Textos sobre Poderosos

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Textos de poderosos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Única Coisa Duradoura Que Podes Criar

A mamã costumava dizer-lhe que tinha muita pena. As pessoas tinham andado a trabalhar durante tantos anos para fazer do mundo um sítio organizado e seguro. Ninguém percebera como ele se iria tornar aborrecido. Com todo o mundo dividido em propriedades, com os limites de velocidade e as divisões por zonas, com tudo regulado e tributado, com todas as pessoas analisadas e recenseadas e rotuladas e registadas. Ninguém tinha deixado muito espaço para a aventura, exceptuando, talvez, a do género que se pode comprar. Numa montanha-russa. Num cinema. No entanto, isso seria sempre uma excitação falsa. Sabes que os dinossauros não vão comer os míudos. Os referendos recusaram com os seus votos qualquer hipótese de um desastre falso ainda maior. E porque não existe a possibilidade de um desastre verdadeiro, ficamos sem nenhuma hipótese de termos uma salvação verdadeira. Entusiasmo verdadeiro. Excitação a sério. Alegria. Descoberta. Invenção.
As leis que nos dão segurança, estas mesmas leis condenam-nos ao aborrecimento. Sem acesso ao verdadeiro caos, nunca teremos paz verdadeira.

A não ser que tudo possa ficar pior, nunca poderá ficar melhor.
Isto eram tudo coisas que a mamã lhe costumava dizer.
E dizia-lhe mais:

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De Que Vale a Sabedoria ?

Os homens que se entregam à sabedoria são de longe os mais infelizes. Duplamente loucos, esquecem que nasceram homens e querem imitar os deuses poderosos, e a exemplo dos Titãs, armados com as ciências e as artes, declaram guerra à Natureza. Ora, os menos infelizes são aqueles que mais se aproximam da animalidade e da estupidez.
Tentarei fazer-vos entender isto, usando, em vez dos argumentos dos estóicos, um exemplo crasso. Haverá, pelos deuses imortais, espécie mais feliz que os homens a quem o vulgo chama loucos, parvos, imbecis, cognomes belíssimos, na minha opinião? Esta afirmação poderá a princípio parecer insensata e absurda e, no entanto, nada há de mais verdadeiro. Tais homens não receiam a morte, e, por Júpiter! isso já não representa pequena vantagem! A sua consciência não os incomoda. As histórias de fantasmas não os aterrorizam, nem os afecta o medo das aparições e espectros, nem os males que os ameaçam ou a esperança dos bens que poderão vir a receber. Nada, em resumo, os atormenta, isentos dos mil cuidadeos de que a vida é feita. Ignoram a vergonha, o medo, a ambição, a inveja e chegam mesmo, se são suficientemente estúpidos, a gozar o privilégio, segundo os teólogos,

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A Razão

A razão é a suprema união da consciência e da consciência de si, ou seja, do conhecimento de um objecto e do conhecimento de si. É a certeza de que as suas determinações não são menos objectais, não são menos determinações da essência das coisas do que são os nossos próprios pensamentos. É, num único e mesmo pensamento, ao mesmo tempo e ao mesmo título, certeza de si, isto é, subjectividade, e ser, isto é, objectividade.
(…) A razão é tão poderosa quanto ardilosa. O seu ardil consiste em geral nessa actividade mediadora que, deixando os objectos agirem uns sobre os outros conforme à sua própria natureza, sem se imiscuir directamente na sua acção recíproca, consegue, contudo, atingir unicamente o objectivo a que se propõe.
(…) A Razão governa o mundo e, consequentemente, governa e governou a história universal. Em relação a essa razão universal e substancial, todo o resto é subordinado e serve-lhe de instrumento e de meio. Ademais, essa Razão é imanente na realidade histórica, realiza-se nela e por ela. É a união do Universal existente em si e por si e do individual e do subjecitvo que constitui a única verdade.

O Engraxanço e o Culambismo Português

Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.
Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.
Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc… Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso.

