Sonetos sobre Céu

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Sonetos de céu escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Judia

Ah! Judia! Judia impenitente!
De erma e de turva regiĂŁo sombria
De areia fulva, bárbara, inclemente,
Numa desolação, chegaste um dia…

Través o céu mais tórrido, mais quente,
Onde a luz mais flamĂ­voma radia,
A voz dos teus, nostálgica, plangente,
Vibrou, chorou, clamou por ti, Judia!

Ave de melancólicos mistérios,
Ruflaste as asas por Azuis sidérios,
Ébria dos vĂ­cios cĂ©lebres que salvam…

Para alguns corações que ainda te buscam
És como os sóis que rútilos coruscam
E a torva terra do deserto escalvam!

Primavera

A meu irmĂŁo Odilon dos Anjos

Primavera gentil dos meus amores,
– Arca cerĂşlea de ilusões etĂ©reas,
Chova-te o Céu cintilações sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virá, porém, o triste outono,
Os dias voltarĂŁo a ser tristonhos
E tu hás de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerĂşleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!

Palavras

Ah! como me parece inĂştil tudo quando
sobre nos tenho escrito e hei de ainda compor…
não há verso que valha uma gota de pranto
nem poema que traduza um segundo de dor.

Nem palavra que exprima a singeleza e o encanto
de um pedaço do céu, de um olhar, de uma flor!
Ah! como me parece inĂştil tudo quanto
na vida, tenho escrito sobre o nosso amor.

NĂŁo devia existir a palavra… Devia
existir tĂŁo somente a infinita poesia
dos gestos e da luz, – que o amor do meu enlevo

quando o sinto, Ă© profundo, indefinido e imenso,
mas se o chĂŁo tĂŁo grande quando nele penso
parece-me tĂŁo pouco se sobre ele escrevo!

Soneto, Ă s Cinco Horas da Tarde

Agora que me instigo e me arremesso
ao branco ofĂ­cio de prender meu sono
e depois atirá-lo em seu vestido
feito de céu e restos de incerteza,

recolho inutilmente de seus lábios
a precisĂŁo do sangue do silĂŞncio
e inauguro uma tarde em suas mĂŁos
grávidas de gestos e de rumos.

Pelo temor e o débil sobressalto
de encontrar sua ausĂŞncia numa esquina
quando extingui canção e permanência,

guardei todo o impossĂ­vel de seus olhos,
embora ouvisse, longe, além dos mapas,
bruscos mastins de cedro em seus cabelos.

Tua Carta

A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
Ă  hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo… e me esqueço a sonhar…

Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religiĂŁo…

Tua carta, nem sei… releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante…

Paradoxos talvez, mentiras!… NĂŁo te esqueço
se toda noite assim ( há não sei quantos dias ),
com teu nome em meus lábios… rezando adormeço!…

O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (NĂŁo Ă© meu…)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a prĂłpria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar…

Amo!

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidĂŁo em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo – amo a glĂłria de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

Quinze Anos

Eu amo a vasta sombra das montanhas,
Que estendem sobre os largos continentes
Os seus braços de rocha negra, ingentes,
Bem como braços colossais aranhas.

D’ali o nosso olhar vĂŞ tĂŁo estranhas
Coisas, por esse céu! e tão ardentes
Visões, lá n’esse mar de ondas trementes!
E Ă s estrelas, d’ali, vĂŞ-as tamanhas!

Amo a grandeza misteriosa e vasta…
A grande ideia, como a flor e o viço
Da árvore colossal que nos domina…

Mas tu, criança, sĂŞ tu boa… e basta:
Sabe amar e sorrir… Ă© pouco isso?
Mas a ti sĂł te quero pequenina!

Ciganos em Viagem

A tribo que prevĂŞ a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Ă€s costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.

Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stá aberto
O império familiar das trevas do futuro!

