Sonetos sobre Sonhos

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Sonetos de sonhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Glosa

Quem me roubou a minha dor antiga,
E sĂł a vida me deixou por dor?
Quem, entre o incĂŞndio da alma em que o ser periga,
Me deixou sĂł no fogo e no torpor?

Quem fez a fantasia minha amiga,
Negando o fruto e emurchecendo a flor?
Ninguém ou o Fado, e a fantasia siga
A seu infiel e irreal sabor…

Quem me dispĂ´s para o que nĂŁo pudesse?
Quem me fadou para o que não conheço
Na teia do real que ninguém tece?

Quem me arrancou ao sonho que me odiava
E me deu só a vida em que me esqueço,
“Onde a minha saudade a cor se trava ?”

Soneto

Agora Ă© tarde para novo rumo
Dar ao sequioso espĂ­rito; outra via
NĂŁo terei de mostrar-lhe e Ă  fantasia
Além desta em que peno e me consumo.

AĂ­, de sol nascente a sol a prumo,
Deste ao declĂ­nio e ao desmaiar do dia,
Tenho ido empĂłs do ideal que me alumia,
A lidar com o que Ă© vĂŁo, Ă© sonho, Ă© fumo.

Aí me hei de ficar até cansado
Cair, inda abençoando o doce e amigo
Instrumento em que canto e a alma me encerra;

Abençoando-o por sempre andar comigo
E bem ou mal, aos versos me haver dado
Um raio do esplendor de minha terra.

Fui Gostar De VocĂŞ

“Fui Gostar de VocĂŞ”
I
Fui gostar de vocĂŞ, – isso foi quando
julguei que ainda podia ser feliz. . .
IlusĂŁo!… Hoje as pedras vou tirando
do castelo de amor que eu mesmo fiz…

Conformo-me no entanto, – mesmo estando
como estou, da loucura, por um triz…
E procuro do peito ir apagando
a cor de um vulto de mulher que eu quis…

Quanto sonho fatal! Quanta cegueira
fez com que eu me iludisse com as safiras
de uns olhos lindos de mulher brejeira…

Fui gostar. . . e gostei … Sofri portanto
ao descobrir as mĂşltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto

Boca

III

Boca viçosa, de perfume a lírio,
Da lĂ­mpida frescura da nevada,
Boca de pompa grega, purpureada,
Da majestade de um damasco assĂ­rio.

Boca para deleites e delĂ­rio
Da volĂşpia carnal e alucinada,
Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
Tentando Arcanjos na amplidĂŁo do EmpĂ­rio,

Boca de Ofélia morta sobre o lago,
Dentre a auréola de luz do sonho vago
E os faunos leves do luar inquietos…

Estranha boca virginal, cheirosa,
Boca de mirra e incensos, milagrosa
Nos filtros e nos tĂłxicos secretos…

Sombra

De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos lĂ­mpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…

De mĂŁos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento nĂŁo baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…

Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dá rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…

Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguĂ©m que dobra a curva duma estrada…

Como uma Voz de Fonte que Cessasse

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vĂŁos olhares
Se admiraram), p’ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce

Parou… Apareceu já sem disfarce
De mĂşsica longĂ­nqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce…

A paisagem longĂ­nqua sĂł existe
Para haver nela um silĂŞncio em descida
P’ra o mistĂ©rio, silĂŞncio a que a hora assiste…

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo…

Sobre A Neve

Sobre mim, teu desdém pesado jaz
Como um manto de neve…Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!

Coroavas-me inda pouco de lilás
E de rosas silvestres…quando eu era
Aquela que o destino prometera
Aos teus rĂştilos sonhos de rapaz!

Dos beijos que me deste nĂŁo te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas…
Folhas de Outono e correria louca…

Mas inda um dia, em mim, ébrio de cor,
Há-de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!

Alma Que Chora

A JoĂŁo Saldanha

Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,

Em vĂŁo do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,

Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas rĂ­spidas, austeras!

Viste partir a tua irmĂŁ, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fĂşlgidas quimeras…

Mais Alto

Mais alto, sim! Mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se nĂŁo encontra! Aquela a quem

O mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!

Mais alto, sim! Mais alto! A IntangĂ­vel
Turris Eburnea erguida nos espaços,
Ă€ rutilante luz dum impossĂ­vel!

Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!

Nocturno

EspĂ­rito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu sĂł entendes bem o meu tormento…

Como um canto longĂ­nquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!

Pero Coelho

(Descobridor do Ceará)

Na umidade do cárcere de Olinda
– Enjaulado jaguar que a vida acaba
Lembrando a selva rumorosa e linda –
Sonha o conquistador da Ibiapaba.

O sonho Ă© o resto da jornada: Ă© a vinda;
E a morte; Ă© a sede; Ă© o desespero; a taba
Toda investindo. A terra em fogo. Um baba;
Outro cai; outro fica; outro se finda…

Dois filhos morrem nos seus braços: vede!
E nem, sequer, irmĂŁo de Agar, tem perto,
Nos olhos água que lhes mate a sede!