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Ninguém é Feliz quando Treme pela sua Felicidade

Ninguém é feliz quando treme pela sua felicidade. Não se apoia em bases sólidas quem tira a sua satisfação de bens exteriores, pois acabará por perder o bem-estar que obteve. Pelo contrário, um bem que nasce dentro de nós é permanente e constante, e vai sempre crescendo até ao nosso último momento; todos os demais bens ante os quais se extasia o vulgo são bens efémeros. “E então? Quer isso dizer que são inúteis e não podem dar satisfação?” É evidente que não, mas apenas se tais bens estiverem na nossa dependência, e não nós na dependência deles. Tudo quanto cai sob a alçada da fortuna pode ser proveitoso e agradável na condição de o seu beneficiário ser senhor de si próprio em vez de ser servo das suas propriedades. É um erro pensar-se, Lucílio, que a fortuna nos concede o que quer que seja de bom ou de mau; ela apenas dá a matéria com que se faz o bom e o mau, dá-nos o material de coisas que, nas nossas mãos, se transformam em boas ou más.
O nosso espírito é mais poderoso do que toda a espécie de fortuna, ele é quem conduz a nossa vida no bom ou no mau sentido,

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Conselhos para o Ensino

Vou falar de questões que, independentemente do espaço e do tempo, sempre estiveram e sempre estarão relacionadas com a educação. Nesta tentativa não posso dizer que sou uma autoridade, particularmente tão inteligente e bem-intencionado como os homens que ao longo do tempo trataram dos problemas da educação e que certamente exprimiram repetidas vezes os seus pontos de vista acerca destas matérias. Com que base posso eu, um leigo no âmbito da pedagogia, arranjar coragem para exprimir opiniões sem qualquer fundamento, excepto a minha experiência pessoal e a minha convicção pessoal? Quando se trata de uma matéria científica, é fácil uma pessoa sentir-se tentada a ficar calada com base nestas considerações.
Contudo, tratando-se de assuntos respeitantes ao ser humano, é diferente. Neste caso, o conhecimento apenas da verdade não é suficiente; pelo contrário, este conhecimento deve ser continuamente renovado à custa de um esforço contínuo, sob pena de se perder. Lembra uma estátua de mármore no deserto que está continuamente em perigo de ser enterrada pela areia em movimento. As mãos de serviço têm de estar continuamente a trabalhar para que o mármore continue indefinidamente a brilhar ao sol. A este grupo de mãos também pertencem as minhas.
A escola sempre foi o mais importante meio de transferência da riqueza da tradição de uma geração para a seguinte.

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Os Sábios Célebres

Todos vós, os sábios célebres, nunca fostes mais do que os servidores do povo e da superstição popular, e não os servidores da verdade. E é precisamente por isso que vos têm honrado.
E por isso também foi tolerada a vossa incredulidade, porque parecia uma brincadeira, um rodeio engenhoso que vos levava ao povo. Assim o amo dá maior liberdade aos seus escravos e regozija-se até com a sua presunção.
Mas aquele que o povo odeia, com o ódio do lobo pelos cães, é o espírito livre, inimigo das algemas, aquele que não adora, aquele que habita as florestas.
Persegui-lo até ao seu esconderijo, é aquilo a que o povo, sempre chamou ter o «sentido de justiça»; e ainda por cima dão caça ao solitário com os seus ferozes mastins.
‘Porque a verdade está onde o povo está! Ai daqueles que a procuram!’ – é isto o que ecoa através dos tempos.
Queríeis assentar na razão a piedade tradicional do vosso povo e é a isso que chamais «a vontade de verdade», ó sábios célebres!
E o vosso coração insiste em dizer para si próprio: ‘Eu vim do povo, foi também do povo que me veio a voz de Deus.’

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O Absoluto do Ser

– Deus não é bom?
– Não, para falar com propriedade, Deus não é bom: é. Bom, mau, são pobres palavras que se aplicam a um conjunto de regras respeitantes a alguns pormenores da nossa vida material. Porque é que Deus seria limitado pelas nossas pobres palavras e valores? Não, Deus não é bom. É mais do que isso. É a forma mais rica, mais completa, mais poderosa do ser, de qualquer maneira. Torna concreta a abstracção mesmo da forma do ser. E penso que o «envisagement» do ser não podia ser possível se Deus não lhe tivesse dado anteriormente o seu estado. Deus é a criação. É pois um princípio inextinguível, não orientado, a própria vida. Lembrem-se das palavras: «Eu sou Aquele que sou». Nenhuma outra palavra humana compreendeu e relatou melhor a forma divina. Intemporal, não, nem sequer intemporal e infinita. O princípio. O facto de que há qualquer coisa no lugar onde não havia nada.
– Mas então, Deus não tem necessidade…
– E até mesmo para lá de toda a expressão. Se quiser, eu sou Deus. Não há dúvida a sustentar, pergunta a fazer. Você existe. Portanto é Deus. Você não pode existir de outro modo.

