Sonetos sobre Lados

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Sonetos de lados escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Caminho III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada…
Eis os nossos bordÔes da caminhada,
Vai jĂĄ rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
TĂŁo virgem nĂŁo o temos na jornada…
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este nĂ©ctar avigora!…

Cada um por seu lado!… Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar sĂł todo o caminho,
Eu posso resistir Ă  grande calma!…

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fĂ© e sonhar – encher a alma.

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

A Luz

Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)

Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data nĂŁo importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e hĂĄ risos pela casa…E hĂĄ alegria…

Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!

Fui Gostar De VocĂȘ

“Fui Gostar de VocĂȘ”
II
Fui gostar de vocĂȘ – facilitei
no poder de seus olhos… Que loucura! …
– Nunca pensei que um dia esta figura
havia de fazer… Nunca pensei…

Bem triste a pantomima. . . E o que nem sei
Ă© como hei de aturar esta tortura,
de ver vocĂȘ e alguĂ©m numa ventura
que sonhei para mim – que em vĂŁo sonhei

Fui gostar de vocĂȘ – e agora vejo
que este amor viverĂĄ num sonho apenas,
– na renĂșncia suprema do que almejo…

É inĂștil meu viver… Hoje, ao seu lado
sou alguém que sepulta as próprias penas
no orgulho triste de quem foi deixado.

Colegial

Gosto de vĂȘ-la, assim… Quando Ă  tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…

Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tĂŁo bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…

Azul: – azul Ă© a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca Ă© a cor da sua alma de criança
onde ela prĂłpria se olha irrequieta e risonha

Feliz… NĂŁo tem presente e ainda nem tem passado…
SĂł o futuro, – e o futuro Ă© uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!

Ciganos em Viagem

A tribo que prevĂȘ a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrÔes, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde jĂĄ fulgurou muita ilusĂŁo amada.

Na buraca onde estĂĄ encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stĂĄ aberto
O império familiar das trevas do futuro!

Tradução de Delfim Guimarães

Senhora I

No calmo colo pouso meus segredos
Senhora que sabeis minhas fraquezas.
convoco sĂł convosco o que antecedo
na lira ensimesmada da incerteza.

NĂŁo sei se o vero verso do degredo
vem albergado ou presa de represa
das frias ĂĄguas Ă­ntimas do medo
lavando o frĂĄgil lado da tristeza.

A depressiva face nĂŁo mostrada
esplende em vosso espelho que me abriga
lambendo o sal dos olhos da geada.

Águas que são do orvalho da fadiga
de recorrentes gotas espalhadas
regando as vossas mĂŁos de amada e amiga

Namorados

Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estĂŁo seguindo
o mais suave de todos os caminhos…

Com gravetos de sonho vĂŁo construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplĂȘndida ilusĂŁo de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…

Nada tolda os seus olhos… Nem um vĂ©u…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vĂȘem Ă© o azul do cĂ©u…

Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!

Luva Abandonada

Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!

Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ĂĄvida o cheiro delicado
Que aquela mĂŁo de dedos claros tinha.

CĂĄlix que a alma de um lĂ­rio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chĂŁo pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada…

Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!

Caminho

I

Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…

Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…

Porque a dor, esta falta d_harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂȘ, nem eu o sei.
d Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada Ă© maior indo sozinho

É longe, Ă© muito longe, hĂĄ muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvårio,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que choramos a dor de cada um…

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A Alma Dos Vinte Anos

A alma dos meus vinte anos noutro dia
Senti volver-me ao peito, e pondo fora
A outra, a enferma, que lĂĄ dentro mora,
Ria em meus lĂĄbios, em meus olhos ria.

Achava-me ao teu lado entĂŁo, Luzia,
E da idade que tens na mesma aurora;
A tudo o que jĂĄ fui, tornava agora,
Tudo o que ora nĂŁo sou, me renascia.

Ressenti da paixĂŁo primeira e ardente
A febre, ressurgiu-me o amor antigo
Com os seus desvarios e com os seus enganos…

Mas ah! quando te foste, novamente
A alma de hoje tornou a ser comigo,
E foi contigo a alma dos meus vinte anos.

