Vendo A Anarda Depõe O Sentimento
A serpe, que adornando várias cores,
com passos mais oblíquos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
é maio errante de torcidas flores;se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe com a peçonha menos,
por que não morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe cos olhos teu cristal formoso;Pois para não morrer no gosto amado,
depõe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.
Passagens sobre Tormento
155 resultadosAfasta esse medo pueril da morte. Sou eterna e invariável, como tu és mortal e te transformas. Sou a vida, e os teus tormentos e a tua existência não me dizem respeito.
Males, que Contra Mim vos Conjurastes
Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto há-de durar tão duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto já me atormentastes.Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.Assim de ambos contente será a sorte:
Em vós por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vós vencido.
Soneto de Carnaval
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado é uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fimDe toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.
A esperança é o derradeiro mal; é o pior dos males, porquanto prolonga o tormento.
À Sua Esperança
Esta esperança vã, doce tormento,
Com que amor lisonjeiro determina
Acumular estragos à ruína
Por levantar padrões ao escarmento,Foi crepúsculo breve de um momento,
Delicado jasmim, frágil bonina,
Rosa, que se murchou duma aura fina,
Vidro, que se quebrou de um leve vento.Morreu minha esperança às mãos de um rogo
E nas cinzas se alenta o meu cuidado,
Que amor nos impossíveis mais se inflama:Mas se a esperança é ar, e amor é fogo,
Justo é que nela cresça o meu agrado,
Pois ao sopro do vento cresce a chama.
Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura
Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.Pintada em mim se vê vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.De mim não quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e só de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.!Tão me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e não erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vós, cumpro com ele.
O que torna os tormentos da vergonha e da inveja tão agudos, é que a vaidade não serve para os suportar.
Se Tomar Minha Pena Em Penitência
Se tomar minha pena em penitência
do erro em que caiu o pensamento,
não abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciência.E se üa cor de morto na aparência,
um espalhar suspiros vãos ao vento,
em vós não faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciência.E se de qualquer áspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);e se em vós não s’entende haver vingança,
será forçado (pois Amor me obriga)
que eu só de vossa culpa pague a pena.
Marília De Dirceu
Soneto 9
Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda não deixais tão vil traidora?Não haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim não sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.Vingai, ó justos céus…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.Não, não vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixão do seu castigo
Há de aumentar depois o meu tormento.
Vos Foi Beijar na Parte Onde se Via
O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.Ditosa aquela flama que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela neve
Que queima corações e pensamentos.
V
Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.
Se Algü’hora Em Vós A Piedade
Se algü’hora em vós a piedade
de tão longo tormento se sentira,
não consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saüdade.Apartei me de vós, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausência é de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lágrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cá me achará minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.
Nocturno
Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento…Como um canto longínquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
LVII
Bela imagem, emprego idolatrado,
Que sempre na memória repetido,
Estás, doce ocasião de meu gemido,
Assegurando a fé de meu cuidado.Tem-te a minha saudade retratado;
Não para dar alívio a meu sentido;
Antes cuido; que a mágoa do perdido
Quer aumentar coa pena de lembrado.Não julgues, que me alento com trazer-te
Sempre viva na idéia; que a vingança
De minha sorte todo o bem perverte.Que alívio em te lembrar minha alma alcança,
Se do mesmo tormento de não ver-te,
Se forma o desafogo da lembrança ?
A umas Saudades
Saudades de meu bem, que noite e dia
A alma atormentais, se é vosso intento
Acabardes-me a vida com tormento,
Mais lisonja será que tirania.Mas, quando me matar vossa porfia,
De morrer tenho tal contentamento,
Que em me matando vosso sentimento,
Me há-de ressuscitar minha alegria.Porém matai-me embora, que pretendo
Satisfazer com mortes repetidas
O que à beleza sua estou devendo.Vidas me dai para tirar-me vidas,
Que ao grande gosto com que as for perdendo
Serão todas as mortes bem devidas.
Saudade
Tu és o cálix;
Eu, o orvalho!
Se me não vales,
Eu o que valho?Eu se em ti caio
E me acolheste
Torno-me um raio
De luz celeste!Tu és o collo
Onde me embalo,
E acho consolo,
Mimo e regalo:A folha curva
Que se aljofara,
Não d’agoa turva,
Mas d’agoa clara!Quando me passa
Essa existencia,
Que é toda graça,
Toda innocencia,Além da raia
D’este horizonte—
Sem uma faia,
Sem uma fonte;O passarinho
Não se consome
Mais no seu ninho
De frio e fome,Se ella se ausenta,
A boa amiga,
Ah! que o sustenta
E que o abriga!Sinto umas magoas
Que se confundem
Com as que as agoas
Do mar infundem!E quem um dia
Passou os mares
É que avalia
Esses pezares!Só quem lá anda
Sem achar onde
Sequer expanda
A dôr que esconde;Longe do berço,
Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse
Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos não dissesse.Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tão diversos,verdades puras são, e não defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!
XLVIII
Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuía,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:Então é, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruína, o bem fingido.
Vencido
Bem que te quis dizer as palavras mais duras,
gritar que te desprezo… que te odeio enfim…
fingir que já não tenho um mundo de tortura
no mundo de aflições que sinto dentro de mim…Bem que quis te ocultar as minhas desventuras,
escarnecer da dor que ao meu viver deu fim,
relembrar a sorrir as tuas falsas juras
e ofender-te, e magoar-te, e me vingar assim…Bem que tudo tentei. Mas nada consegui.
E maldigo-me agora, e sofro, e desespero,
porque não soube odiar. . . porque não te ofendi…Foste cruel… Entretanto, em meu tormento atroz,
– foge-me a própria vida se esquecer te quero…
– se te quero ofender, falta-me a própria voz!