E, ao fim de tudo, acusações e gritas…
Ah! por que nĂŁo tombara no Deserto
Abraçado com os seus israelitas!?…

Meus Olhos VĂŞem Melhor se os Vou Fechando

Meus olhos vĂŞem melhor se os vou fechando.
Viram coisas de dia e foi em vĂŁo,
mas quando durmo, em sonhos te fitando,
sĂŁo escura luz que luz na escuridĂŁo.

Tu cuja sombra faz a sombra clara,
como em forma de sombras assombravas
ledo o claro dia em luz mais rara,
se em sombra a olhos sem visĂŁo brilhavas!

Que benção a meus olhos fora feita
vendo-te Ă  viva luz do dia bem,
se a tua sombra em trevas imperfeita

a olhos sem visĂŁo no sono vem!
Vejo os dias quais noites nĂŁo te vendo,
e as noites dias claros sonhos tendo.

Aberração

Na velhice automática e na infância,
(Hoje, ontem, amanhĂŁ e em qualquer era)
Minha hibridez Ă© a sĂşmula sincera
Das defectividades da Substância.

Criando na alma a estesia abstrusa da ânsia,
Como Belerofonte com a Quimera
Mato o ideal; cresto o sonho; achato a esfera
E acho odor de cadáver na fragrância!

Chamo-me Aberração. Minha alma é um misto
De anomalias lĂşgubres. Existo
Como o cancro, a exigir que os sĂŁos enfermem…

Teço a infâmia; urdo o crime; engendro o iodo
E nas mudanças do Universo todo
Deixo inscrita a memória do meu gérmen!

Entre Chamas

Sonhei que de astros no Infinito presa
Vagavas, brandamente adormecida,
Nas chamas siderais resplandecida,
A carne, em chamas, no Infinito, acesa…

E eu pasmava de encanto e de surpresa
Vendo a constelação indefinida
Da tua carne flamejando vida,
Dentre os Ă­ris radiantes da beleza…

E o teu corpo, nas chamas palpitando,
Os astros em redor maravilhando,
Por entre a aurĂ©ola dos clarões cantava…

EntĂŁo, de sonho em sonho, absorto, mudo,
Eu senti alastrar, vibrar por tudo
Toda a infinita sensação da lava!…

Soneto

Brancas Aparições, Visões renanas,
Imagens dos Ascetas peregrinos,
Hinos nevoentos, neblinosos hinos
Das brumosas igrejas luteranas.

Vago mistério das regiões indianas,
Sonhos do Azul dos astros cristalinos,
Coros de Arcanjos, claros sons divinos
Dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.

Tudo ressurge na minh’alma e vaga
Num fluido ideal que me arrebata e alaga,
No abandono mais lânguido mais lasso…

Quando lá nos sacrários do Cruzeiro
A lua rasga o trĂŞmulo nevoeiro,
Magoada de vigĂ­lias e cansaço…

CustĂłdia

Ai, CustĂłdia! sonhei, nĂŁo sei se o diga:
Sonhei, que entre meus braços vos gozava.
Oh se verdade fosse, o que sonhava!
Mas nĂŁo permite Amor, que eu tal consiga.

O que anda no cuidado, e dá fadiga,
Entre sonhos Amor representava
No teatro da noite, que apartava
A alma dos sentidos, doce liga.

Acordei eu, feito sentinela
De toda a cama, pus-me uma peçonha,
Vendo-me sĂł sem vĂłs, e em tal mazela.

E disse, porque o caso me envergonha,
Trabalho tem, quem ama, e se desvela,
E muito mais quem dorme, e em falso sonha.

Sonhador

Por sĂłis, por belos sĂłis alvissareiros,
Nos troféus do teu Sonho irás cantando
As pĂşrpuras romanas arrastando,
Engrinaldado de imortais loureiros.

Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,
Das Idéias as lanças sopesando,
Verás, a pouco e pouco, desfilando
Todos os teus desejos condoreiros…

Imaculado, sobre o lodo imundo,
Há de subir, com as vivas castidades,
Das tuas glĂłrias o clarĂŁo profundo.

Há de subir, além de eternidades,
Diante do torvo crocitar do mundo,
Para o branco Sacrário das Saudades!

AngĂşstia

Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!

E nĂŁo se quer pensar! … e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nĂłs …
Querer apagar no céu – ó sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento! …

E nĂŁo se apaga, nĂŁo … nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga …
Vem sempre perguntando: “O que te resta? …”

Ah! nĂŁo ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

Namorados

Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estĂŁo seguindo
o mais suave de todos os caminhos…

Com gravetos de sonho vĂŁo construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplĂŞndida ilusĂŁo de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…

Nada tolda os seus olhos… Nem um vĂ©u…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vĂŞem Ă© o azul do cĂ©u…

Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!

Em Busca Da Beleza IV

Leva-me longe, meu suspiro fundo,
Além do que deseja e que começa,
Lá muito longe, onde o viver se esqueça
Das formas metafĂ­sicas do mundo.

AĂ­ que o meu sentir vago e profundo
O seu lugar exterior conheça,
Aí durma em fim, aí enfim faleça
O cintilar do espĂ­rito fecundo.

AĂ­… mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar?

É elevar demais a aspiração,
E, falhando esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.