Sonetos sobre Pensamentos de Luís de CamÔes

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Sonetos de pensamentos de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

Num Tão Alto Lugar, De Tanto Preço

Num tão alto lugar, de tanto preço,
este meu pensamento posto vejo,
que desfalece nele inda o desejo,
vendo quanto por mim o desmereço.

Quando esta tal baixesa em mim conheço,
acho que cuidar nele Ă© grĂŁo despejo,
e que morrer por ele me Ă© sobejo
e mor bem para mim, do que mereço.

O mais que natural merecimento
de quem me causa um mal tĂŁo duro e forte,
o faz que vĂĄ crecendo de hora em hora.

Mas eu nĂŁo deixarei meu pensamento,
porque inda que este mal me causa a morte,
Un bel morir tutta la vita onora.

Seguia Aquele Fogo, Que O Guiava

Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam jå e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.

Despois que viu que a alma lhe faltava,
nĂŁo esmorece; mas, no pensamento,
(que a lĂ­ngua jĂĄ nĂŁo pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.

Ó mar (dezia o moço só consigo),
jå te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; nĂŁo me veja…

Este meu corpo morto, lĂĄ o desvia
daquela torre. SĂȘ me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!

Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja

Pede o desejo, Dama, que vos veja:
NĂŁo entende o que pede; estĂĄ enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem nĂŁo sabe o que deseja.

NĂŁo hĂĄ cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
NĂŁo quer logo o desejo o desejado,
SĂł por que nunca falte onde sobeja.

Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

Males, que Contra Mim vos Conjurastes

Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto hĂĄ-de durar tĂŁo duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto jĂĄ me atormentastes.

Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vĂłs, que dela mesma o ser tomastes.

E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai jĂĄ fim a tormento tĂŁo comprido.

Assim de ambos contente serĂĄ a sorte:
Em vĂłs por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vĂłs vencido.

Um Mover D’olhos, Brando E Piadoso

Um mover d’olhos, brando e piadoso,
sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
ĂŒa pura bondade, manifesto
indĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; ĂŒa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
que pĂŽde transformar meu pensamento.

Se Tomar Minha Pena Em PenitĂȘncia

Se tomar minha pena em penitĂȘncia
do erro em que caiu o pensamento,
nĂŁo abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciĂȘncia.

E se ĂŒa cor de morto na aparĂȘncia,
um espalhar suspiros vĂŁos ao vento,
em vĂłs nĂŁo faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciĂȘncia.

E se de qualquer åspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);

e se em vĂłs nĂŁo s’entende haver vingança,
serå forçado (pois Amor me obriga)
que eu sĂł de vossa culpa pague a pena.

Conversação Doméstica Afeiçoa

Conversação doméstica afeiçoa,
ora em forma de boa e sĂŁ vontade,
ora de ĂŒa amorosa piedade,
sem olhar qualidade de pessoa.

Se despois, porventura, vos magoa
com desamor e pouca lealdade,
logo vos faz mentira da verdade
o brando Amor, que tudo em si perdoa.

NĂŁo sĂŁo isto que falo conjecturas,
que o pensamento julga na aparĂȘncia,
por fazer delicadas escrituras.

Metido tenho a mĂŁo na consciĂȘncia,
e nĂŁo falo senĂŁo verdades puras
que me ensinou a viva experiĂȘncia.

Vos Foi Beijar na Parte Onde se Via

O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciĂȘncia fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!

Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vĂłs, e queima o fogo aquela neve
Que queima coraçÔes e pensamentos.

Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂ­zo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,

verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo apĂłs si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.

Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto

Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito sĂŁo duros abrolhos,
em mim se vĂȘ mui claro e manifesto:

pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
nĂŁo vira em vĂłs seu dano o mal funesto.

Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,

nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vĂłs nĂŁo cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.

Aqueles Claros Olhos Que Chorando

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?

Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂȘ-los, n’alma figurando?

Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂȘncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!

Vencido estĂĄ de amor

Vencido estĂĄ de amor Meu pensamento
O mais que pode ser Vencida a vida,
Sujeita a vos servir e InstituĂ­da,
Oferecendo tudo A vosso intento.

Contente deste bem, Louva o momento
Outra vez renovar TĂŁo bem perdida;
A causa que me guia A tal ferida,
Ou hora em que se viu Seu perdimento.

Mil vezes desejando EstĂĄ segura
Com essa pretensĂŁo Nesta empresa,
TĂŁo estranha, tĂŁo doce, Honrosa e alta

Voltando sĂł por vĂłs Outra ventura,
Jurando nĂŁo seguir Rara firmeza,
Sem ser no vosso amor Achado em falta.

O MĂĄgico Veneno

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
Que pĂŽde transformar meu pensamento.

Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;

Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e nĂŁo em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;

animo da cobiça baixa isento,
dino por isso sĂł de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;

gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continĂȘncia,
obra por certo rara de natura:

estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homĂ©rica eloquĂȘncia,
jazem debaixo desta sepultura

Lembranças Saudosas

Lembranças saudosas, se cuidais
De me acabar a vida neste estado,
NĂŁo vivo com meu mal tĂŁo enganado,
Que nĂŁo espere dele muito mais.

De longo tempo jĂĄ me costumais
A viver de algum bem desesperado:
JĂĄ tenho co’a Fortuna concertado
De sofrer os tormentos que me dais.

Atada ao remo tenho a paciĂȘncia
Para quantos desgostos der a vida;
Cuide quanto quiser o pensamento.

Que pois nĂŁo posso ter mais resistĂȘncia
Para tĂŁo dura queda, de subida,
Aparar-lhe-ei debaixo o sofrimento.

Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso

Formosura do CĂ©u a nĂłs descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;

Qual lĂ­ngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?

Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂ­so,
Logo o engenho me falta, o espĂ­rito mĂ­ngua.

Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.

Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta

Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.

Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.