Como, pois, inaugura agora em mim o pensamento? E talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão.
Passagens de Clarice Lispector
1250 resultadosFui até onde pude, mas como é que não compreendi que aquilo que não alcanço em mim já são os outros?
Eu sou uma pergunta… Sou tudo o que não explicação. Sou alguém em constante construção.
Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.
Era uma falsa revolta, uma tentativa de libertação que vinha sobretudo com muito medo de vitória.
Eu não sabia que o perigo é o que torna preciosa a vida. A morte é o perigo constante da vida.
Uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar…
Posso de repente entender e não sentir.
Ser real é assumir a própria promessa: assumir a própria inocência e retomar o gosto do qual nunca se teve consciência: o gosto do vivo.
Te vi amanhã e já estou com saudades..
Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.
A Conivência com o Mundo
Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiúra é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu – eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
Possuir cada momento, ligar a consciência a eles, como pequenos filamentos quase imperceptíveis mas fortes. É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais complexo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?
A palavra é o meu domínio sobre o mundo.
Eu não sou uma sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade.
Qual é o elemento primeiro? Logo teve que ser dois para haver o secreto movimento íntimo do qual jorra leite.
Como Escrever
Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras. É neste sentido, pois, que escrever me é uma necessidade. De um lado, porque escrever é um modo de não mentir o sentimento (a transfiguração involuntária da imaginação é apenas um modo de chegar); de outro lado, escrevo pela incapacidade de entender, sem ser através do processo de escrever. Se tomo um ar hermético, é que não só o principal é não mentir o sentimento como porque tenho incapacidade de transpô-lo de um modo claro sem que o minta — mentir o pensamento seria tirar a única alegria de escrever. Assim, tantas vezes tomo um ar involuntariamente hermético, o que acho bem chato nos outros. Depois da coisa escrita, eu poderia friamente torná-la mais clara? Mas é que sou obstinada. E por outro lado, respeito uma certa clareza peculiar ao mistério natural, não substituível por clareza outra nenhuma. E também porque acredito que a coisa se esclarece sozinha com o tempo: assim como num copo de água, uma vez depositado no fundo o que quer que seja, a água fica clara. Se jamais a água ficar limpa, pior para mim. Aceito o risco. Aceitei risco bem maior, como todo o mundo que vive.
E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa que eles precisam.
Já que ela não era uma pessoa triste, procurou continuar como se nada tivesse perdido. Ela não sentiu desespero. Também o que é que ela podia fazer? Pois ela era crônica. Tristeza era luxo.
Tudo me atinge – vejo demais, ouço demais, tudo exige demais de mim.