Ă o Que a Gente Leva Desta Vida…
A persistĂȘncia instintiva da vida atravĂ©s da aparĂȘncia da inteligĂȘncia Ă© para mim uma das contemplaçÔes mais Ăntimas e mais constantes. O disfarce irreal da consciĂȘncia serve somente para me destacar aquela inconsciĂȘncia que nĂŁo disfarça.
Da nascença Ă morte, o homem vive servo da mesma exterioridade de si mesmo que tĂȘm os animais. Toda a vida nĂŁo vive, mas vegeta em maior grau e com mais complexidade. Guia-se por normas que nĂŁo sabe que existem, nem que por elas se guia, e as suas ideias, os seus sentimentos, os seus actos, sĂŁo todos inconscientes – nĂŁo porque neles falte a consciĂȘncia, mas porque neles nĂŁo hĂĄ duas consciĂȘncias.
Vislumbres de ter a ilusĂŁo – tanto, e nĂŁo mais, tem o maior dos homens.
Sigo, num pensamento de divagação, a histĂłria vulgar das vidas vulgares. Vejo como em tudo sĂŁo servos do temperamento subconsciente, das circunstĂąncias externas alheias, dos impulsos de convĂvio e desconvĂvio que nele, por ele e com ele se chocam como pouca coisa.
Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciĂȘncia falada das suas vidas. Ă aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»…
Textos sobre Vinho de Fernando Pessoa
3 resultadosMeu Bebé para Dar Dentadas
Meu Bebé pequeno e rabino:
CĂĄ estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que estĂĄ pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chĂŁo!); e esse nĂŁo conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela Ă© muito mĂĄ, excepto numa cousa, que Ă© na arte de fingir, em que vejo que Ă© mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas «nĂŁo estou pensando em ti». Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da «caça aos pombos»; e isto Ă© uma cousa, como tu sabes, com que tu nĂŁo tens nada…
Foi agradĂĄvel hoje o nosso passeio â nĂŁo foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem-disposto tambĂ©m. (O meu amigo, Sr. A.A. Crosse estĂĄ de saĂșde â uma libra de saĂșde por enquanto, o bastante para nĂŁo estar constipado.)
NĂŁo te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. HĂĄ para isso duas razĂ”es. A primeira Ă© a de este papel (o Ășnico acessĂvel agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda Ă© a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplĂȘndido,
Génio, Talento e Celebridade
Pode-se supor que a presença no mesmo homem de mais de um elemento intelectual facilitaria a sua imediata celebridade. AtĂ© certo limite Ă© assim, mas o Ă© atĂ© um limite menor do que se poderia conjecturar na ociosidade da hipĂłtese. Um homem dotado ao mesmo tempo de grande gĂ©nio e de grande inteligĂȘncia (como Shakespeare), ou de grande gĂ©nio e grande talento (como Milton), nĂŁo acumula na sua Ă©poca ou na seguinte os resultados do gĂ©nio e os resultados de outra qualidade. Ă que estes diferentes elementos intelectuais estĂŁo misturados por coexistirem no homem, e derrama-se na substĂąncia da inteligĂȘncia ou do talento o sagrado veneno do gĂ©nio; a bebida Ă© amarga, embora retenha algo do seu gosto comum. Os antigos misturavam mel com vinho e achavam isso gostoso; mas o nĂ©ctar nĂŁo pode fazer qualquer vinho gostoso ao paladar da gente comum.
Um homem que pudesse ter em si prĂłprio, em certo grau, gĂ©nio, talento e inteligĂȘncia, estaria preparado para produzir impacto no seu tempo pela sua inteligĂȘncia, na sua Ă©poca pelo seu talento e na generalidade dos futuros tempos e Ă©pocas pelo seu gĂ©nio. Mas como o seu gĂ©nio afectaria o seu talento e o seu talento e o seu gĂ©nio a sua inteligĂȘncia –