Sonetos sobre Castigo

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Sonetos de castigo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Eu Não Lastimo O Próximo Perigo

Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo.

A prisão não lastimo, outra vez digo,
nem o ver iminente o duro corte,
que é ventura também achar a morte
quando a vida só serve de castigo.

Ah, quão depressa então acabar vira
este enredo, este sonho, esta quimera,
que passa por verdade e é mentira!

Se filhos, se consorte não tivera
e do amigo as virtudes possuíra,
um momento de vida eu não quisera.

XIV

Viver não pude sem que o fel provasse
Desse outro amor que nos perverte e engana:
Porque homem sou, e homem não há que passe
Virgem de todo pela vida humana.

Por que tanta serpente atra e profana
Dentro d’alma deixei que se aninhasse?
Por que, abrasado de uma sede insana,
A impuros lábios entreguei a face?

Depois dos lábios sôfregos e ardentes,
Senti duro castigo aos meus desejos
O gume fino de perversos dentes…

E não posso das faces poluídas
Apagar os vestígios desses beijos
E os sangrentos sinais dessas feridas!

Pecador

Este é o altivo pecador sereno,
Que os soluços afoga na garganta,
E, calmamente, o copo de veneno
Aos lábios frios sem tremer levanta.

Tonto, no escuro pantanal terreno
Rolou. E, ao cabo de torpeza tanta,
Nem assim, miserável e pequeno,
Com tão grandes remorsos se quebranta.

Fecha a vergonha e as lágrimas consigo…
E, o coração mordendo impenitente,
E, o coração rasgando castigado,

Aceita a enormidade do castigo,
Com a mesma face com que antigamente
Aceitava a delícia do pecado.

A Um Moribundo

Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono…

A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono…

O que há depois? Depois?… O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?

Que importa? Que te importa, ó moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!…

Mas adonde Irei Eu

Mas adonde irei eu, que este não seja,
Se a causa deste ser levo comigo?
E se eu próprio me perco, e me persigo,
Quem será que me poupe ou que me reja?

Porque me hei-de queixar do Tempo e Inveja,
Se eu a quis mais fiel ou mais amigo?
Fui deixado em si mesmo por castigo:
Triste serei em quanto em mim me veja.

Esta empresa que em mim tanto em vão tomo,
Esta sorte que em mim seu dano ensaia,
Esta dor que minha Alma em mim cativa.

Vós só podeis mudar. Mas isto como?
Como? Fazendo que a minha alma saia
De mim, senhora, e dentro de vós viva.

Soneto de Mal Amar

Invento-te    recordo-te   distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.

E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência    meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.

Pois se para os Amar não Foram Feitos

Pois se para os amar não foram feitos,
Senhor, aqueles olhos soberanos,
Porque, por tantos modos, mais que humanos,
Pintando os estivestes tão perfeitos?

Se tais palavras e se tais conceitos,
Tão divinas, tão longe de profanos,
Não destes por oráculo aos enganos,
Com que Amor vive nos mais altos peitos,

Porque, Senhor, tanta beleza junta,
Tanta graça e tal ser lhe foi deitado,
Qual ídolo nenhum gozara antigo?

Mas como respondeis a esta pergunta?
Que ou para disculpar o meu pecado,
Ou para eternizar o meu castigo?

Amargura

Só podes me ofertar o silêncio e a amargura,
– meu pobre amor de ti só espera a indiferença…
Perdoa o meu amor… perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa…

Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença…
Foi então que te vi… e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa…

E foi assim que um dia eu fui sentimental…
Acreditei no amor… E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer – mas não te quero mal…

Quem amou, fui eu só… Eu nunca fui amado!…
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!

Alucinação À Beira-Mar

Um medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telúrico recorte,
Na diuturna discórdia, a equórea coorte
Atordoadoramente ribombava!

Eu, ególatra céptico, cismava
Em meu destino!… O vento estava forte
E aquela matemática da Morte
Com os seus números negros me assombrava!

Mas a alga usufructuária dos oceanos
E os malacopterígios subraquianos
Que um castigo de espécie emudeceu,

No eterno horror das convulsões marítimas
Pareciam também corpos de vítimas
Condenadas à Morte, assim como eu!

Marília De Dirceu

Soneto 9

Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda não deixais tão vil traidora?

Não haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim não sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.

Vingai, ó justos céus…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.

Não, não vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixão do seu castigo
Há de aumentar depois o meu tormento.

Cenas De Escravidão

Acabara o castigo… áspero, cavo,
Cheio de angústia um grito lancinante
Estala atroz na boca hirta, arquejante;
Na boca negra, esquálida do escravo…

O seu algoz… oh! não — íntimo travo
O seu olhar espelha — rubro, iriante…
É um escravo também, brônzeo, possante;
Arfa-lhe em dor o peito largo e bravo!

Cumprira as ordens do Senhor… tremente,
Fita o infeliz, calcado ao chão, dolente,
Velado o olhar num dolorido brilho…

Fita-o… depois, num ímpeto sublime
Ergue-o; no peito cálido o comprime,
Cinge-o a chorar — Meu filho! pobre filho!

Em Prisões Baixas Fui Um Tempo Atado

Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor não quer cordeiros, nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.

Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
só por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu já’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.

O Redentor Chorando

Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.

Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.

Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.

Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.

Vós Outros, Que Buscais Repouso Certo

Vós outros, que buscais repouso certo
na vida, com diversos exercícios;
a quem, vendo do mundo os benefícios,
o regimento seu está encoberto;

dedicai, se quereis, ao desconcerto
novas hontas e cegos sacrifícios;
que, por castigo igual de antigos vícios,
quer Deus que andem as cousas por acerto.

Não caiu neste modo de castigo
quem pôs culpa à Fortuna, quem sòmente
crê que acontecimentos há no mundo.

A grande experiência é grão perigo;
mas o que a Deus é justo e evidente
parece injusto aos homens e profundo.

Pedra Tumular

A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.

Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.

Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?

Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.

Velho Tema V

“Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.”

Assim penso, assim quero, assim me engano…
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

Camões II

Quando, transposta a lúgubre morada
Dos castigos, ascende o florentino
A região onde o clarão divino
Enche de intensa luz a alma nublada,

A saudosa Beatriz, a antiga amada,
A mão lhe estende e guia o peregrino,
E aquele olhar etéreo e cristalino
Rompe agora da pálpebra sagrada.

Tu que também o Purgatório andaste
Tu que rompeste os círculos do Inferno,
Camões, se o teu amor fugir deixaste,

Ora o tens. como um guia alto e superno
Que a Natércia da vida que choraste
Chama-se Glória e tem o amor eterno.

A um Corpo Perfeito

Nenhum corpo mais lacteo e sem defeito
Mais roseo, esculptural e femenino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Immovel, nù, sobre o comprido leito! –

Nada te eguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matal-a, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D’aquelle corpo sem rival, perfeito.

Por isso é muito altiva e apetecida; –
E o goso sensual de a vêr vencida
Ha de ser forte, extranho e singular…

Como o das cousas dignas de castigo;
– Ou d’um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d’um altar.

LXVI

Não te assuste o prodígio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.

Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pôs: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.

Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:

Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres à minha sepultura.