Sonetos sobre Piedade de Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Proposição das rimas do poeta

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, Ăł leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e nĂŁo louvores:

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparĂŞncia
Indique festival contentamento,

Crede, Ăł mortais, que foram com violĂŞncia
Escritos pela mĂŁo do Fingimento,
Cantados pela voz da DependĂŞncia.

Meus Olhos, Atentai no Meu Jazigo

Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vĂŞs com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

Abre em meu nome este epitáfio nela:
“Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidões, matou-me Isabela.”

Liberdade, Onde estás? Quem Te Demora?

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nĂłs nĂŁo caia?
Porque (triste de mim!) porque nĂŁo raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha . . . Oh!, venha, e trĂŞmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso nĂşmen tu Ă©s, e glĂłria, e tudo,
MĂŁe do gĂŞnio e prazer, Ăł Liberdade!

Ă“ Trevas, que Enlutais a Natureza

Ă“ trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;

Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim PlutĂŁo se goza,
NĂŁo aterreis esta alma dolorosa,
Que Ă© mais triste que voz minha tristeza.

Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.

Volvei, pois, sombras vĂŁs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis Ă  piedade o mesmo Inferno.

O poeta asseteado por amor

Ă“ CĂ©us! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!

Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem nĂŁo receia
Contemplar Ursulina um sĂł momento!

“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrĂ­lega loucura:

“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
Ă€ tua linda ingrata algum suspiro.”