Na Fonte
Bem ao lado da gruta a fonte corre
Trepidamente, as águas encrespando,
Em murmúrios crebos, levantando
Uns chamalotes prateados — morreNo monte o sol que a luz no oceano escorre
E ainda eu vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que lava, mesmo quando
O sol mais rubro, mais vermelho jorre.— É num sítio afastado, um sítio ermo…
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.— E a mulher lava, enrubescida a face;
Lava, cantando, como se lavasse
As suas tristes e profundas mágoas.
Sonetos sobre Lados
65 resultadosSoneto
NOTA: Tradução do poema de Félix Anvers
Segredo d’alma, da existência arcano,
Eterno amor num instante concebido,
Mal sem esperança, oculto a ente humano,
E nunca de quem fê-lo conhecido.Ai! Perto dela desapercebido
Sempre a seu lado, e só, cruel engano,
Na terra gastarei meu ser insano
Nada ousando pedir e havendo tido!Se Deus a fez tão doce e carinhosa,
Contudo anda inatenta e descuidosa
Do murmúrio de amor que a tem seguido.Piamente ao cru dever sempre fiel
Dirá lendo a poesia, seu painel:
“Que mulher é?” Sem tê-lo compreendido.
Tudo Nada
É isso mesmo a vida, – eu que tenho ao meu lado
a espera do primeiro gesto
mulheres que desprezo e que me tem paixão,
– imploro o teu amor, de joelhos, desprezado…– És feliz, dizem uns; és querido e admirado;
outros dizem; – no entanto, eu sinto o coração
vazio, e ninguém sabe que em minha alma estão
presos, – um grande amor e um sonho imensurado…– Podes ter aos teus pés o mundo e o que quiseres;
afirmam-me… E eu sorrio, amargurado e mudo
ante a oferta de amor de inúmeras mulheres…Tanta cousa!… E a minha alma triste e amargurada!
– Que me adianta esse amor, esse mundo, isso tudo,
Se Tudo para mim, sem teu amor, é o Nada!…
Com Os Mortos
Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.
Indiferença
Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amadoMas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!
Buscando A Cristo
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-meA vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
Beijos Do Céu
Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
– Vi-te no céu; e, anamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia…Santos e anjos beijavam-te… Eu bem via
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o próprio Onipotente,
O próprio Deus nos braços te cingia!Nisto, o ciúme – fera que eu não domo –
Despertou-me do sonho, repentino
Vi-te a dormir tão plácida a meu lado…E beijei-te também, beijei-te… e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!
A Visita
Hontem dormia à noute – e, eis que desperto
Sacudido d’um vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido d’um vento do deserto.Accordei – era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma sceptica e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inutil saibro a verde palma,
Verme! filho da Duvida–Eis-me aqui!Eu sou a Espada o Antigo, o Omnipotente!
Crê barro vil! – Mas eu, descortezmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci.
Pensando Nela
Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando ?
– quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando…Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando ?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando…Invejaria o luar… É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho…Nem vê meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!
Caminho III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada…
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada…
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!…Cada um por seu lado!… Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!…Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar – encher a alma.
O Último Número
Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idéia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o último número cansado.Era de vê-lo, imóvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre do Increado:Bradei: – Que fazes ainda no meu crânio?
E o último número, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!Pois que a minha ontogênica Grandeza
Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais! Morro contigo!”
A Luz
Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa…E há alegria…Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!
Fui Gostar De Você
“Fui Gostar de Você”
II
Fui gostar de você – facilitei
no poder de seus olhos… Que loucura! …
– Nunca pensei que um dia esta figura
havia de fazer… Nunca pensei…Bem triste a pantomima. . . E o que nem sei
é como hei de aturar esta tortura,
de ver você e alguém numa ventura
que sonhei para mim – que em vão sonheiFui gostar de você – e agora vejo
que este amor viverá num sonho apenas,
– na renúncia suprema do que almejo…É inútil meu viver… Hoje, ao seu lado
sou alguém que sepulta as próprias penas
no orgulho triste de quem foi deixado.
Colegial
Gosto de vê-la, assim… Quando à tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tão bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…Azul: – azul é a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca é a cor da sua alma de criança
onde ela própria se olha irrequieta e risonhaFeliz… Não tem presente e ainda nem tem passado…
Só o futuro, – e o futuro é uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!
Ciganos em Viagem
A tribo que prevê a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stá aberto
O império familiar das trevas do futuro!Tradução de Delfim Guimarães
Senhora I
No calmo colo pouso meus segredos
Senhora que sabeis minhas fraquezas.
convoco só convosco o que antecedo
na lira ensimesmada da incerteza.Não sei se o vero verso do degredo
vem albergado ou presa de represa
das frias águas íntimas do medo
lavando o frágil lado da tristeza.A depressiva face não mostrada
esplende em vosso espelho que me abriga
lambendo o sal dos olhos da geada.Águas que são do orvalho da fadiga
de recorrentes gotas espalhadas
regando as vossas mãos de amada e amiga
Namorados
Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estão seguindo
o mais suave de todos os caminhos…Com gravetos de sonho vão construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplêndida ilusão de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…Nada tolda os seus olhos… Nem um véu…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vêem é o azul do céu…Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!
Luva Abandonada
Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ávida o cheiro delicado
Que aquela mão de dedos claros tinha.Cálix que a alma de um lírio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chão pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada…Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!
Caminho
I
Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!…Porque a dor, esta falta d_harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.II
Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
d Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinhoÉ longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!… Foi no entantoQue choramos a dor de cada um…
A Alma Dos Vinte Anos
A alma dos meus vinte anos noutro dia
Senti volver-me ao peito, e pondo fora
A outra, a enferma, que lá dentro mora,
Ria em meus lábios, em meus olhos ria.Achava-me ao teu lado então, Luzia,
E da idade que tens na mesma aurora;
A tudo o que já fui, tornava agora,
Tudo o que ora não sou, me renascia.Ressenti da paixão primeira e ardente
A febre, ressurgiu-me o amor antigo
Com os seus desvarios e com os seus enganos…Mas ah! quando te foste, novamente
A alma de hoje tornou a ser comigo,
E foi contigo a alma dos meus vinte anos.