A Jovem Cativa
(André Chenier)
— “Respeita a foice a espiga que desponta;
Sem receio ao lagar o tenro pâmpano
Bebe no estio as lágrimas da aurora;
Jovem e bela também sou; turvada
A hora presente de infortúnio e tédio
Seja embora: morrer não quero ainda!De olhos secos o estóico abrace a morte;
Eu choro e espero; ao vendaval que ruge
Curvo e levanto a tímida cabeça.
Se há dias maus, também os há felizes!
Que mel não deixa um travo de desgosto?
Que mar não incha a um temporal desfeito?Tu, fecunda ilusão, vives comigo.
Pesa em vão sobre mim cárcere escuro,
Eu tenho, eu tenho as asas da esperança:
Escapa da prisão do algoz humano,
Nas campinas do céu, mais venturosa,
Mais viva canta e rompe a filomela.Deve acaso morrer ? Tranqüila durmo,
Tranqüila velo; e a fera do remorso
Não me perturba na vigília ou sono;
Terno afago me ri nos olhos todos
Quando apareço, e as frontes abatidas
Quase reanima um desusado júbilo.Desta bela jornada é longe o termo.
Passagens sobre Ternos
51 resultadosDualidade
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
o meu próprio desejo tão violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estás junto a mim, quando te vejo.É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
é desejo e ternura a um só momento.Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,– e a perceber em meu estranho ardor,
que há uma luta entre o efêmero e o eterno,
entre um demônio e um anjo em todo Amor!
Elegia do Amor
Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória…
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava,
O pintor precisa de quatro coisas: coração terno, olhos agudos, mão fácil e pincéis sempre bem lavados.
Espinosa
Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante idéia.E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executasSóbrio, tranqüilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.
O Amor
I
Eu nunca naveguei, pieguíssimo argonauta
Dans les fleuves du tendre, onde há naufrágios bons,
Conduzindo Florian na tolda a tocar frauta,
E cupidinhos d’oiro a tasquinhar bombons.
Nunca ninguém me viu de capa à trovador,
Às horas em que está já Menelau deitado,
A tanger o arrabil sob os balcões em flor
Dos castelos feudais de papelão doirado.
Não canto de Anfitrite as vaporosas fraldas,
(Eu não quero com isto, ó Vénus, descompor-te)
Nem costumo almoçar c’roado de grinaldas,
Nem nunca pastoreei enfim, vestido à corte,
De bordão de cristal e punhos de Alençon,
Borreguinhos de neve a tosar esmeraldas
Num lameiro qualquer de qualquer Trianon.
Eu não bebo ambrósia em taças cristalinas,
Bebo um vinho qualquer do Douro ou de Bucelas,
Nem vou interrogar as folhas das boninas,
Para saber o amor, o tal amor das Elas.
Não visto da poesia a túnica inconsútil,
Pela simples razão, sob o pretexto fútil
De ter visto passar na rua uns pés bonitos;
Nem do meu coração eu fiz um paliteiro,
Onde venha o amor cravar os seus palitos.
Não Sei se Isto é Amor
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos cânticos.Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno…
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro a olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.Eu não sei se é amor. Será talvez começo…
Eu não sei que mudança a minha alma pressente…
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
Vingança
“Vingança…”
II
Quero sentir-te nos meus braços presa
e dizer bem baixinho ao teu ouvido,
um segredo de amor terno e sentido
que guardo no meu peito com avareza…Quero ter afinal plena certeza
deste amor que na vida me tem sido:
o meu sonho mais lindo e mais querido,
a luz de uma esperança, sempre acesa…Nesta rosa que tens, viva e vermelha
esmigalhada em tua boca – a abelha
do meu beijo algum dia hei de pousar…Quero unir minha vida à tua vida,
sentir que és minha só, ter-te possuída,
para então, só depois, te abandonar!…
Não me Fales de Glória: é Outro o Altar
Não me fales de glória: é outro o altar
Onde queimo piedoso o meu incenso,
E animado de fogo mais intenso,
De fé mais viva, vou sacrificar.A glória! pois que ha n’ela que adorar?
Fumo, que sobre o abysmo anda suspenso…
Que vislumbre nos dá do amor immenso?
Esse amor que ventura faz gosar?Ha outro mais perfeito, unico eterno,
Farol sobre ondas tormentosas firme,
De immoto brilho, poderoso e terno…Só esse hei-de buscar, e confundir-me
Na essencia do amor puro, sempiterno…
Quero só n’esse fogo consumir-me!
Doce Abismo
Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.Como um beijo de mágoa e de ansiedade,
Como um terno crepúsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.Como um sudário de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.
N’um Album
É esta vida um mar; e n’este mar
Qual é o astro que nos alumia?
Que norte, estrella ou bussola nos guia?
Um olhar de mulher! um terno olhar!