Tradução de Delfim Guimarães

ImpassĂ­vel

Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um sĂł dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vĂŞ-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.

Mil Anos Há que Busco a Minha Estrela

Mil anos há que busco a minha estrela
E os Fados dizem que ma tĂŞm guardada;
Levantei-me de noite e madrugada,
Por mais que madruguei, nĂŁo pude vĂŞ-la.

Já não espero haver alcance dela
SenĂŁo depois da vida rematada,
Que deve estar nos céus tão remontada
Que só lá poderei gozá-la e tê-la.

Pensamentos, desejos, esperança,
NĂŁo vos canseis em vĂŁo, nĂŁo movais guerra,
Façamos entre os mais uma mudança:

Para me procurar vida segura
Deixemos tudo aquilo que há na terra,
Vamos para onde temos a ventura.

DelĂ­rio Do Som

O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a mĂşsica do arminho,
O perfume do lĂ­rio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.

Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.

Caminho

I

Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…

Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…

Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.

Classicismo

LongĂ­nquo descendente dos helenos
pelo espĂ­rito claro, a alma panteĂ­sta,
– amo a beleza esplĂŞndida de VĂŞnus
com uma alegria singular de artista!

Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas sĂŁo serenos!

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chĂŁo; nos lábios, tenho mel…

Meu culto Ă© a liberdade e a vida sĂŁ.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã!

Clarisse

“NĂŁo sei o que Ă© tristeza,” ela me disse…
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do Céu caísse!

E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possĂ­vel que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?

Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!

E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!

Resposta

Alma: nĂŁo tiveste um lugar. Assim,
te foste ao reino prometido, e dobras-te
agora em quanta solidĂŁo venceste,
impelida num mundo de retorno.

Nem a razĂŁo expectante permitiu
o maior pensamento de certezas!
Alma: da terra ao céu o traço fino
da tua directriz — mais nĂŁo ficou…

Eis a vida — pó cruel, ansiedade
que deu a forma à tua acção perfeita
em sombras de tristeza e dia a dia.

Desvendado segredo! A dor que seja
o fogo, tua lembrança encontrou
nesse vazio a Ăşnica palavra…

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 9

Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda nĂŁo deixais tĂŁo vil traidora?

NĂŁo haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim nĂŁo sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.

Vingai, Ăł justos cĂ©us…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.

NĂŁo, nĂŁo vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixĂŁo do seu castigo
Há de aumentar depois o meu tormento.

PĂ´s-se o Sol

PĂ´s-se o sol… Como já na sombra feia
Do dia pouco a pouco a luz desmaia,
E a parda mĂŁo da noite, antes que caia,
De grossas nuvens todo o ar semeia!

Apenas já diviso a minha aldeia;
Já do cipreste não distingo a faia.
Tudo em silêncio está; só lá na praia
Se ouvem quebrar as ondas pela areia.

Co’a mão na face, a vista ao céu levanto;
E cheio de mortal melancolia,
Nos tristes olhos mal sustenho o pranto.

E se inda algum alĂ­vio ter podia,
Era ver esta noite durar tanto
Que nunca mais amanhecesse o dia!

Grande Amor

Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trĂŞmulas enlaça…
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.

Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.

Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido…

Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.

TrĂŞs Rosas

Sempre, mas sobretudo nas brumosas
Horas da tarde, quando acaba o dia,
Quando se estrela o céu, tenho a mania
De descobrir, de ver almas nas cousas.

Pendem deste gomil trĂŞs lindas rosas;
Uma Ă© rosada, a outra branca e fria,
Rubra a terceira; e a minha fantasia
Torna-as humanas, vivas, amorosas.

Sei que sĂŁo rosas, rosas sĂł! mas nada
Impede, enquanto cai lá fora a chuva,
Que a minha mente a fantasiar se ponha:

Por ser noiva a primeira, Ă© que Ă© rosada;
Branca a segunda está, por ser viúva;
A vermelha pecou … e tem vergonha!