XXVIII
Pinta-me a curva destes cĂ©us … Agora,
Erecta, ao fundo, a cordilheira apruma:
Pinta as nuvens de fogo de uma em uma,
E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora.Solta, ondulando, os véus de espessa bruma,
E o vale pinta, e, pelo vale em fora,
A correnteza tĂşrbida e sonora
Do ParaĂba, em torvelins de espuma.Pinta; mas vĂŞ de que maneira pintas …
Antes busques as cores da tristeza,
Poupando o escrĂnio das alegres tintas:– Tristeza sir-gular, estranha mágoa
De que vejo coberta a natureza,
Porque a vejo com os olhos rasos d’água …
Sonetos sobre Tristeza
91 resultadosTodo O Animal Da Calma Repousava
Todo o animal da calma repousava,
sĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
que o repouso do fogo em que ardia
consistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalava
o triste som das mágoas que dezia;
mas nada o duro peito comovia,
que na vontade d’outrem posto estava.Cansado já de andar pela espessura,
no tronco d’ĂĽa faia, por lembrança,
escreveu estas palavras de tristeza:“Nunca ponha ninguĂ©m sua esperança
em peito feminil, que, de natura,
somente em ser mudável tem firmeza”.
Nimbos
Nimbos de bronze que empanais escuros
O santuário azul da Natureza,
Quando vos vejo, negros palinuros
Da tempestade negra e da tristeza,Abismados na bruma enegrecida,
Julgo ver nos reflexos de minh’alma
As mesmas nuvens deslizando em calma,
Os nimbos das procelas desta vida;Mas quando o cĂ©u Ă© lĂmpido, sem bruma
Que a transparĂŞncia tolde, sem nenhuma
Nuvem sequer, entĂŁo, num mar de esp’rança,Que o cĂ©u reflete, a vida Ă© qual risonho
Batel, e a alma é a Flâmula do sonho,
Que o guia e o leva ao porto da bonança.
Mea Culpa
NĂŁo duvido que o mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e vá da noite ao dia,
E o homem vá subindo insecto o seixo.Não chamo a Deus tirano, nem me queixo,
Nem chamo ao céu da vida noite fria;
NĂŁo chamo Ă existencia hora sombria;
Acaso, Ă ordem; nem Ă lei desleixo.A Natureza Ă© minha mĂŁe ainda…
É minha mĂŁe… Ah, se eu Ă face linda
Não sei sorrir: se estou desesperado;Se nada há que me aqueça esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza…
É de crer que só eu seja o culpado!
Contrastes
A antĂtese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ăłdio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
SĂŁo como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
junta-se um hemisfério a outro hemisfério,As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz tambĂ©m os caixões do cemitĂ©rio!…
Escrevemos Docemente
Escrevemos docemente. Se a figura
sobe de estar tĂŁo funda a essa mesa
Ă© que escrever se lembra. E sĂł da altura
de se lembrar percorre a linha acesaa ponta de escrever, que traça a pura
forma de rosto que abre na tristeza.
E a tristeza ilumina de escultura
penumbras de volumes com que pesa.Por isso Ă© docemente que da linha
de estar ali aonde sempre esteve
aparece figura de rainhaque sempre foi e agora sĂł se escreve.
E escrevermos Ă© como se na vinha
o sol se iluminasse. E fosse breve.
CastelĂŁ da Tristeza
Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor …
E nunca em meu castelo entrou alguĂ©m!CastelĂŁ da Tristeza, vĂŞs? … A quem? …
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pĂ´r …
Chora o silĂŞncio … nada … ninguĂ©m vem …CastelĂŁ da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
Ă€ sombra rendilhada dos vitrais? …Ă€ noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? … Porque anseias? …
Que sonho afagam tuas mĂŁos reais? …
O Convertido
Entre os filhos dum século maldito
Tomei tambĂ©m lugar na Ămpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!Amortalhei na FĂ© o pensamento,
E achei a paz na inĂ©rcia e esquecimento…
SĂł me falta saber se Deus existe!
