê palavra dura, amargurada?
Por que ao vero e bom não te comprazes
E, jovem, a alegria é desdenhada?»

Porque, amigo, embora seja a loucura
Ora doce, ora dor inominada,
Nunca a dor humana a dor atura

Da mente louca, da loucura ciente;
Porque a ciência ganha é completada
Com o saber dum mal sempre iminente.

Ajuste De Contas

Esta manhã me acorda para a vida
vinda com luz amena no meu rosto.
Pela janela os raios em descida
são aspas de uma lauda sem desgosto.

Das queixas não me queixo na acolhida
pois somam menos que o maior imposto.
Vale essa vida até aqui vivida
no tom alegre em que me trago exposto.

Mas não me escoro no dever cumprido
porque de ver em muito haver implica
por este olhar ainda não vencido.

Quisera essa alegria que me fica
chegar ao chão de muito irmão ferido
de vida desigual que não se explica.

Foi Um Dia De Inúteis Agonias

Foi um dia de inúteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!…
Fulgiam nuas as espadas frias…
Dia de sol, inundado de sol!…

Foi um dia de falsas alegrias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…
Voltavam ranchos das romarias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…

Dia impressível mais que os outros dias.
Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…
Difuso de teoremas, de teorias…

O dia fútil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias…
Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…

Velhice

Água do rio Letes, onde passas?
Venha a mim o teu curso benfazejo
Que sepulta alegrias ou desgraças
No mesmo esquecimento sem desejo.

Quero beber-te por contínuas taças…
E às horas do passado que revejo,
Pedir-te que as afogues e desfaças
Na carícia e na esmola do teu beijo!

Quem de si nunca esteve satisfeito
E com novas empresas só procura
Corrigir seu engano ou seu defeito,

Não pode recordar sem amargura
Que a mais nenhum esforço tem direito
Na ruína presente e na futura…

Amor De Mentiras

“Amor… De Mentiras…”
I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Como pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?

Tão Simples Este Amor

Tão simples este amor nasceu… Nós nem notamos
que era amor e afeição que aos poucos nos prendia…
O amor, – é aquela flor que engrinalda dois ramos
aos esponsais de luz do sol de cada dia!

Dois ramos, – eu e tu, – e as horas desfolhamos
numa doce, irrequieta e impensada alegria,
– e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos
sonhos verdes aos céus azuis da fantasia!

Tão simples este amor nasceu… Tal como nasce
um beijo em tua boca, um riso em tua face,
uma estrela no céu… ou uma flor de um botão.. .

Nem era necessário mesmo eu te falar,
se já o tens transformado em luz no teu olhar,
e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração!

A Vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida…

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!…

Glórias Antigas

Rubras como gauleses arruivados,
Voltam da guerra as hostes triunfantes,
Trazem nas lanças d’aço lampejantes,
Os louros das batalhas pendurados.

Os escudos e arneses dos soldados
Rutilam como lascas de diamantes
E na armadura os músculos vibrantes,
Rijos, palpitam, batem nervurados.

Dentre estandartes, flâmulas de cores,
Trazem dos olhos rufos de tambores,
Ruídos de alegria estranha e louca.

Chegam por fim, à pátria vitoriosa…
E então, da ardente glória belicosa,
Há um grito vermelho em cada boca!

Contrastes

A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!…

Fortuna Em Mim Guardando Seu Direito

Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!

Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por não dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.

Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memória não faz senão matar-me ,

que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?

Pelo Campo Cantando Vai Contente

Pelo campo cantando vai contente
o Lavrador seguindo o curvo arado:
e canta na prisão o desgraçado,
ao triste som de uma áspera corrente.

Aquele, canta alegre, e docemente,
nas suaves pensões de seu Estado;
este, só por vingar-se de seu fado,
com o Canto disfarça o mal que sente.

Eu também já em doces alegrias,
qual Lavrador, cantei nesta espessura,
sem conhecer do Fado as tiranias:

porém hoje de Amor na prisão dura,
com o Canto disfarço as agonias,
por vingar-me de minha desventura.

Soneto XXXVI

Aquele que é da Bíbora mordido
A todos sua dor e mal encobre,
E só àquele o diz e lho descobre,
Que sabe foi também dela firido.

Tal eu que todo o bem tenho perdido
De todo o gosto e de alegria pobre,
De vós a quem a mesma nuve cobre
Quero só que meu mal seja sabido.

Das searas e campo o lavrador,
Das batalhas e trances o soldado,
Ouve pronto do mar quem no mar trata,

O triste a quem alegra seu cuidado,
Qual borboleta, busca sempre a dor,
Morto d’amores só por quem o mata.

Não te Arruínes, Alma, Enriquece

Centro da minha terra pecadora,
alma gasta da própria rebeldia,
porque tremes lá dentro se por fora
vais caiando as paredes de alegria?

Para quê tanto luxo na morada
arruinada, arrendada a curto prazo?
Herdam de ti os vermes? Na jornada
do corpo te consomes ao acaso?

Não te arruínes, alma, enriquece:
vende as horas de escória e desperdício
e compra a eternidade que mereces,

sem piedade do servo ao teu serviço.
Devora a Morte e o que de nós terá,
que morta a Morte nada morrerá.

Tradução de Carlos de Oliveira