Sonetos sobre Prata

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Sonetos de prata escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 2

Num fértil campo de soberbo Douro,
Dormindo sobre a relva, descansava,
Quando vi que a Fortuna me mostrava
Com alegre semblante o seu tesouro.

De uma parte, um montĂŁo de prata e ouro
Com pedras de valor o chĂŁo curvava;
Aqui um cetro, ali um trono estava,
Pendiam coroas mil de grama e louro.

– Acabou – diz-me entĂŁo – a desventura:
De quantos bens te exponho qual te agrada,
Pois benigna os concedo, vai, procura.

Escolhi, acordei, e nĂŁo vi nada:
Comigo assentei logo que a ventura
Nunca chega a passar de ser sonhada.

Menino e Moço

Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.

Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizĂŁo de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!

Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!

Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porĂ©m, Senhor! ellas nĂŁo voltam mais…

A Uma Dama.

VĂŞs esse Sol de luzes coroado,
Em pérolas a Aurora convertida;
VĂŞs a Lua, de estrelas guarnecida;
VĂŞs o CĂ©u, de planetas adornado?

O céu deixemos: vês, naquele prado,
A rosa com razĂŁo desvanecida,
A açucena por alva presumida,
O cravo por galĂŁ lisonjeado?

Deixa o prado: vem cá, minha adorada:
VĂŞs desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljĂ´far desatada?

Parece aos olhos ser de prata fina…
VĂŞs tudo isto bem? Pois tudo Ă© nada
Ă€ vista do teu rosto, Catarina.

XXXIII

Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nome hei de estampar, Ăł Francelisa,
A ver, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formosura.

Já cintilam teus olhos: a figura
Avultando já vai; quanto indecisa
Pasmou na efígie a idéia, se divisa
No engraçado relevo da escultura.

Teu rosto aqui se mostra; eu nĂŁo duvido,
Acuses meu delĂ­rio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;

É tosca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido!
Só me dá esta penha o teu retrato!

O Mundo Do SertĂŁo

(com tema do nosso armorial)

Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
Ă  cruz do Azul, o Mal se desmantela.

Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.

E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,

o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.

Das Terras A Pior Tu És, Ó Goa

Das terras a pior tu Ă©s, Ăł Goa,
Tu pareces mais ermo que cidade,
Mas alojas em ti maior vaidade
Que Londres, que Paris ou que Lisboa.

A chusma de teus Ă­ncolas pregoa
Que excede o GrĂŁo Senhor na qualidade;
Tudo quer senhoria; o prĂłprio frade
Alega, para tĂŞ-la, o jus da c’roa!

De timbres prenhe estás; mas oiro e prata
Em cruzes, com que dantes te benzias,
Foge a teus infanções de bolsa chata.

Oh que feliz e esplĂŞndida serias,
Se algum fusco Merlim, que faz bagata,
Te alborcasse a pardaus as senhorias!

A Moça Caetana A Morte Sertaneja

(com tema de Deborah Brennand)

Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.

Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mĂŁo direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.

Na fronte, uma coroa e o GaviĂŁo.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do SertĂŁo,

pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.

PlenilĂşnio

Vês este céu tão límpido e constelado
E este luar que em fĂşlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotões de prata…
VĂŞs este cĂ©u de mármore azulado…

Vês este campo intérmino, encharcado
Da luz que a lua aos páramos desata…
Vês este véu que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…

VĂŞs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂŞs estes rios cheios de ardentias…

VĂŞs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!

Rio Abaixo

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo, há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silĂŞncio tristĂ­ssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂ­mbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

Cristo De Bronze

Ă“ Cristos de ouro, de marfim, de prata,
Cristos ideais, serenos, luminosos,
EnsangĂĽentados Cristos dolorosos
Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.

Ă“ Cristos de altivez intemerata,
Ă“ Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.

Cristos de pedra, de madeira e barro…
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
Amortalhado nas fatais injurias…

Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxĂşrias!…

Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longĂ­nquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fĂşlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos …

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus prĂłprios sonhos!

Canção do Mar Aberto

Onde puseram teus olhos
A mágoa do teu olhar?
Na curva larga dos montes
Ou na planura do mar?

De dia vivi este anseio;
De noite vem o luar,
Deixa uma estrada de prata
Aberta para eu passar.

Caminho por sobre as ondas
NĂŁo paro de caminhar.
O longe é sempre mais longe…
Ai de mim se me cansar!…

Morre o meu sonho comigo,
Sem te poder encontrar

Incensos

Dentre o chorar dos trĂŞmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos…

Rolos d’incensos alvadios, finos
E transparentes, fulgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.

Relembrando turĂ­bulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebĂşrneo, de sedosos flancos.

Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e límpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.

Se as Penas com que Amor TĂŁo Mal me Trata

Se as penas com que Amor tĂŁo mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;

E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhĂŞ-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;

Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.

Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.

As Estrelas

Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!

Tatuagens Complicadas Do Meu Peito

Tatuagens complicadas do meu peito:
TrofĂ©us, emblemas, dois leões alados…
Mais, entre corações engrinaldados,
Um enorme, soberbo, amor-perfeito…

E o meu brasĂŁo… Tem de oiro, num quartel
Vermelho, um lis; tem no outro uma donzela,
Em campo azul, de prata o corpo, aquela
Que é no meu braço como que um broquel.

Timbre: rompante, a megalomania…
Divisa: um ai, – que insiste noite e dia
Lembrando ruĂ­nas, sepulturas rasas…

Entre castelos serpes batalhantes,
E águias de negro, desfraldando as asas,
Que realça de oiro um colar de besantes!

Horas Rubras

Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volĂşpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…

Oiço olaias em flor Ă s gargalhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
SĂŁo pedaços de prata p’las estradas…

Os meus lábios sĂŁo brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…

Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ă“ meu Poeta, o beijo que procuras!

A Ăšltima Cigarra

Todas cantaram para mim. A ouvi-las,
Purifiquei meu sonho adolescente,
Quando a vida corria doidamente
Como um regato de águas intranqüilas.

Diante da luz do sol que eu tinha em frente,
Escancarei os braços e as pupilas.
Cigarras que eu amei! Para possui-las,
Sofri na vida como pouca gente.

E veio o outono… Por que veio o outono ?
Prata nos meus cabelos… Abandono…
Deserta a estrada… Quanta folha morta!

Mas, no esplendor do derradeiro poente,
Uma nova cigarra, diferente;
Como um raio de sol, bateu-me Ă  porta.

Desaires Da Formosura.

Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.

Este o rostinho Ă© de Caterina;
E porque docemente obriga e mata,
NĂŁo livra o ser divina em ser ingrata
E raio a raio os corações fulmina.

Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias
A quem já tanto amor levantou aras:

Disse igualmente amante e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias
Se sendo tĂŁo formosa nĂŁo cagaras!

Gata Angorá

Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelĂşcia, – e risca
um estranho bordado ao centro da almofada…

Mal eu chego, ela vem… ( nunca a encontrei arisca)
-sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chĂŁo deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faĂ­sca!

Mal eu chego, ela vem… lânguida, preguiçosa,
roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carĂ­cias, tĂ­mida e medrosa…

E tem tal expressĂŁo, e um tal jeito qualquer,
– que Ă s vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!