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A Prática Fomenta a Vontade

Se desejamos tornar-nos fortes, temos, primeiro, de comprender o que é a vontade. A vontade não é nenhuma entidade mística, que presida aos outros elementos do carácter, qual mestre de banda – sim, a soma, a substância de todos os nossos impulsos e disposições. Essa energia formadora do carácter não tem senhor a quem obedeça além de si própria; e é graças a ela que algum poderoso impulso pode vir a dominar e unificar o complexo. Isto forma a «força de vontade» – um supremo desejo que se ergue acima dos mais para arrastá-los num mesmo sentido ou para uma dada meta. Se não descobrimos essa meta não alcançaremos a unidade – e seremos simples pedra de que outro homem se utiliza nas suas construções.
Vem daí a inutilidade da leitura de livros que apontam as estradas reais do carácter. Tenho diante de mim um volume de um tal Leland (Londres, 1912), intitulado Tendes a Vontade Forte? ou Como Desenvolver Qualquer Faculdade do Espírito pelo Fácil Processo do Auto-Hipnotismo. Existem centenas destas obras-primas ao alcance dos simplórios de todas as cidades. Mas o caminho é mais penoso e longo.
Esse caminho é o caminho da vida. Vontade, isto é,

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Mantém uma Certa Distância dos teus Superiores

Ninguém deve poder imaginar que, de acordo com os teus superiores, participaste na elaboração de novas leis, sobretudo se forem impopulares. Mostra-te o menos possível na companhia do verdadeiro detentor do poder, mas conta-lhe à discrição rumores e anedotas, desde que não tragam consequências. Sobretudo, não te gabes diante de ninguém de teres conquistado a sua amizade.
Se a tua influência sobre os poderosos for notada, serás apontado como responsável pelas suas más acções. Procuca, pois, que o teu senhor escute atentamente os teus conselhos, tenha em conta as tuas observações, mas só provoque grandes reviravoltas políticas na tua ausência.

Símios Aperfeiçoados II

A tragédia é a cristalização da massa humana, tão perigosa como a estagnação do espírito do homem que se torna académico ou fenece por falta de entusiasmo. Gostava de saber quantas pessoas pensam em macacos durante o correr de um dia? Quantas? O homem-massa, num futuro próximo – em relações antropológicas o próximo leva geralmente centenas de anos – transformar-se-á num novo espectáculo de jardim zoológico. Em vez de jaula e aldeias de símios, ele terá balneários públicos e campos para habilidades desportivas, com ocasionais jogos nocturnos. Dará palmas em delírio ouvindo ainda o som distante da sineta tocada pelo elefante num acto máximo de inteligência paquidérmica. Terá circuitos fechados, com pistas perfeitamente cimentadas, para passear o tédio da família aos domingos, circulará repetidamente em metropolitanos convencido de que cada nova paragem é diferente da anterior.
E estou absolutamente crente que do naufrágio calamitoso apenas se hão-de salvar os que pela porta do cavalo fugirem ao triturar das grandes colectividades humanas, ou os que por força invencível e instintiva se libertarem para uma nova categoria de homem, ou, melhor dizendo, para a sua verdadeira categoria de homem, de homem-pensamento, na linha directa de um Platão, de um Homero, de um Aristófanes,

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O Grau da Nossa Emancipação

A esfera da consciência reduz-se na acção; por isso ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo da realidade. O grau da nossa emancipação mede-se pela quantidade das iniciativas de que nos libertámos, bem como pela nossa capacidade de converter em não-objecto todo o objecto. Mas nada significa falar de emancipação a propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.
Respiramos demasiado depressa para sermos capazes de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade. O nosso ofegar postula-as e deforma-as, cria-as e desfigura-as, e amarra-nos a elas. Agito-me e portanto emito um mundo tão suspeito como a minha especulação, que o justifica, adopto o movimento que me transforma em gerador de ser, em artesão de ficções, ao mesmo tempo que a minha veia cosmogónica me faz esquecer que, arrastado pelo turbilhão dos actos, não passo de um acólito do tempo, de um agente de universos caducos.
Empanturrados de sensações e do seu corolário, o devir, somos seres não libertos, por inclinação e por princípio,

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O Conflito entre o Conhecimento e a Fé

