Oh, Vida! Fugitiva Companheira
Oh, Vida!
Fugitiva companheira,
Eu sinto que não posso acompanhar-te.
Por isso, nesta hora feiticeira,
Quisera erguer-te uma barreira
E fazer-te parar
E abraçar-te;
E abraçar-te tão íntimo e tão fundo
Que toda a vida apenas de um segundo
Em mim entrasse, em mim vivesse,
E que depois viesse o fim do Mundo
Ou que eu morresse!…
Passagens sobre Barreiras
50 resultadosConselho aos Pais
A pior traição que podemos cometer perante o moço que se aproxima para que lhe digamos a Verdade é ocultar-lhe que para nós essa verdade se encontra tão longínqua e velada como a ele se apresenta. Se lhe damos por certeza o que se mostra duvidoso enganamos a confiança que o levou a dirigir-se-nos; se lhe não fizermos ver todas as fendas dos paços reais arriscamos a sua e a nossa alma a um desastre que nenhum tempo futuro poderá reparar. Os que julgou mais nobres enganaram-no; era cego, pediu guia, e levaram-no a abismos; nunca mais a sua mão se estenderá aberta e franca a mãos humanas. Quanto a nós mesmos, que valor tem a causa se para lhe darmos dinamismo a deformamos, a mergulhamos em parte na sombra da mentira?
Não é nosso ideal, e por isso lutamos, formar os bandos inconscientes e os prontos cadáveres que às nossas ordens obedeçam; salvar-se-á o mundo pelos espíritos claros, tenazes ante o certo, ante o incerto corajosos; só eles sabem medir no seu justo valor e vencer galhardamente toda a barreira levantada; só eles encontram, como base do ser, a marcha calma e a energia inesgotável. É ilusória toda a reforma do colectivo que se não apoie numa renovação individual;
Não há barreira, fechadura ou ferrolho que possas impor à liberdade da minha mente.
A literatura é a minha utopia. Aqui não sou desprivilegiada. Não existe nenhuma barreira aos sentidos que me coloque fora dos doces e graciosos discursos dos meus amigos livros. Eles falam-me sem embaraços nem constrangimentos.
Noite Fechada
L.
Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
Às janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado tempo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.A Lua dava trêmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,
Inteligência e Intuição
O instinto é simpatia. Se esta simpatia pudesse alargar o seu objecto e também reflectir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das operações vitais – do mesmo modo que a inteligência, desenvolvida e reeducada, nos introduz na matéria. Porque, não é de mais repeti-lo, a inteligência e o instinto estão orientados em dois sentidos opostos: aquela para a matéria inerte, este para a vida. A inteligência, por meio da ciência, que é obra sua, desvendar-nos-á cada vez mais completamente o segredo das operações físicas; da vida apenas nos dá, e não pretende aliás dar-nos outra coisa, uma tradução em termos de inércia. Gira em derredor, obtendo de fora o maior número de visões do objecto que chama até si, em vez de entrar nele. Mas é ao interior mesmo da vida que nos conduzirá a intuição, quero dizer o instinto tornado desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de reflectir sobre o seu objecto e de o alargar indefinidamente.
Que um esforço deste género não é impossível, é o que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos uns aos outros, e não organizados entre si.
A Mudança de Lugar não Muda a Dor do Sentimento
Quão mal está no caso quem cuida que a mudança de lugar muda a dor do sentimento! E, se não, diga-o quien dijo que la ausencia causa olvido. Porque, enfim, la tierra queda, e, o mais, a alma acompanha. Ao alvo destes cuidados jogam meus pensamentos à barreira, tendo-me já, pelo costume, tão contente, de triste, que triste me faria ser contente; porque o longo uso dos anos se converte em natureza. Pois o que é para maior mal, tenho eu para maior bem. Ainda que, para viver no mundo, uso um outro pano, para não parecer coruja entre pardais, fazendo-me um para ser outro, sendo outro para ser um; mas a dor dissimulada dará seu fruto, que a tristeza no coração é como a traça no pano.
E por tão triste me tenho
que, se sentisse alegria,
de triste, não viveria.
Porque a tal sorte vim
que não vejo bem algum
em quanto vejo,
que não nasceu para mim;
e por não sentir nenhum,
nenhum desejo.Porque, coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las. E, por isso
Só tristeza ver queria,
pois minha ventura quer
que só ela conheça por alegria,
Porque é que os Homens não Compreendem as Mulheres
Tu estás convencida há vários anos de que eu não te compreendo. Esta é sempre a teoria das mulheres, que não são compreendidas, que não são queridas, que não são adoradas, as queixas montanhas grandes, queixas enormes, sempre a justificar uma infelicidade que lhes vem lá do fundo da criação do mundo, do útero, da terra, as mulheres reflectem o útero feminino da terra, um útero cheio de aflições, em conclusão, queixam-se de tudo então entre os quarenta e os cinquenta, esse útero funciona nas alturas, é um útero cósmico que já não é parte de uma mulher, pertence à mulher do mundo. Há muita verdade no que dizes, o homem desinteressa-se facilmente, depois do acto do amor, depois logo sacode as penas, arrebita, passa à frente, domina outro mundo, a mulher fica fechada, acanhada nesse encontro muito íntimo, nesse seu mais fundo dos fundos, na identidade uterina com a ideia da criação, da reprodução da génese, salta, salta, forma-se na mulher a visão do caos a que só ela pelo amor pode dar uma nova regra, pelo domínio da paixão, pela companhia, para isso tem de ser compreendida, ela julga que é compreendida, tem de justificar a sua infelicidade pela compreensão do amor,
Quando nos aproximamos de uma pessoa de coração fechado, nosso coração também tende a se fechar, mesmo que tenhamos a intenção de oferecer-lhe amor ou de pedir-lhe perdão. Precisamos de coragem para vencer essa barreira e pedir-lhe perdão ou oferecer-lhe nosso amor. Se conseguirmos vencer essa resistência e, com o coração aberto, nos aproximarmos da pessoa, finalmente conseguiremos fazer com que ela também abra seu coração.
Ser significa apenas abandonar o ego que fazia parte da sua mente, eliminar a separação, muito subtil e delicada, que existia na sua mente e derrubar todas as barreiras que se interpunham entre si e o todo.