O Redentor Chorando

Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frĂĄgil sofrimento.

Mas sĂșbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.

Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a MĂŁe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.

Vejo-O morrer depois, Ăł pecadores,
Por nĂłs, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do CĂ©u como favores.

Enquanto Dormes

NĂŁo consigo dormir… A meu lado, ressonas
em completo abandono, tranqĂŒila, confiante,
e eu me ponho a pensar em nossas vidas, nossas
vidas, juntas no sonho, como em nosso leito.

E me deixo ficar assim, na leve insĂŽnia
que me traz à lembrança tantas coisas, tantas,
que fizeram de nĂłs, de nossos passos, uma
rede em que duas linhas sĂŁo como uma sĂł.

E sem querer percebo que o que estou pensando
tem jeito de poesia, em versos simples, versos
sem rimas, e levanto-me, e venho escrever

a observar-te Ă  distĂąncia, a ressonar, feliz,
sem poderes sequer calcular que a teu lado
um poeta te ama e sonha, e faz versos de amor.

Ariana

Ela Ă© o tipo perfeito da ariana,
Branca, nevada, pĂșbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essĂȘncia que de si dimana.

As nĂ­veas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em flĂĄcido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana,

Enquanto o amante pĂĄlido, a seu lado
Medita, a fronte triste, o olhar velado
No Mistério da Carne Soberana

Tecido

O texto tem sua face
de avesso na superfĂ­cie:
Ă© dia e noite, sintaxe
do que se pensa, ou se disse.

Tudo no texto Ă© disfarce,
ritual de voz e artifĂ­cio,
como se tudo falasse
por si mesmo, na planĂ­cie.

Seja por dentro ou por fora,
seja de lado ou durante,
o texto Ă© sempre demora:

o descompasso da escrita
e da leitura no grande
intervalo dos sentidos.

VisĂŁo Realizada

Sonhei que a mim correndo o gnĂ­deo nume
Vinha coa Morte, co CiĂșme ao lado,
E me bradava: “Escolhe, desgraçado,
Queres a Morte, ou queres o CiĂșme?”

“NĂŁo Ă© pior daquela fouce o gume
Que a ponta dos farpÔes que tens provado;
Mas o monstro voraz, por mim criado,
Quanto horror hĂĄ no Inferno em si resume.”

Disse; e eu dando um suspiro: “Ah, nĂŁo m’espantes
Coa a vista dessa fĂșria!… Amor, clemĂȘncia!
Antes mil mortes, mil infernos antes!”

Nisto acordei com dor, com impaciĂȘncia;
E nĂŁo vos encontrando, olhos brilhantes,
Vi que era a minha morte a vossa ausĂȘncia!

Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rĂĄpida noite meu silĂȘncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraĂ­so

Cå fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Velho Tema V

“Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e Ă© meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

SĂȘ sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.”

Assim penso, assim quero, assim me engano…
Como se nĂŁo sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

NĂŁo Desejo Chegar a tal Grandeza

NĂŁo desejo chegar a tal grandeza,
Que aduladores vis cerquem meus lados,
Nem palĂĄcios magnĂ­ficos doirados,
Ricas alfaias, nem polida mesa.

Não me lembram heranças, nem riqueza,
Que me obrigue a pĂŽr nela meus cuidados;
NĂŁo ocupar honrosos magistrados,
Nem outras coisas vĂŁs, que o mundo preza.

Quisera sĂł fugir de tanta estima,
Livrar-me deste pélago profundo,
Mudar da natureza que me anima;

Subir da lua ao globo alto e rotundo,
E depois de apanhar-me lĂĄ de cima,
Desatar os calçÔes, cagar no mundo.

Minh’alma EstĂĄ Agora Penetrando

Minh’alma estĂĄ agora penetrando
Lå na etérea plaga, cristalina!
Que mĂșsica meu Deus febril, divina
Nos pĂĄramos azuis vai retumbando!

AlĂ©m, d’ĂĄureo dossel se estĂĄ rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
DiĂĄfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!

Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croado

De um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lĂĄbios faz soltar pujante brado
Hosanas! nĂŁo morreu! apenas dorme.