Textos sobre Azedos

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Textos de azedos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Eu Acredito na História

Eu acredito na História. Por isso, espero que ela escarre um dia sobre esta época, agoniada de nojo. Será tarde, evidentemente, para que os tartufos de agora sintam o cilindro da justiça a brunir-lhes a grandeza, e para que os humilhados tenham ainda em vida a desforra que merecem. Mas o homem dura pouco demais para poder assistir ao espectáculo inteiro da comédia de que também é comparsa. Tem de nomear representantes até para comerem os frutos das próprias árvores que planta. De maneira que eu delego na História um vómito azedo sobre isto.

As Ilhas e as Flores

Percorreu um trilho ao longo da manhã e sentou-se a comer entre as azáleas. Quando um dia voltasse a partir, talvez nada lhe fizesse tanta falta como as flores. As hortênsias e as árvores-de-fogo, as beladonas e as camélias, as magnólias e as olaias: encantava-o a cadência a que floriam naquela ilha — e depois ainda havia os hibiscos, os jarros e os mantos infinitos de erva azeda, sempre prontos a acorrer a algum sobressalto da meteorologia, para que nunca faltasse a cor.
Podia dizer-se o que se quisesse sobre as ilhas, menos que fossem claustrofóbicas. Não as ilhas onde houvesse flores.

A Sopa Azeda

A dita sopa azeda não se parecia com nada do que tivesse provado até àquele momento. Num ápice, desfilaram vários sabores vindos como que do próprio interior do tempo. E, quando ele se pôs a percorrê-los, sentiu que se sentavam em volta os seus antepassados, os pais e os avós e os avós destes, e os velhos da Terra Chã e da Terceira, e os açorianos dali até ao povoamento, e deste até ao próprio Génesis, quando na manhã do Sexto Dia o Senhor olhou sobre a sua obra e decidiu que estava, afinal, incompleta.

Fuga do Ódio

Queres amar a vida e não te deixam. Tens de respirar o ódio, o insulto, o bafo azedo do vexame e isso faz-te mal. Emanações de um pântano de febres, de esgotos a céu aberto com o seu fedor de vómito. Um dos tormentos do inferno medievo era esse, o fedor – a essência da podridão. E o que te fazem respirar de uma flor, do aroma de existires? Porque é que o ódio é assim fundamental para os teus parceiros em humanidade existirem? Têm uma estrutura diferente de serem, Deus fabricou-os num momento de mau génio.

As Pessoas Sensatas

Platão comparava a vida a um jogo de dados, no qual devêssemos fazer um lance vantajoso e, depois, bom uso dos pontos obtidos, quaisquer que fossem. O primeiro item, o lance vantajoso, não depende do nosso arbítrio; mas receber de maneira apropriada o que a sorte nos conceder, assinalando a cada coisa um lugar tal que o que mais apreciamos nos cause o maior bem e o que mais aborrecemos o menor mal – isso nos incumbe, se formos sensatos. Os homens que defrontam a vida sem habilidade ou inteligência são como enfermos que não podem tolerar nem o calor nem o frio; a prosperidade exalta-os e a adversidade desalenta-os. São perturbados por uma e por outra, ou melhor, por si próprios, numa ou noutra, não menos na prosperidade que na adversidade.
Teodoro, chamado o Ateu, costumava dizer que oferecia os seus discursos com a mão direita, mas os seus ouvintes recebiam-nos com a esquerda; os ignaros frequentemente dão mostras da sua inépcia oferecendo à Fortuna uma recepção canhestra quando ela se apresenta de modo destro. Mas as pessoas sensatas agem como as abelhas, que extraem mel do tomilho, planta muito seca e azeda; similarmente, as pessoas sensatas muitas vezes obtêm para si algo de útil e aprazível das mais adversas situações.

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Amizade Condicionada

A amizade é menos frequente entre pessoas azedas e entre os mais velhos, porque quanto pior for o feitio das pessoas, menor é o prazer que têm no convívio. Ora o bom feitio e o convívio social são marcas de amizade e motivos criadores de amizade. Por este motivo, os jovens depressa se tornam amigos, os velhos, não. É que não se podem tornar amigos daqueles na presença dos quais não sentem prazer; de modo semelhante se passa com os que estão sempre mal dispostos. Estes também podem ser benevolentes entre si porque desejam o bem ao outro e vão ao encontro das necessidades do outro. Contudo, não são completamente amigos uma vez que não passam juntos o dia nem sentem prazer na companhia um do outro, coisas que parecem ser marcas distintivas de amizade.
Agora, parece que não é possível ser-se amigo de muitas pessoas, pelo menos no sentido pleno da amizade, do mesmo modo que não é possível amar ao mesmo tempo muitas pessoas (tal parece que, na realidade, seria excessivo; e o amor costuma nascer naturalmente em relação a uma única pessoa), porque não é fácil de agradar de modo totalmente satisfatório a muitos ao mesmo tempo.

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Com os Costumes andam os Aforismos

Com os costumes andam os aforismos. Assim, eis que eles tomam um carácter mais criticador e vibrante, isto na linguagem de Karl Kraus, homem sagaz e ventríloquo de certas causas que a sociedade não confia à voz pública.
Ele diz, por exemplo: «As mulheres, no Oriente, têm maior liberdade. Podem ser amadas». Ou então: «A vida de família é um ataque à vida privada». Ou ainda: «A democracia divide os homens em trabalhadores e preguiçosos. Não está destinada para aqueles que não têm tempo para trabalhar». Tudo isto, como axioma, lembra Bernard Shaw, esse inglês azedo e endiabrado cujo Manual do Revolucionário fez o encanto da nossa adolescência.
Todavia, o aforimo do homem de letras, se impressiona, quase nunca comove ninguém. O autêntico aforismo não é uma arte – é uma espécie de pastorícia cultural. Não está destinado a divertir nem a chocar as pessoas, mas, acima de tudo, propõe-se transmitir uma orientação. É uma lição, e não o pretexto para uma pirueta.
Os aforismos e paradoxos de Karl Kraus têm esse sabor irreverente que se diferencia da sabedoria, porque há algo de precipitado na sua confissão. Precisam de ser situados num estado de espírito, para serem aceites e compreendidos;

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Insiste no Benefício

Queixas-te de teres dado com um ingrato! Se é a primeira vez que isso te sucede bem podes agradecer à tua sorte… ou à tua prudência. Mas esta é uma questão em que a prudência apenas fará de ti um homem azedo, pois se pretenderes evitar o perigo da ingratidão nunca mais farás benefícios a ninguém. Quer dizer, para que os teus benefícios não sejam em vão, privas-te de fazê-los. A verdade é que é preferível proporcionar benefícios mesmo sem contrapartida do que renunciar a beneficiar os outros: há que voltar a semear, mesmo depois de uma má colheita! As sementeiras perdidas por uma prolongada estirilidade de um terreno pouco fértil podem ser compensadas pela abundância de uma única messe. Para encontrarmos um só homem grato vale bem a pena sujeitarmo-nos à ingratidão de muitos.
Ao distribuir benefícios ninguém tem a mão tão certeira que não se possa com frequência enganar: pois sejam em vão esses benefícios, desde que uma ou outra vez sejam bem aplicados! Não é um naufrágio que põe termo à navegação, como não é a presença de um falido que impede o usurário de montar banca no foro. Em breve a nossa vida se transformará num torpor inutilmente ocioso se pretendermos eximir-nos à mínima contrariedade.

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