Metempsicose
Ausentes filhas do prazer: dizei-me!
Vossos sonhos quais sĂŁo, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vĂłs se agita e freme?N’outra vida e outra esfera, aonde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tinheis? que matéria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?VĂłs fostes nas florestas bravas feras,
Arrastando, leĂ´as ou pantheras,
De dentadas de amor um corpo exangue…Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze flutuante…
Lobas! leĂ´as! sim, bebei meu sangue!
Sonetos sobre Feras de Antero de Quental
4 resultadosMors – Amor
Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terrĂveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
NĂŁo sei que horror nas crinas agitadas?Um cavaleiro de expressĂŁo potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: “Eu sou a morte!”
Responde o cavaleiro: “Eu sou o Amor!”
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incĂłgnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquĂssimo inimigo…Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paĂşl, glauco pascigo…Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade…Interrogo o infinito e Ă s vezes choro…
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente Ă liberdade.
No Circo
(A JoĂŁo de Deus)
Muito longe d’aqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse mundo, em que eu vivia…
Mas tĂŁo longe… que atĂ© dizer podia
Que enquanto lá andei, andei sonhando…Porque era tudo ali aĂ©reo e brando,
E lĂşcida a existĂŞncia amanhecia…
E eu… leve como a luz… atĂ© que um dia
Um vento me tomou, e vim rolando…CaĂ e achei-me, de repente, involto
Em luta bestial, na arena fera,
Onde um bruto furor bramia solto.Senti um monstro em mim nascer n’essa hora,
E achei-me de improviso feito fera…
— É assim que rujo entre leões agora!