Sonetos sobre Infelizes

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Sonetos de infelizes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

III – A IdĂ©ia Consoladora

Vendo as ondas correr para o ocidente,
Corre mais do que elas a saudade,
Mas espero que a minha enfermidade
O mesmo me consinta brevemente.

Com saĂșde mais lustre dar Ă  mente
É cousa que enobrece a humanidade;
Contudo agora o paga a amizade
Da pĂĄtria, e da famĂ­lia, cruelmente;

Mas consola-me a idĂ©ia, — que mais forte
Lhes voltarei para melhor amĂĄ-los,
Pois mais anos assim até a morte

Eu mostrarei que sempre quis ligĂĄ-los
Na feliz, e também na infeliz sorte
Para, amando-os, ainda consolĂĄ-los.

Desdéns

Realçam no marfim da ventarola
As tuas unhas de coral felinas
Garras com que, a sorrir, tu me assassinas,
Bela e feroz… O sĂąndalo se evolua;

O ar cheiroso em redor se desenrola;
Pulsam os seios, arfam as narinas…
Sobre o espaldar de seda o torso inclinas
Numa indolĂȘncia mĂłrbida, espanhola…

Como eu sou infeliz! Como Ă© sangrenta
Essa mĂŁo impiedosa que me arranca
A vida aos poucos, nesta morte lenta!

Essa mĂŁo de fidalga, fina e branca;
Essa mĂŁo, que me atrai e me afugenta,
Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!

Homo

Nenhum de vĂłs ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece…

NinguĂ©m sabe quem sou… e mais, parece
Que hĂĄ dez mil anos jĂĄ, neste degredo,
Me vĂȘ passar o mar, vĂȘ-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece…

Sou um parto da Terra monstruoso;
Do hĂșmus primitivo e tenebroso
Geração casual, sem pai nem mĂŁe…

Misto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanás; — talvez um filho
Bastardo de JeovĂĄ; — talvez ninguĂ©m!

Cheguei Tarde

Cheguei tarde, bem sei…E apĂłs minha chegada
foi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido…
Mas teu vulto, distante, em sombras jĂĄ perdido,
divisar ainda pude, ao longe, pela estrada…

Seguia-te outro vulto, – o alguĂ©m desconhecido
que primeiro encontraste em tua caminhada…
Partiste! …E eras feliz, porque partiste amada,
e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido…

JĂĄ nĂŁo te vejo mais… Vai distante talvez…
E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém,
por onde tu partiste, um dia, certa vez…

Fiquei…Curtindo a dor de um destino atrasado…
– Sorrindo, por te ver feliz…Junto de alguĂ©m,
– chorando, por nĂŁo ter mais cedo te encontrado!…

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim nĂŁo pensa;
No entanto o mundo Ă© uma ilusĂŁo completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glĂłria no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Nos Campos O VilĂŁo Sem Susto Passa

Nos campos o vilĂŁo sem susto passa
inquieto na corte o nobre mora;
o que Ă© ser infeliz aquele ignora,
este encontra nas pompas a desgraça;

aquele canta e ri, não se embaraça
com essas coisas vĂŁs que o mundo adora;
este (oh cega ambição!) mil vezes chora,
porque não acha bem que o satisfaça;

aquele dorme em paz no chĂŁo deitado,
este no ebĂșrneo leito precioso
nutre, exaspera velador cuidado,

triste, sai do palĂĄcio majestoso.
Se hås-de ser cortesão mas desgraçado,
anter ser camponĂȘs e venturoso.

XX

Ai de mim! como estou tĂŁo descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo o trasmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!

Ouço o rumor que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do pastor; e desconheço
NĂŁo menos, do que ao dono, o mesmo gado:

Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver, quanto em meu dano se executa.

Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta;
Que triste alĂ­vio! ah infeliz Daliso!

Soneto

Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos 2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brĂŽnzea trama neuronial,

Que poder embriolĂłgico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogĂȘnese de infante
A minha morfogĂȘnese ancestral?!