Durante o último século, e parte do século anterior, era largamente aceite a existência de um conflito irreconciliável entre o conhecimento e a fé. Entre as mentes mais avançadas prevaleceu a opinião de que estava na altura de a fé ser substituída gradualmente pelo conhecimento; a fé que não assentasse no conhecimento era superstição e como tal deveria ser reprimida (…)
O ponto fraco desta concepção é, contudo, o de que aquelas convicções que são necessárias e determinantes para a nossa conduta e julgamentos não se encontram unicamente ao longo deste sólido percurso científico. Porque o método científico apenas pode ensinar-nos como os factos se relacionam, e são condicionados, uns com os outros. A aspiração a semelhante conhecimento objectivo pertence ao que de mais elevado o homem é capaz, e ninguém suspeitará certamente de que desejo minimizar os resultados e os esforços heróicos do homem nesta esfera. Porém, é igualmente claro que o conhecimento do que é não abre directamente a porta para o que deveria ser. Podemos ter o mais claro e mais completo conhecimento do que é e, contudo, não ser capazes de deduzir daí qual deveria ser o objectivo das nossas aspirações humanas. O conhecimento objectivo fornece-nos instrumentos poderosos para a realização de determinados fins,

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A Lei do Mais Forte

Durante muito tempo dissemos que a competição e a eliminação dos mais fracos eram o motor da evolução natural. Sem querer, demos crédito à chamada lei do mais forte. Sancionamos o pecado da ira dos poderosos no extermínio dos chamados fracos. Sabemos hoje que a simbiose é um dos mecanismos mais poderosos de evolução. Mas deixámos que isso ficasse no esquecimento. E continuamos ainda hoje vasculhando exemplos isolados de simbiose quando a Vida é toda ela um processo de simbiose global. Sabemos hoje que a capacidade de criar diversidade foi o mais importante segredo da nossa época como espécie que se adaptou e sobreviveu. No entanto, vamo-nos contentando com o estatuto que a nós mesmos conferimos: o sermos a espécie «sabedora».

Alimentámo-nos de receios e essa será mais uma manifestação da gula. Temos medo de errar. Esse medo leva à proibição de experimentar outros caminhos, sufocados pelo cientificamente correcto, pelo estatisticamente provado, pelo laboratorialmente certificado. Deveríamos ser nós, biólogos, a mostrar que o erro é um dos principais motores da evolução. A mutação é um erro criativo que funciona, um erro que fabrica a diversidade.
Os avanços no domínio do conhecimento fazem-se através de caminhos paradoxais. A nossa ciência,

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A Violência Oculta

A primeira razão por que a violência maior actua de modo silencioso, e das poucas vezes que falamos dela falamos apenas da ponta do icebergue. Nós acreditamos que estamos perante fenómenos de violência apenas quando essa tensão assume proporções visíveis, quando ela surge como espectáculo mediático. Mas esquecemos que existem formas de violência oculta que são gravíssimas. Esquecemos, por exemplo, que todos os dias, no nosso país, são sexualmente violentadas crianças. E que, na maior parte das vezes, os agressores não são estranhos. Quem viola essas crianças são principalmente parentes. Quem pratica esse crime é gente da própria casa.

Nós temos níveis altíssimos de violência doméstica, em particular, de violência contra a mulher. Mas esse assunto parece ser preocupação de poucos. Fala-se disso em algumas ONGs, em alguns seminários. A Lei contra a violência doméstica ainda não foi aprovada na Assembleia da República.

Existem várias outras formas invisíveis de violência. Existe violência quando os camponeses são expulsos sumariamente das suas terras por gente poderosa e não possuem meios para defender os seus direitos. Existe uma violência contida quando, perante o agente corrupto da autoridade, não nos surge outra saída senão o suborno. Existe, enfim, a violência terrível que é o vivermos com medo.

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Reflexões sobre a Guerra

As vantagens do aumento da amplitude das unidades sociais são principalmente evidentes em caso de guerra. De resto, a guerra foi em todos os tempos a causa principal desse crescimento, da transformação das famílias em tribos, das tribos em nações e das nações em coligações. Nas muito embora seja grande o interesse das nações poderosas em triunfar, algumas começam a compreender que há qualquer coisa preferível à própria vitória, que é evitar a guerra. No passado, a guerra era às vezes uma empresa proveitosa. A Guerra dos Sete Anos, por exemplo, proporcionou aos ingleses excelente rendimento em relação ao capital nela empregado, e os lucros conseguidos pelos vencedores nas guerras primitivas foram ainda mais evidentes. Mas o mesmo não sucede nos conflitos modernos, por duas razões principais: primeiro, porque os armamentos se tornaram extremamente caros; segundo, porque os grupos sociais envolvidos numa guerra moderna são muito importantes.
É um erro pensar que a guerra moderna é mais destruidora de vidas do que o foram os conflitos menos importantes de outrora. Antigamente, a percentagem das perdas em relação aos efectivos envolvidos na luta era por vezes tão elevada como hoje; e além das perdas em combate, as mortes causadas pelas epidemias eram em geral numerosas.

