Acontecimento Do Soneto
Ă doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e nĂŁo consigo
cantar solenemente os derradeirosversos de minha vida, que os primeiros
foram cantados jĂĄ, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.SĂŽbolos rios que cantando vĂŁo
a lĂrica imortal do degredado
que, estando em BabilĂŽnia, quer SiĂŁo,irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.
Sonetos sobre Vida de LĂȘdo Ivo
5 resultadosSoneto Dos Vinte Anos
Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.Passem rios, estrelas, que o passar
Ă© ficar sempre, mesmo se Ă© esquecida
a dor de ao vento vĂȘ-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que nĂŁo morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.
A Noite Branca
Uma fonte clara e musical
canta na noite branca de Roma
e dos jardins pagĂŁos vem o aroma
que embalsama as camas dos amantes.A ĂĄgua de si mesma enamorada
cinge a fronte fria das estĂĄtuas
de dia feridas pelas fĂĄtuas
vozes dos turistas sucessivos.A memĂłria oculta das cloacas
narra o seu trajeto de ĂĄgua e fĂĄbula
pela boca dos tritÔes e måscaras.No brancor da praça adormecida
Aparece um travesti aidético
E ouve a fonte, a eterna voz da vida.
Soneto Da Enseada
Sou sempre o que estå além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂŽr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂlia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?
Soneto De Roma
Felizes os que chegam de mĂŁos dadas
como se fosse o instante da partida
e entre as fontes que jorram a ĂĄgua clĂĄssica
dĂŁo em silĂȘncio adeus Ă claridade.No dourado crepĂșsculo da tarde
o que nos dividiu agora Ă© soma
e a vida que te dei e que me deste
voa entre os pombos no fulgor de Roma.Todo fim é começo. A ågua da vida
eterna e musical sustenta o instante
que triunfa da morte nas ruĂnas.Como o verĂŁo sucede Ă neve fria
um sol final aquece o nosso amor,
devolução da aurora e luz do dia.