Sonetos sobre SacrifĂ­cio

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Sonetos de sacrifício escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Vaidade

Tua vaidade Ă© como um deus antigo
exige sacrifĂ­cios aos seus pĂ©s…
Olhar-te, Ă© desafiar algum perigo,
amar-te, Ă© procurar algum revĂ©s…

Olhei-te, e desde entĂŁo teus passos sigo…
Amei-te, e mesmo assim. nĂŁo sei quem Ă©s…
Meu amor, pobre amor, quase o maldigo,
talvez seja outra vitima a teus pĂ©s…

Amores, esperanças e desejos
ardem nos castiçais dessa vaidade
ao incenso sensual que hĂĄ nos teus beijos.. .

Eis que te trago aqui meu coração.
JĂĄ de nada me serve, se em verdade
converteu-se a tĂŁo fĂștil religiĂŁo!

XXV

NĂŁo de tigres as testas descarnadas,
Não de hircanos leÔes a pele dura,
Por sacrifĂ­cio Ă  tua formosura,
Aqui te deixo, Ăł Lise, penduradas:

Ânsias ardentes, lágrimas cansadas,
Com que meu rosto enfim se desfigura,
SĂŁo, bela ninfa, a vĂ­tima mais pura,
Que as tuas aras guardarĂŁo sagradas.

Outro as flores, e frutos, que te envia,
Corte nos montes, corte nas florestas;
Que eu rendo as mĂĄgoas, que por ti sentia:

Mas entre flores, frutos, peles, testas,
Para adornar o altar da tirania,
Que outra vĂ­tima queres mais, do que estas ?

Uma Doença CĂșmplice

uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂ­lio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

Ă  febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂ­lia e a injĂșria

que hĂĄ no sacrifĂ­cio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘncia

do silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.

Arrependimento

Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alĂ­vio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
NĂŁo vale o que te dei de encantamento.

Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.

Hoje, ambos Ă  mercĂȘ de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.

Padecemos idĂȘntico suplĂ­cio:
Tu – corroĂ­da de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifĂ­cio.

Enclausurada

Ó Monja dos estranhos sacrifícios,
Meu amor imortal, Ave de garras
E asas gloriosas, triunfais, bizarras,
Alquebradas ao peso dos cilĂ­cios.

Reclusa flor que os mais revéis flagícios
Abalaram com as trĂĄgicas fanfarras,
Quando em formas exĂłticas de jarras
Teu corpo tinha a embriaguez dos vĂ­cios.

Para onde foste, ó graça das mulheres,
Graça viçosa dos vergéis de Ceres
Sem que o meu pensamento te persiga?!

Por onde eternamente enclausuraste
Aquela ideal delicadeza de haste,
De esbelta e fina ateniense antiga?!

Quando, Senhora, Quis Amor Que Amasse

Quando, Senhora, quis Amor que amasse
essa grã perfeição e gentileza,
logo deu por sentença que a crueza
em vosso peito amor acrescentasse.

Determinou que nada me apartasse,
nem desfavor cruel, nem aspereza;
mas que em minha rarĂ­ssima firmeza
vossa isenção cruel se executasse.

E, pois tendes aqui oferecida e
sta alma vossa a vosso sacrifĂ­cio,
acabai de fartar vossa vontade.

NĂŁo lhe alargueis, Senhora, mais a vida;
acabarĂĄ morrendo em seu oficio,
sua fé defendendo e lealdade.

Trocou Finita Vida por Divina, Infinita e Clara Fama

− Não passes, caminhante! − Quem me chama?
− Uma memória nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.

− Quem Ă© que tĂŁo gentil louvor derrama?
− Quem derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitĂŁo de Cristo, que mais ama.

− Ditoso fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tĂŁo alta sorte.

− Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indĂ­cio
De vir a merecer tĂŁo santa morte.

Divina

Eu nĂŁo busco saber o inevitĂĄvel
Das espirais da tua vi matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
Que envolve todo o ser inconsolĂĄvel.

Bem sei que no teu circulo maleĂĄvel
De vida transitĂłria e mĂĄgoa seria
Hå manchas dessa orgùnica miséria
Do mundo contingente , imponderĂĄvel .

Mas o que eu amo no teu ser obscuro
E o evangélico mistério puro
Do sacrifĂ­cio que te torna heroĂ­na.

SĂŁo certos raios da tu’alma ansiosa
E certa luz misericordiosa,
E certa auréola que te fez divina!

Paira No AmbĂ­guo Destinar-Se

Paira no ambĂ­guo destinar-se
Entre longĂ­nquos precipĂ­cios,
A Ăąnsia de dar-se preste a dar-se
Na sombra vaga entre suplĂ­cios,

Roda dolente do parar-se
Para, velados sacrifĂ­cios,
Não ter terraços sobre errar-se
Nem ilusÔes com interstícios,

Tudo velado, e o Ăłcio a ter-se
De leque em leque, a aragem fina
Com consciĂȘncia de perder-se…

Tamanha a flama e pequenina
Pensar na mĂĄgoa japonesa
Que ilude as sirtes da Certeza.

VĂłs Outros, Que Buscais Repouso Certo

VĂłs outros, que buscais repouso certo
na vida, com diversos exercĂ­cios;
a quem, vendo do mundo os benefĂ­cios,
o regimento seu estĂĄ encoberto;

dedicai, se quereis, ao desconcerto
novas hontas e cegos sacrifĂ­cios;
que, por castigo igual de antigos vĂ­cios,
quer Deus que andem as cousas por acerto.

NĂŁo caiu neste modo de castigo
quem pĂŽs culpa Ă  Fortuna, quem sĂČmente
crĂȘ que acontecimentos hĂĄ no mundo.

A grande experiĂȘncia Ă© grĂŁo perigo;
mas o que a Deus Ă© justo e evidente
parece injusto aos homens e profundo.