Toda a virtude que entre os homens se manifesta, logo que lhes arranca uma admiração, Ă© mais cheia de perigos que um aroma muito sensual, ou um canto muito amoroso. A mais humilde esmola, a chaga de um mendigo que se lava, uma simples consolação, desde que se mencionem, sĂŁo perigos terrĂveis para a alma, porque a persuadem da sua caridade e excelĂŞncia. Pelo bem que semeamos nos outros, sĂł colhemos dentro em nĂłs orgulho – e cada obra da nossa caridade desmancha a obra da nossa humildade.
Passagens sobre Esmola
66 resultadosObrigada!
A Nininha Andrade
… E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho…
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tĂŁo pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as nĂveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo vĂ©u…Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!
ReminiscĂŞncia
Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pântanos um branco lĂrio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio vĂ©u das noivas do martĂrio!Pedia esmola — pequena e sĂ©ria —
Os seios, pastos de eternal delĂrio,
Cobertos eram de uma cor cinérea —
Seus olhos tinham o brilhar do cĂrio.Tempos depois n’um carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…Ria-se — cĂnica, servil… faceira?
O carro n’uma nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!
Por dar uma esmola nĂŁo mingua a bolsa.
Quando a esmola Ă© grande, o pobre desconfia.
A esmola Ă© a prece por excelĂŞncia.
Em matéria de esmola, é preciso fechar a boca e abrir o coração.
Caminho Recompensador
Aquele que se tenha erguido acima do cesto das esmolas e não se tenha contentado em viver ociosamente das sobras de opiniões suplicadas, que pôs a funcionar os seus próprios pensamentos para encontrar e seguir a verdade, não deixará de sentir a satisfação do caçador; cada momento da sua busca recompensará os seus dissabores com algum prazer; e terá razões para pensar que o seu tempo não foi mal gasto, mesmo quando não se puder gabar de nenhuma aquisição especial.
O mendigo consciente da sua dignidade despreza o esmoler, apreciando a esmola.
Quem dá esmola silencioso, cumpre melhor o seu dever.
Por dar esmola nunca falta Ă bolsa.
Quem me dera um coração
Que por mim bata somente.
Dai-me essa esmola, Senhor,
Para que eu morra contente!
O Sentimento dum Ocidental
I
Avé-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulĂcio, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifĂcios, com as chaminĂ©s, e a turba
Toldam-se duma cor monĂłtona e londrina.Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, paĂses:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetĂŁo ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.E evoco, entĂŁo, as crĂłnicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu nĂŁo verei jamais!E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
Se a mendicidade é desgraça, a esmola é dever. É a oração por excelência. Acerta sempre no alvo.
Quando a esmola vem, já o padre está cansado.
Essa fora a conclusão máxima que já pude obter duma análise simples do mendigo pedindo esmola.
O meu talento!… De que me tem servido? NĂŁo trouxe nunca Ă s minhas mĂŁos vazias a mais pequenina esmola do destino.
Os putos
Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
SĂŁo como Ăndios, capitĂŁes da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
SĂŁo os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.As caricas brilhando na mĂŁo
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que nĂŁo
Se a porrada vier nĂŁo deixoUm berlinde abafado na escola
Um piĂŁo na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.
A mão bem despegada dos bens terrenos não é a que dá esmolas do supérfluo, senão a que desvia faltas do necessário.
Quando a esmola Ă© muita, o pobre desconfia.