É preciso dar o nome do amor a todos os sentimentos ternos que temos. Mas nunca saberemos se é mesmo ele.
VII
Versos feitos por mim na mocidade
O mérito só tem sentimento.
Eram, pra assim dizer, um instrumento
Mais que o prazer ecoando-me a saudade.Pospondo a fantasia sempre à verdade
Melhor encontrei nesta o ornamento
E, no estudo apurando o sentimento,
Quanto tenho a saber disse-me a idade.É isso o que vos quero eu ensinar,
Amando-vos qual pode um terno avô,
A quem para as suas cãs engrinaldarMelhor só poderia o que eu vou
Em carícias tão vossas procurar,
Sentindo que de vós inda mais sou.
A Grande Dor Das Cousas Que Passaram
A grande dor das cousas que passaram
transmutou-se em finíssimo prazer
quando, entre fotos mil que se esgarçavam,
tive a fortuna e graça de te ver.Os beijos e amavios que se amavam,
descuidados de teu e meu querer,
outra vez reflorindo, esvoaçaram
em orvalhada luz de amanhecer.Ó bendito passado que era atroz,
e gozoso hoje terno se apresenta
e faz vibrar de novo minha vozpara exaltar o redivivo amor
que de memória-imagem se alimenta
e em doçura converte o próprio horror!
Coda
Inútil escapar. A presença perdura.
Desde que sinto chão
ou de verde
ou de pedraé teu rastro que encontro e encontro em ti meu chão.
E quando te pressinto
o de verde é mais terno
e o de mais dura pedra
um sensível durâmen.Tu que arrancas até da rocha viva o sangue,
tu que vens pela foz destes veios de eu te amo:
— Em que século, amor, nossas almas se fundem?
Em que terra?Através de que mar? Ah que céu
velho céu já chorou por nós — perdidos cúmulos —
guaiando em nosso mundo impossíveis azuis?
E desde quando o amor se abriu aos nossos olhos?
De que abrolhos e sal de amar nos marejou?Em meu solo és madeiro
e nave
e asa que sonha.
Em todo canto te acho e onde é teu canto eu sou.
A Função do Amor é Fabricar Desconhecimento
a função do amor é fabricar desconhecimento
(o conhecido não tem desejo;mas todo o amor é desejar)
embora se viva às avessas,o idêntico sufoque o uno
a verdade se confunda com o facto,os peixes se gabem de pescare os homens sejam apanhados pelos vermes(o amor pode não se
importar
se o tempo troteia,a luz declina,os limites vergam
nem se maravilhar se um pensamento pesa como uma estrela
—o medo tem morte menor;e viverá menos quando a morte acabar)que afortunados são os amantes(cujos seres se submetem
ao que esteja para ser descoberto)
cujo ignorante cada respirar se atreve a esconder
mais do que a mais fabulosa sabedoria teme ver(que riem e choram)que sonham,criam e matam
enquanto o todo se move;e cada parte permanece quieta:
pode não ser sempre assim;e eu digo
que se os teus lábios,que amei,tocarem
os de outro,e os teus ternos fortes dedos aprisionarem
o seu coração,como o meu não há muito tempo;
se no rosto de outro o teu doce cabelo repousar
naquele silêncio que conheço,ou naquelas
grandiosas contorcidas palavras que,dizendo demasiado,
LXIX
Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!
Nada mais doce, nada mais terno, do que um ex-inimigo.
Amor e Eternidade
Repara, doce amiga, olha esta lousa,
E junto aquella que lhe fica unida:
Aqui d’um terno amor, aqui repousa
O despojo mortal, sem luz, sem vida.
Esgotando talvez o fel da sorte,
Poderam ambos descançar tranquillos;
Amaram-se na vida, e inda na morte
Não pôde a fria tumba desunil-os.
Oh! quão saudosa a viração murmura
No cypreste virente
Que lhes protege as urnas funerárias!
E o sol, ao descahir lá no occidente,
Quão bello lhes fulgura
Nas campas solitárias!
Assim, anjo adorado, assim um dia
De nossas vidas murcharão flores…
Assim ao menos sob a campa fria
Se reunam também nossos amores!
Mas que vejo! estremeces, e teu rosto,
Teu bello rosto no meu seio inclinas,
Pallido como o lírio que ao sol posto
Desmaia nas campinas?
Oh? vem, não perturbemos a ventura
Do coração, que jubiloso anceia…
Vem, gosemos da vida em quanto dura;
Desterremos da morte a negra ideia!
Longe, longe de nós essa lembrança!
Mas não receies o funesto corte…
Doce amiga, descança:
Quem ama como nós, sorri à morte.
Meus Olhos, Atentai no Meu Jazigo
Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:Abre em meu nome este epitáfio nela:
“Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidões, matou-me Isabela.”