Maldição
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
– Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcĂŁo.E, em torrentes de cĂłlera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silĂŞncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidĂŁo…Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!…
A Camões
Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glĂłria que nĂŁo passa,
Em teu poema de heroĂsmo e de beleza.GĂŞnio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A lĂngua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
Soneto IV
Sobre mu cuidado triste me desfaço,
Como ó sol neve, como névoa ó vento,
E como cera ao fogo; e assi em vĂŁo tento
Quanto cuido e ordeno, e quanto faço.Nele mil vezes mouro e mil renaço,
E ando de pensamento em pensamento
Provando se acharei contentamento
Que me erga das tristezas em que faço.Mas em vão o desejo, em vão o espero!
Que vós, senhora, tendes já tomado
Todo remédio que alegrar-me possa.Mas não me tirareis este cuidado,
Que inda que Ă© triste, Ă© vosso, e assi o quero;
Mas ai, que desta pena a culpa Ă© vossa!
A uma Mulher
Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pôr-te o berço estreito
N’algum palácio e ao pĂ© de rĂ©gio leito,
Em vez d’este areal onde cresceste:Podia abrir-te as flores — com que veste
As ricas e as felizes — n’esse peito:
Fazer-te… o que a Fortuna há sempre feito…
Terias sempre a sorte que tiveste!Tinhas de ser assim… Teus olhos fitos,
Que nĂŁo sĂŁo d’este mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto sĂł tinhas nascido!
Acusam-me de Mágoa e Desalento
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
nĂŁo fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que nĂŁo nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.Entretanto, deixai que me nĂŁo cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a prĂłpria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.
MĂşsica Brasileira
Tens, Ă s vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadĂŞncia, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.És samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes sĂŁo desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de trĂŞs saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
Em Amor não há Senão Enganos
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tĂŁo cedo;
Eu morro e nĂŁo vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarĂŁo todos co’o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.
Uma Resposta
NĂŁo sabes a alegria em que fiquei
ao ler o que escreveste – o teu cartĂŁo
veio um pouco aquecer meu coração,
que de há muito na sombra sepultei…A tristeza tornou-se-me uma lei
neste estranho pais da solidĂŁo…
– já nem sei como vais, nem como vĂŁo
aqueles que há mil anos já deixei…NĂŁo penses mais em mim… Sou como um monge,
– nĂŁo voltarei jamais para a cidade
e o tempo em que me falas vai bem longe…Fizeste bem em nĂŁo me acompanhar…
Tinhas toda razĂŁo… Felicidade
sĂł eu mesmo encontrei neste lugar!…
Clarisse
“NĂŁo sei o que Ă© tristeza,” ela me disse…
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do CĂ©u caĂsse!E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possĂvel que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?Será possĂvel que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!
Resposta
Alma: nĂŁo tiveste um lugar. Assim,
te foste ao reino prometido, e dobras-te
agora em quanta solidĂŁo venceste,
impelida num mundo de retorno.Nem a razĂŁo expectante permitiu
o maior pensamento de certezas!
Alma: da terra ao céu o traço fino
da tua directriz — mais nĂŁo ficou…Eis a vida — pĂł cruel, ansiedade
que deu a forma à tua acção perfeita
em sombras de tristeza e dia a dia.Desvendado segredo! A dor que seja
o fogo, tua lembrança encontrou
nesse vazio a Ăşnica palavra…
RenĂşncia
A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mĂŁos em cruz…Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
E como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela Ă© como um rio de luz…Fecha os teus olhos bem! NĂŁo vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ă“ minha mocidade toda em flor!
Em que Emprego o Meu Tempo?
Em que emprego o meu tempo? Vou e venho,
Sem dar conta de mim nem dos pastores,
Que deixam de cantar os seus amores,
Quando passo e lhes mostro a dor que tenho.É de tristezas o torrão que amanho,
Amasso o negro pĂŁo com dissabores,
Em ribeiros de pranto pesco dores,
E guardo de saudades um rebanho.Meu coração à doce paz resiste,
E, embora fiqueis crendo que motejo,
Alegre vivo por viver tĂŁo triste!Amor se mostra nesta dor que abrigo:
Quero triste viver, pois vos nĂŁo vejo,
Nem sequer muito ao longe vos lobrigo.