O Lutador
Buscou no amor o bálsamo da vida,
NĂŁo encontrou senĂŁo veneno e morte.
Levantou no deserto a roca-forte
Do egoĂsmo, e a roca em mar foi submergida!Depois de muita pena e muita lida,
De espantoso caçar de toda sorte,
Venceu o monstro de desmedido porte
– A ululante Quimera espavorida!Quando morreu, lĂnguas de sangue ardente,
Aleluias de fogo acometiam,
Tomavam todo o céu de lado a lado.E longamente, indefinidamente,
Como um coro de ventos sacudiam
Seu grande coração transverberado!
Sonetos sobre Quimera
48 resultadosSonetos
Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.VĂŁo — por estradas, por difĂceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂmpidas, gentis,Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.
LXXI
Eu cantei, nĂŁo o nego, eu algum dia
Cantei do injusto amor o vencimento;
Sem saber, que o veneno mais violento
Nas doces expressões falso encobria.Que amor era benigno, eu persuadia
A qualquer coração de amor isento;
Inda agora de amor cantara atento,
Se lhe não conhecera a aleivosia.Ninguém de amor se fie: agora canto
Somente os seus enganos; porque sinto,
Que me tem destinado estrago tanto.De seu favor hoje as quimeras pinto:
Amor de uma alma Ă© pesaroso encanto;
Amor de um coração é labirinto.
Nostalgia
Nesse PaĂs de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jĂłias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi…
Mostrem-me esse PaĂs onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!O meu PaĂs de sonho e de ansiedade,
NĂŁo sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!Quero voltar! NĂŁo sei por onde vim…
Ah! NĂŁo ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!
Olvido
Desce por fim sobre o meu coração
O olvido. Irrevocável. Absoluto.
Envolve-o grave como véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixão.A fronte já sem rugas, distendidas
As feições, na imortal serenidade,
Dorme enfim sem desejo e sem saudade
Das coisas nĂŁo logradas ou perdidas.O barro que em quimera modelaste
Quebrou-se-te nas mĂŁos. Viça uma flor…
Pões-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste…Ias andar, sempre fugia o chĂŁo,
Até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação…
Eu
Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu nĂŁo era
Aquela que em meus versos descrevera
TĂŁo clara como a fonte e como o dia.Mas que eu nĂŁo era Eu nĂŁo o sabia
E, mesmo que o soubesse, nĂŁo o dissera…
Olhos fitos em rĂştila quimera
Andava atrás de mim…e nĂŁo me via!Andava a procurar-me — pobre louca!
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
VisĂŁo Medieva
Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.Nas armaduras rĂgidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.
XLIII
Quem Ă©s tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma vĂbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!NĂŁo era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
NĂŁo era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:Pois como no letargo a fantasia
TĂŁo cruel ma pintou, tĂŁo inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor nĂŁo deu favores um sĂł dia,
Que a sombra de um tormento os nĂŁo quebrante.
Nervos D’Oiro
Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mĂŁo,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplĂŞndidos, que sĂŁo
Toda a Arte suprema dos meus versos!
Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido
Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!
Vita Nuova
De onde e veio esse tremor de ninho
A alvorecer na morta madrugada?
Era todo o meu ser… NĂŁo era nada,
SenĂŁo na pele a sombra de um carinho.Ah, bem velho carinho! Um desalinho
De dedos tontos no painel da escada…
Batia a minha cor multiplicada,
– Era o sangue de Deus mudado em vinho!Bandeiras tatalavam no alto mastro
Do meu desejo. No fervor da espera
Clareou à distância o súbito alabastro.E na memória, em nova primavera,
Revivesceu, candente como um astro,
A flor do sonho, o sonho da quimera.
RuĂnas
Se Ă© sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida Ă© um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!E deixa sobre as ruĂnas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida Ă© um contĂnuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguĂŞ-los
Mais alto do que as águias pelo ar!Sonhos que tombam! Derrocada louca!
SĂŁo como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.
Campesinas IV
Através das romãzeiras
E dos pomares floridos
Ouvem-se as vezes ruĂdos
E bater d’asas ligeiras.SĂŁo as aves forasteiras
Que dos seus ninhos queridos
VĂŞm dar ali os gemidos
Das ilusões passageiras.Vêm sonhar leves quimeras,
IdĂlios de primaveras,
Contar os risos e os males.VĂŞm chorar um seio de ave
Perdida pela suave
CarĂcia verde dos vales.
Imortal Falerno
Quando as Esferas da IlusĂŁo transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lá do fundo de um céu sempre risonho.Sempre uma voz dos Ermos, das Distâncias!
Sempre as longĂnquas, mágicas fragrâncias
De uma voz imortal, divina,pura…E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!
Diz-me, Amor, como Te Sou Querida
Diz-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glĂłria do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
O Meu Desejo
Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua…
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus…
Minha boca tem fome sĂł da tua!
Meus olhos tĂŞm sede sĂł dos teus!Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo…Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, amor, devagarinho,
AtĂ© a Morte me levar consigo…
O Que Tu És…
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chĂŁo como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!És ano que nĂŁo teve Primavera…
Ah! NĂŁo seres como as outras raparigas
Ă“ Princesa Encantada da Quimera!…
Quem?
NĂŁo sei quem Ă©s. Já nĂŁo te vejo bem…
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!…)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?NĂ©voa? Quimera? Fumo? Donde vem?…
– NĂŁo sei se tu, amor, assim me vĂŞs!…
Nossos olhos nĂŁo sĂŁo nossos, talvez…
Assim, tu nĂŁo Ă©s tu! NĂŁo Ă©s ninguĂ©m!…És tudo e nĂŁo Ă©s nada… És a desgraça…
És quem nem sequer vejo; Ă©s um que passa…
És sorriso de Deus que nĂŁo mereço…És aquele que vive e que morreu…
És aquele que Ă© quase um outro eu…
És aquele que nem sequer conheço…
Suavidade
Poisa a tua cabeça dolorida
TĂŁo cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce IrmĂŁ compadecida.Hás de contar-me nessa voz tĂŁo q’rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que Ă minha alma profunda fez a Vida.E hás de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
HĂŁo de fazer-se leves e suaves…HĂŁo de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d’aves…
Carnal E MĂstico
Pelas regiões tenuĂssimas da bruma
Vagam as Virgens e as Estrelas raras…
Como que o leve aroma das searas
Todo o horizonte em derredor perfume.N’uma evaporação de branca espuma
VĂŁo diluindo as perspectives claras…
Com brilhos crus e fĂşlgidos de tiaras
As Estrelas apagam-se uma a uma.E entĂŁo, na treva, em mĂsticas dormĂŞncias
Desfila, com sidéreas lactescências,
Das Virgens o sonâmbulo cortejo…Ă“ Formas vagas, nebulosidades!
EssĂŞncia das eternas virgindades!
Ă“ intensas quimeras do Desejo…