Porção de minha plåsmica substùncia,
Em que logar irĂĄs passar a infĂąncia,
Tragicamente anĂŽnimo, a feder?!…

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!

LI

Adeus, Ă­dolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂ­sera publica,
Que tens barbaramente conseguido.

Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.

E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;

Na imensa confusĂŁo de seus pesares
AcharĂĄs, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂ­tima de uma alma em teus altares.

Fui Gostar De VocĂȘ

“Fui Gostar de VocĂȘ”
III
Fui gostar de vocĂȘ… Eu, que dizia:
– jamais hei de gostar! Gostar Ă© crer,
e crer Ă© quase amar – e amar Ă© a via
mais curta entre o bom senso e o enlouquecer.. .

Fui gostar de vocĂȘ… Certo a ironia
da sorte nos obriga a desdizer…
Ontem, zombava de quem chora, e ria;
– hoje, inverso afinal Ă© o meu viver. ..

Fui gostar de vocĂȘ – vocĂȘ no entanto
jĂĄ tendo um grande amor, fez-me o veneno
do despeito tragar no amargo pranto…

E no fim disto tudo. . . – ninguĂ©m crĂȘ. . .
– Infeliz, muito embora eu me condeno
eu ainda defendo o que me fez vocĂȘ!…

Cenas De EscravidĂŁo

Acabara o castigo… ĂĄspero, cavo,
Cheio de angĂșstia um grito lancinante
Estala atroz na boca hirta, arquejante;
Na boca negra, esquĂĄlida do escravo…

O seu algoz… oh! nĂŁo — Ă­ntimo travo
O seu olhar espelha — rubro, iriante…
É um escravo tambĂ©m, brĂŽnzeo, possante;
Arfa-lhe em dor o peito largo e bravo!

Cumprira as ordens do Senhor… tremente,
Fita o infeliz, calcado ao chĂŁo, dolente,
Velado o olhar num dolorido brilho…

Fita-o… depois, num Ă­mpeto sublime
Ergue-o; no peito cĂĄlido o comprime,
Cinge-o a chorar — Meu filho! pobre filho!

ObsessĂŁo

Os bosques para mim sĂŁo como catedrais,
Com orgĂŁos a ulular, incutindo pavor…
E os nossos coraçÔes, – jazidas sepulcrais,
De profundis tambĂ©m soluçam, n’um clamor.

Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh’alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.

Ai! como eu te amaria, Ăł Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!

Que a própria escuridão é tambem uma téia,
Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que perdi, – espectros familiares!

Tradução de Delfim Guimarães

Eu nĂŁo Quero Esquecer os Dias que Viveram

Eu nĂŁo quero esquecer os dias que viveram.
Por eles escrevi estes versos mofinos;
escrevi-os Ă  tarde ouvindo rir meninos,
meninos loiro-sĂłis que bem cedo morreram.

Eu nĂŁo quero esquecer os dias que enumeram
desejos e prazeres, rezas e desatinos;
e, em loucuras ou entoando hinos,
lĂĄ na Curva da Estrada, azuis, desapareceram.

Eu nĂŁo quero esquecer dos dias mais felizes
a bĂȘnção branca-e-astral, lĂĄ das Alturas vinda,
nem tampouco o travor das horas infelizes.

Eu nĂŁo quero esquecer… Quero viver ainda
o tempo que secou, mas que deixou raĂ­zes,
e em verde volverĂĄ, e florirĂĄ ainda…

XXXVII

Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tĂŁo pesada,
HĂĄ de ser sempre aflita, e magoada,
Se como o tempo enfim se hĂĄ de ir mudando:

Em golfos de esperança flutuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez nĂŁo esperada
Ao pélago infeliz me vai levando.

Tenho jĂĄ o meu mal tĂŁo descoberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois nĂŁo pode ser mais seu desconcerto.

Que me pode fazer a sorte dura,
Se para nĂŁo sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixĂŁo, Ă© jĂĄ loucura!