Sonetos sobre Vento

197 resultados
Sonetos de vento escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Na ConfusĂŁo Do Mais Horrendo Dia

Na confusĂŁo do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrĂ­vel, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.

Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.

Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos

O Céu, de Opacas Sombras Abafado

O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;

Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;

Formam quadro terrĂ­vel, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato Ă  fereza
Do ciĂşme e saudade, a que ando afeito.

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.

Despondency

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă€ morte queda, Ă  morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ăşltima esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!

Poema Final

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
_ Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,

As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
TĂŁo graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,

Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo nĂŁo sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos nĂŁo sonhados,

Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. NĂŁo suspireis. NĂŁo respireis.

Desesperança

Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d’uma hora,
Que abracei com delĂ­rio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele… e passa.

Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora
D’essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue á mesma taça!

Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E sĂł engano nunca a desventura!

Se era silêncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, Ăł alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!

Tédio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, Ăşltimo outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silĂŞncio e no abandono,
SĂł, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, Ăł pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que nĂŁo vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fĂşnebre, lĂşgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…

LXXIX

Entre este álamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.

Na líquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:

Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?

SolidĂŁo

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: – a solidĂŁo
anda lá fora, e o vento à minha porta
passa arrastando as folhas pelo chĂŁo…

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silĂŞncio, que o espĂ­rito conforta,
exaspera a minha alma de aflição…

As horas vĂŁo passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vĂŁo tento conciliar o sono

A cama Ă© fria… O quarto Ăşmido e triste…
– Há uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste…

Soneto Ă  Rendeira

O linho é uma oração remota, nesse
fluir fabril de fio para a flor.
Move-se o coração da moça, e esquece
o tempo prisioneiro, em derredor

da sombra esguia que Ă  almofada tece.
Move-se, em seu afĂŁ modelador
de paz, o mito imemorial da prece
que do limbo da morte inventa o amor.

Movem-se dentro dela o sol e o vento.
Move-se o mar, e os pĂłrticos se movem
das águas em perpĂ©tuo movimento…

Move-se a gĂŞnese em seu corpo jovem.
E, enquanto o olhar medita, os dedos tecem
gestos de amor que os lábios não conhecem.

LĂ­ngua Portuguesa

Da avena dos pastores, da harmonia
Que o vento imprime Ă s palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca Ă  voz que balbucia;

Do sol que fala quando nasce o dia,
Do luar que enche de unção as cordilheiras,
Vem este claro idioma, que Ă© poesia
E alma das gentes luso-brasileiras.

Rumor de asas de abelha, um ruĂ­do apenas…
Doce afago de arminhos e de penas,
Perdão, queixume, lágrima, reclamo,

Ou grito estuante de alma incompreendida,
Do desgraçado: “Eu te condeno, Ăł vida!”
Do poeta que sofreu: “Ă“ vida, eu te amo!”

Rio Abaixo

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo, há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silĂŞncio tristĂ­ssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂ­mbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

Coração Solitário

A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
NĂŁo existe esta rua – Ă© um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que nĂŁo vi.

Ouço meu coração ardente e solitário
com sua mĂşsica estranha de piano bĂŞbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

MĂşsica indefinida a encher a solidĂŁo:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.

Ars De Eros

Enquanto vias vi fĂ´rmas e formas
mas sabia que vinhas ver os versos
depois de veres várias folhas mortas
desse outono jardim nosso em regressos.

NĂŁo adianta rosnar pantera morna
o tempo rasga sempre um vento espesso
embora nĂŁo queiramos ser da horta
estrume de um adubo tĂŁo perverso,

E nĂŁo me venha viĂşva simbolista
reclamar dos poemas tĂŁo transgressos
pois te mostro a visĂŁo livre e anarquista.

Se Ă© para ver que venha entĂŁo diverso
o modo de te amar mais tribalista
que morro nesse clĂ­max dos possessos.

Choro De Vagas

Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;

Vejo-os na escuridĂŁo da noite, aflitos,
Bracejando ou já mortos e de bruços,
Largados das marĂ©s, em ermas plagas…

Ah! que sĂŁo deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!

Ăšltimas Vontades

Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,

Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovĂ­vel, era
Espelho de pés leves, depois lassos!

E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento…

— Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!

Ângelus

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂşsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando Ă s vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e Ă­ntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espĂ­rito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa lĂ­ngua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmĂŁs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existĂŞncia,
Acordareis um dia na ConsciĂŞncia,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da IlusĂŁo,
Cair desfeitas, como um sonho vĂŁo…
E acabará por fim vosso tormento.

Continue lendo…

Amor Ă© um EspĂ­rito InvisĂ­vel

Dizem que fere amor com passadores
e que traz em matar o pensamento,
mas eu julgo que tem amor de vento
quem cuida haver no mundo tais amores.

Também dizem que o pintam os Pintores
menino, nu e cego: e tĂŁo sem tento,
que Ă© mais cego e mais nu d’entendimento,
quem cuida que em amores cabem tais cores.

Amor Ă© um espĂ­rito invisĂ­vel,
que entra por onde quer, e abranda o peito
sem cor, sem arco, aljava, ou seta dura:

Pode num peito humano o impossĂ­vel,
recebe-se somente no conceito,
e tem no coração posse segura.

O Teu Olhar

Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde nĂŁo cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de herĂłis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a ĂŤndia, a visĂŁo do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-te tĂŁo grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

Metempsicose

Ausentes filhas do prazer: dizei-me!
Vossos sonhos quais sĂŁo, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vĂłs se agita e freme?

N’outra vida e outra esfera, aonde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tinheis? que matéria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?

VĂłs fostes nas florestas bravas feras,
Arrastando, leĂ´as ou pantheras,
De dentadas de amor um corpo exangue…

Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze flutuante…
Lobas! leĂ´as! sim, bebei meu sangue!