Ao Mundo Esconde O Sol Seus Resplendores
Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mão da Noite embrulha os horizontes;
não cantam aves, não murmuram fontes,
não fala Pã na boca dos pastores.Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.Vênus, Palas e as filhas da Memória,
deixando os grandes templos esquecidos,
não se lembram de altares nem de glória.Andam os elementos confundidos:
ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre o mais triste foi para os vencidos!
Sonetos sobre Sol
368 resultadosSoneto D’Um Poeta Morto
Bem sei que hei de morrer cedo e cansado,
Alguma cousa triste em mim o diz,
E vagarei no mundo desterrado,
Como Dante chorando a Beatriz.Pelos reinos, irei talvez curvado,
Como um proscripto princepe infeliz,
Ou como o indio pallido e exilado
Chorando o vivo azul do seu payz.Mas no entanto, ah! ninguem ao Sol divino
Abrasou mais as azas, derretidas
Ante as duras, ferozes multidões!E ninguem teve a torre d’ouro fino,
Aonde, quaes princezas perseguidas,
Morreram minhas doudas illusões!
Campesinas I
Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti só cresse
E em nada mais, camponesa.Quem contigo andasse à toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,Beijando-te o corpo airoso,
Tão fresco e tão perfumoso,
Cheirando a figos abertos.
Minha Terra
A. J. Emídio Amaro
Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pão e a minha casa…Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha… a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!Minha terra onde meu irmão nasceu…
Aonde a mãe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada…Truz… truz… truz… Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite…
Terra, quero dormir… dá-me pousada!
Onde o Homem não Chega
Onde o Homem não chega tudo é puro,
dessa pureza da primeira infância.
Tudo é medida, ritmo, concordância,
tudo é claro e auroral: a noite, o escuro.E nem o vendaval é dissonância
mas promessa de sol e de futuro.
Quem levantou esse primeiro Muro
que do perto fez longe, ergueu distância?Foi o Homem, com suas mãos de barro,
com suas mãos perjuras, fel e sarro
de inútil sofrimento e vil prazer.Não é tarde, porém: sacode a lama,
ergue o facho, levanta a Deus a chama
e recomeça: acabas de nascer.
Língua Portuguesa
Da avena dos pastores, da harmonia
Que o vento imprime às palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca à voz que balbucia;Do sol que fala quando nasce o dia,
Do luar que enche de unção as cordilheiras,
Vem este claro idioma, que é poesia
E alma das gentes luso-brasileiras.Rumor de asas de abelha, um ruído apenas…
Doce afago de arminhos e de penas,
Perdão, queixume, lágrima, reclamo,Ou grito estuante de alma incompreendida,
Do desgraçado: “Eu te condeno, ó vida!”
Do poeta que sofreu: “Ó vida, eu te amo!”
Senhora minha, se de pura inveja
Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,Não me pode tolher que vos não veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.Nela vos vejo, e vejo que não nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.Os lírios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!
Soneto XXXV
Eclipsou-se teu Sol quando nascia,
Em flor cortada foi tua doce vida,
Antes de ser ganhada, foi perdida,
Deixou seus dias antes de seu dia.Aparecer então nos parecia
Quando a já vimos desaparecida,
Enfim, moça fermosa, estás rendida
À lei humana envolta em terra fria.Ai Amor, quantas vezes te condenas!
Criaste-me nesta alma ua esperança,
Deixas roubar-ma a morte sem valer-me.Mas bem entendo, Amor, que isto me ordenas
Para vir a saber a quanto alcança,
Perdê-la, sem perder-te, com perder-me.
Eu Como, Eu Bebo, Eu Durmo
Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chá; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol círculos traço.Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.
Escravocratas
Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
Manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
Viveis sensualmente à luz dum privilégio
Na pose bestial dum cágado tranqüilo.Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
Ardentes do olhar — formando uma vergasta
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
E vibro-vos a espinha — enquanto o grande bastaO basta gigantesco, imenso, extraordinário —
Da branca consciência — o rútilo sacrário
No tímpano do ouvido — audaz me não soar.Eu quero em rude verso altivo adamastórico,
Vermelho, colossal, d’estrépito, gongórico,
Castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar!
Esfinge
Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente são a imagem.Embalo em mim um sonho vão, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!E à noite, à hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…E à tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planície enorme…
Os Hiperbóreos
Cabeça erguida, o céu no olhar, que o céu procura,
Baixa o humano caudal, dos desertos de gelo…
Em farrapos, ao sol, derrete-se a brancura
Da neve boreal sobre o ouro do cabelo.Ulula, e desce; e tudo invade: a atra espessura
Dos bosques entra, a urrar e a uivar. E, uivando, pelo
Continente, a descer, ganha a úmida planura,
E a brenha secular, em sonoro atropelo.Assustam-se os chacais pelas selvas serenas.
A turba ulula, o druida canta, enchendo os ares.
Entre os uivos dos cães e o grunhido das renas…Escutando o tropel, rincha o poldro, e galopa.
Derrama-se, a rugir, das geleiras polares,
A semente feraz dos Bárbaros, na Europa…
Ângelus
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
Inverno
Amanheceu – no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo – ondeia
O perfume da selva esmeraldina.Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d’ouro os verdes da campina.Um sol pagão, de um louro gema d’ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo
Surge na frígida estação do inverno.– Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros – fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espírito moderno.
Soneto Para Eugênia
O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tão distante e tão perto em ventania,
sitiando limites na viagem.Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vão em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparável névoa pressentida
nos livros que não leste, nesses poucosmomentos que sobravam da medida.
Angústia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.Vida que bem mereces por inteiro,
e é pouca a que te dou de companheiro.
Musa Impassível II
Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o impassível mora.Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares
Onde os deuses pagãos vivem eternamente,E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.
Hino À Dor
Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam..És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tacto
Prendo a orquestra de chamas que executas…E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!
Pelos Extremos Raros Que Mostrou
Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, Vénus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Asia as adorou.Aquele saber grande que ajuntou
esprito e corpo em liga generosa,
esta mundana máquina lustrosa,
de só quatro Elementos fabricou.Mas mor milagre fez a natureza
em vós, Senhoras, pondo em cada üa
o que por todas quatro repartiu.A vós seu resplandor deu Sol e Lüa,
a vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.
Never More – II
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca…E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem…
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!
Primavera A Fora
Escute, excelentíssima: — Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol é rubro de alegria,
Que tons de luz nas límpidas paisagens.Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.Deixe lá fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce música sincera,
Cante a balada eterna dos amores…