Tenho Medo de Escrever
Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto — e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras — quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.
Passagens de Clarice Lispector
1250 resultadosEu não: quero é uma realidade inventada.
O bonito me encanta. Mas o sincero, ah! Esse me fascina.
Ê egoísta e cobiçosa. Não larga as pessoas em parte por amor, em parte por não saber romper.
É determinismo, sim. Mas seguindo o próprio determinismo é que se é livre. Prisão seria seguir um destino que não fosse o próprio. Há uma grande liberdade em se ter um destino. Este é o nosso livre-arbítrio.
Decifra-me, mas não me conclua, eu posso te surpreender.
Amor com Incompreensão
Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.
Somos livres, e este é o inferno.
O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.
Quanto a mim também me distancio de mim.
Eu sou mansa mas minha função de viver é feroz.
Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente.
O que o ser humano mais aspira é tornar-se um ser humano.
Julgar de acordo com o bem e o mal é o único método de viver. Mas não esquecer que se trata apenas de uma receita e de um processo. De um modo de não se perder na verdade, que esta não tem bem nem mal.
Parece que às vezes sou espontânea demais e isso me torna engraçada.
Eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor.
Ela era muito satisfatona: tinha tudo o que seu pouco anseio lhe dava. E havia nela um desafio que se resumia em: ”ninguém manda em mim.’
Eu disse a uma amiga: “A vida sempre superexigiu de mim”. Ela disse: “Mas lembre-se de que você também superexige da vida.” Sim.
Melhor assim. Não quero mais depender de ninguém. Quero é o Danúbio Azul. E não Valsa Triste de Sibellius, se é que é assim que se escreve o seu nome.
Liberdade é pouco. O que eu quero ainda não tem nome