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O Poder da Caricatura

A caricatura é o meio mais poderoso de desacreditar, no espírito do povo, os maus governos. É o mais rude castigo que se pode inflingir à sua injustiça e à sua baixeza. A caricatura faz mais que torná-los odiosos, torna-os desprezíveis: assim veja-se como a temem e como a vigiam. Nada que os comediantes da cena política tanto temam como o lápis da caricatura…

A Realidade é Mais Poderosa que Qualquer Literatura

Eu costumava pensar que podia compreender tudo e exprimir tudo. Ou quase tudo. Eu lembro-me que quando estava a escrever o meu livro sobre a guerra no Afeganistão, Zinky Boys, que fui ao Afeganistão e eles mostraram-me algumas das armas estrangeiras que tinham sido capturadas aos combatentes afegãos. Fiquei espantada com a perfeição das suas formas, e quanto perfeitamente um pensamento humano poderia ser expresso. Havia um oficial ao meu lado que disse: “Se alguém pisar esta mina italiana que você diz que é tão bonita que parece uma decoração de Natal, não restaria mais nada deles além de um balde de carne. Você teria que raspá-los do chão com uma colher. ” Quando me sentei para escrever isto, foi a primeira vez que eu pensei, “Isto é algo que devo dizer?” Eu tinha sido educada na grande literatura russa, pensei que poderia ir muito muito longe, e então escrevi sobre aquela carne. Mas a Zona – é um mundo à parte, um mundo dentro do resto do mundo – e é mais poderoso do que qualquer coisa que a literatura tenha a dizer.

O Mal das Doutrinas Religiosas

– Bem, o que até agora me pareceu mais interessante foi verificar que a grande maioria de todas essas crenças parte de um facto ou de uma personagem de relativa probabilidade histórica, mas todas evoluem rapidamente para movimentos sociais subordinados e enformados pelas circunstâncias políticas, económicas e sociais do grupo que as aceita. Ainda está acordada?
Eulalia assentiu.
– Uma boa parte da mitologia que se desenvolve à volta de cada uma destas doutrinas, desde a liturgia até às normas e tabus, provém da burocracia que é gerada à medida que evoluem e não do suposto facto sobrenatural que lhes deu origem. A maior parte das anedotas simples e bonançosas, um misto de senso comum e folclore, e toda a carga beligerante que conseguem desenvolver provém da interpretação posterior daqueles princípios, quando não tendem a desvirtuar-se, nas mãos dos seus administradores. A questão administrativa e hierárquica parece ser a chave da sua evolução. A verdade é revelada em princípio a todos os homens, mas depressa aparecem indivíduos que se atribuem o poder e o dever de interpretar, administrar e, nalguns casos, alterar essa verdade em nome do bem comum, estabelecendo para isso uma organização poderosa e potencialmente repressiva.

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O Subjectivo é Objectivo, e o Objectivo é Subjectivo

Assaz difícil é decidir o que seja objectivamente a verdade, mas, no trato com os homens, não há que se deixar aterrorizar por isso. Existem critérios que para o primeiro são suficientes. Um dos mais seguros consiste em objectar a alguém que uma asserção sua é “demasiado subjectiva”. Se se utilizar, e com aquela indignação em que ressoa a furiosa harmonia de todas as pessoas sensatas, então há motivo para se ficar alguns instantes em paz consigo. Os conceitos do subjectivo e objectivo inverteram-se por completo. Diz-se objectiva a parte incontroversa do fenómeno a sua efígie inquestionavelmente aceite, a fachada composta de dados classificados, portanto, o subjectivo; e denomina-se subjectivo o que tal desmorona, acede à experiência específica da coisa, se livra das opiniões convencionais a seu respeito e instaura a relação com o objecto em substituição da decisão maioritária daqueles que nem sequer chegam a intuí-lo, e menos ainda a pensá-lo – logo, o objectivo.
A futilidade da objecção formal da relatividade subjectiva patenteia-se no seu próprio terreno, o dos juízos estéticos. Quem alguma vez, pela força da sua precisa reacção em face da seriedade da disciplina de uma obra artística, se submete à sua lei formal imanente,

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