Sonetos sobre Amantes

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Sonetos de amantes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto nĂŁo se vĂȘem:
Um se beija no outro, reflectido.
Dois amantes que sĂŁo? Dois inimigos.

Amantes sĂŁo meninos estragados
pelo mimo de amar: e nĂŁo percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Chuva De Fogo

Meus olhos vĂŁo seguindo incendiados
a chama da leveza nesta dança,
que mostra velho sonho acalentado
de ver a bailarina que me alcança

os sentidos em febre, inebriados,
cativos do delírio e dessa trança.
É sonho, eu sei. E chega enevoado
na mantilha macia da lembrança:

o palco antigo, as luzes da ribalta,
renascença da graça do seu corpo,
balé de sedução, mar que me falta

para o mergulho calmo de um amante,
que se sabe maduro de esperar
essa viva paixĂŁo e seu levante.

XII

Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho Ă  sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ĂĄsperos oiteiros,
Com violĂȘncia maior no campo ardia.

Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.

Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.

Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tĂŁo penetrante,
Onde maior incĂȘndio a alma abrasava.

LXXIII

Quem se fia de Amor, quem se assegura
Na fantåstica fé de uma beleza,
Mostra bem, que nĂŁo sabe, o que Ă© firmeza,
Que protesta de amante a formosura.

Anexa a qualidade de perjura
Ao brilhante esplendor da gentileza,
MudĂĄvel Ă© por lei da natureza,
A que por lei de Amor Ă© menos dura.

Deste, Ăł FĂĄbio, que vĂȘs, desordenado,
Ingrato proceder se Ă© que examinas
A razĂŁo, eu a tenho decifrado:

SĂŁo as setas de Amor tĂŁo peregrinas,
Que esconde no gentil o golpe irado;
Para lograr pacĂ­fico as ruĂ­nas.

Arrufos

NĂŁo hĂĄ no mundo quem amantes visse
Que se quisessem como nos queremos;
Mas hoje uma questiĂșncula tivemos
Por um caprichosinho, uma tolice.

– Acabemos com isto! ela me disse,
E eu respondi-lhe assim: – Pois acabemos!
– E fiz o que se faz em tais extremos:
Peguei no meu chapéu com fanfarrice,

E, dando um gesto de desdém profundo,
SaĂ­ cantarolando. EstĂĄ bem visto
Que a forma ali contradizia o fundo.

Ela escreveu. Voltei. Nem Jesus Cristo,
Nem minha MĂŁe, voltando agora ao mundo,
Foram capazes de acabar com isto!

Soneto I – Leandro E Hero

O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma nĂŁo se apaga
O fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).

Ao vĂȘ-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… Ă©s morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!

Morreste!… mas… (e Ă s ondas se arrojando
Assim termina jĂĄ sorvendo a morte)
Hei de, mĂĄrtir de amor, morrer te amando.”

Cantares Bacantes IV

SĂŁo Mateus bebo teu verbo
conjugado na tintura,
semi-breve partitura
na regĂȘncia d’um Efebo.

Ocarina chora uvas
esmagadas no sermĂŁo,
e esconde no coração
gotas vermelhas de chuvas.

Um pombo pousa na taça
evangelho vivo de asas:
traz ao bico, verde salsa.

A boa nova rascante
que me entra pela boca
doce beijo da amante.

A um Corpo Perfeito

Nenhum corpo mais lacteo e sem defeito
Mais roseo, esculptural e femenino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Immovel, nĂč, sobre o comprido leito! –

Nada te eguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matal-a, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D’aquelle corpo sem rival, perfeito.

Por isso Ă© muito altiva e apetecida; –
E o goso sensual de a vĂȘr vencida
Ha de ser forte, extranho e singular…

Como o das cousas dignas de castigo;
– Ou d’um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d’um altar.

LXVI

NĂŁo te assuste o prodĂ­gio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.

Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pĂŽs: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.

Se em ti se dĂĄ piedade, Ăł passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:

Lågrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres Ă  minha sepultura.