Esquenta-me com a tua adivinhação de mim, compreende-me porque eu não estou me compreendendo. Estou somente amando a barata. E é um amor infernal. GH. 115
Passagens de Clarice Lispector
1250 resultadosEu sou sim. Eu sou não. Aguardo com paciência a harmonia dos contrários. Serei um eu, o que significa também vós.
Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade.
O que é a vida real? Os factos? Não, a vida real só é atingida pelo que há de sonho na vida real.
Saber que se Vive é Coragem
Às vezes, olhando um instantâneo tirado numa praia ou numa festa, percebia com leve apreensão irónica o que aquele rosto sorridente e escurecido me revelava: um silêncio. Um silêncio e um destinho que me escapavam, eu, fragmento hieroglífico de um império morto ou vivo. Ao olhar o retrato eu via o mistério. Não. Não vou perder o resto do medo do mau gosto, vou começar meu exercício de coragem, viver não é coragem, saber que se vive é coragem – e vou dizer que na minha fotografia eu via O Mistério.
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Em cada palavra pulsa um coração. Escrever é a tal procura de íntima veracidade de vida. Vida que me perturba e deixa o meu próprio coração trémulo sofrendo a incalculável dor que parece ser necessária ao meu amadurecimento – amadurecimento? Até agora vivi sem ele!
Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros.
Hoje compreendo-o. Tudo lhe perdoo, tudo perdoo aos que não sabem se prender, aos que se fazem perguntas. Aos que procuram motivos para viver, como se a vida por si mesma não se justificasse.
Se o sol e a lua sabem a hora de sair de nossas vistas, porque algumas pessoas ?agradáveis? não seguem a ciclo da natureza?
Algumas oportunidades não voltam só porque você se arrependeu.
O tempo corre, o tempo é curto: preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna.
Aprendendo a Viver
Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.
Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas «melhore o momento presente», exclamava. E acrescentava: «Estamos vivos agora.» E comentava com desgosto: «Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar.»
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer.
Eu me dou melhor comigo mesma quando estou infeliz: há um encontro. Quando me sinto feliz, parece-me que sou outra. Embora outra da mesma. Outra estranhamente alegre, esfuziante, levemente infeliz é mais tranquilo.
E receber o telefonema de um amigo, e a comunicação de vozes e alma ser perfeita? Quando se desliga: que prazer de os outros existirem e de a gente se encontrar nos outros. Eu me encontro nos outros.
E tenho, vos asseguro, tudo o mais que faz de mim uma mulher às vezes viva, às vezes objeto.
Tem sentido correr tanto atrás da felicidade, será que basta ser feliz? Será que ser feliz é um estado de tolerância?
Estou precisando de olhar sem que a cor de meus olhos importe, preciso ficar isenta de mim para ver.
A vida mal e mal me escapa embora me venha a certeza de que a vida é outra e tem um estilo oculto.
A liberdade que às vezes sentia não vinha de reflexões nítidas, mas de um estado como feito de percepções por demais orgânicas para serem formuladas em pensamentos.
Então não apanhei no chão o que reluzia. Era ouro, meu Deus. Era ouro, talvez.