Textos sobre Crianças de Mia Couto

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Textos de crianças de Mia Couto. Leia este e outros textos de Mia Couto em Poetris.

A ViolĂȘncia Oculta

A primeira razĂŁo por que a violĂȘncia maior actua de modo silencioso, e das poucas vezes que falamos dela falamos apenas da ponta do icebergue. NĂłs acreditamos que estamos perante fenĂłmenos de violĂȘncia apenas quando essa tensĂŁo assume proporçÔes visĂ­veis, quando ela surge como espectĂĄculo mediĂĄtico. Mas esquecemos que existem formas de violĂȘncia oculta que sĂŁo gravĂ­ssimas. Esquecemos, por exemplo, que todos os dias, no nosso paĂ­s, sĂŁo sexualmente violentadas crianças. E que, na maior parte das vezes, os agressores nĂŁo sĂŁo estranhos. Quem viola essas crianças sĂŁo principalmente parentes. Quem pratica esse crime Ă© gente da prĂłpria casa.

NĂłs temos nĂ­veis altĂ­ssimos de violĂȘncia domĂ©stica, em particular, de violĂȘncia contra a mulher. Mas esse assunto parece ser preocupação de poucos. Fala-se disso em algumas ONGs, em alguns seminĂĄrios. A Lei contra a violĂȘncia domĂ©stica ainda nĂŁo foi aprovada na Assembleia da RepĂșblica.

Existem vĂĄrias outras formas invisĂ­veis de violĂȘncia. Existe violĂȘncia quando os camponeses sĂŁo expulsos sumariamente das suas terras por gente poderosa e nĂŁo possuem meios para defender os seus direitos. Existe uma violĂȘncia contida quando, perante o agente corrupto da autoridade, nĂŁo nos surge outra saĂ­da senĂŁo o suborno. Existe, enfim, a violĂȘncia terrĂ­vel que Ă© o vivermos com medo.

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A Armadilha da Identidade

A mais perigosa armadilha Ă© aquela que possui a aparĂȘncia de uma ferramenta de emancipação. Uma dessas ciladas Ă© a ideia de que nĂłs, seres humanos, possuĂ­mos uma identidade essencial: somos o que somos porque estamos geneticamente programados. Ser-se mulher, homem, branco, negro, velho ou criança, ser-se doente ou infeliz, tudo isso surge como condição inscrita no ADN. Essas categorias parecem provir apenas da Natureza. A nossa existĂȘncia resultaria, assim, apenas de uma leitura de um cĂłdigo de bases e nucleĂłtidos.

Esta biologização da identidade é uma capciosa armadilha. Simone de Beauvoir disse: a verdadeira natureza humana é não ter natureza nenhuma. Com isso ela combatia a ideia estereotipada da identidade. Aquilo que somos não é o simples cumprir de um destino programado nos cromossomas, mas a realização de um ser que se constrói em trocas com os outros e com a realidade envolvente.

A imensa felicidade que a escrita me deu foi a de poder viajar por entre categorias existenciais. Na realidade, de pouco vale a leitura se ela nĂŁo nos fizer transitar de vidas. De pouco vale escrever ou ler se nĂŁo nos deixarmos dissolver por outras identidades e nĂŁo reacordarmos em outros corpos,

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