Saber Lidar com a Injúria
De nada serve tudo ver e tudo ouvir. Não prestemos atenção às injúrias: a maior parte delas não nos atinge porque as ignoramos. Não queres estar irado? Não sejas curioso. Aquele que procura saber o que foi dito sobre si, que desenterra as palavras maldosas, mesmo quando foram ditas em segredo, atormenta-se a si mesmo. É uma determinada interpretação dessas palavras que faz com que ela nos pareçam injúrias: assim, devemos aceitá-las, rirmo-nos delas ou perdoá-las. Devemos circunscrever a ira de diversas maneiras; tomemos a maior parte delas como um jogo ou uma brincadeira. Conta-se que, tendo sido agredido com uma bofetada, Sócrates disse ser aborrecido que os homens não soubessem quando deveriam sair de casa com um elmo. O que importa não é a maneira como a injúria é feita, mas sim a maneira como é tomada; nem vejo por que motivo a moderação há-de ser difícil, pois sei de tiranos, cheios de orgulho, de fortuna e de autoritarismo, que reprimiram a crueldade a que estavam habituados. Um tirano ateniense, Pisístrato, se a memória não me falha, tendo ouvido, de um conviva ébrio, palavras ofensivas sobre a sua crueldade, não faltando sequer quem o apoiasse e o incitasse aqui e ali,
Passagens sobre Fortuna
329 resultadosA Inveja Passeia pelas Ruas
O homem que não tiver virtude própria sempre invejará a virtude dos outros. A razão disso é que a alma humana nutre-se do bem próprio ou do mal alheio, e aquela que carece de um, aspira a obter o outro, e aquele que está longe de esperar obter méritos de outrem, procurará nivelar-se com ele, destruindo-lhe a fortuna.
As pessoas que são curiosas e indiscretas são geralmente invejosas; porque conhecer muito a respeito da vida alheia não pode resultar do que concerne os próprios negócios. Isso deve provir, portanto, de tomar uma espécie de prazer teatral a admirar a fortuna dos outros. Aliás, quem não se ocupa senão dos próprios negócios não encontra matéria para invejas. Porque a inveja é uma paixão calaceira, isto é, passeia pelas ruas e não fica em casa.
A Cautela dos Espíritos Livres
Os homens de espírito livre, que vivem só para o conhecimento, em breve acharão ter alcançado a sua definitiva posição relativamente à sociedade e ao Estado e, por exemplo, dar-se-ão de bom grado por satisfeitos com um pequeno emprego ou com uma fortuna que chega à justa para viver; pois arranjar-se-ão para viver de maneira que uma grande transformação dos bens materiais, até mesmo um derrube da ordem política, não deite também abaixo a sua vida. Em todas essas coisas eles gastam a menor energia possível, de modo a poderem imergir, com todas as forças reunidas e, por assim dizer, com um grande fôlego, no elemento do conhecimento. Podem, assim, ter esperança de mergulhar profundamente e também de, talvez, verem bem até ao fundo.
De um dado acontecimento, um tal espírito pegará de bom grado só numa ponta: ele não gosta das coisas em toda a sua amplitude e superabundância das suas pregas, pois não se quer emaranhar nelas. Também ele conhece os dias de semana da falta de liberdade, da dependência, da servidão. Mas, de tempos a tempos, tem de lhe aparecer um domingo de liberdade, senão ele não suportará a vida. É provável que mesmo o seu amor pelos seres humanos seja cauteloso e com pouco fôlego,
A azeitona e a fortuna: às vezes, muita; às vezes, nenhuma.
O Tempo Vale Muito Mais do que o Dinheiro
Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo.
Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.
O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar connosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objectos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele – a régua de arquitecto naval, os relógios – quando ele tinha tempo.
As pessoas dizem «time is money» para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente.
A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos.
Quem Quiser Ver D’amor Üa Excelência
Quem quiser ver d’Amor üa excelência
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciência.Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e próspera ventura;Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na língua o nome, n’alma a vista pura.
Contra a Ansiedade
Sempre que te aconteça alguma coisa contrária à tua expectativa diz a ti mesmo que os deuses tomaram uma decisão superior! Com semelhante disposição de espírito, nada terás a temer. Esta disposição de espírito consegue-se pensando na instabilidade da vida humana antes de a experimentarmos em nós, olhando para os filhos, a mulher, os bens como algo que não possuiremos para sempre, e evitando imaginarmo-nos mais infelizes um dia que deixemos de os possuir. Será a ruína do espírito andarmos ansiosos pelo futuro, desgraçados antes da desgraça, sempre na angústia de não saber se tudo o que nos dá satisfação nos acompanhará até ao último dia; assim, nunca conseguiremos repouso e, na expectativa do que há-de vir, deixaremos de aproveitar o presente. Situam-se, de facto, ao mesmo nível a dor por algo perdido e o receio de o perder. Isto não quer dizer que te esteja incitando à apatia! Pelo contrário, procura evitar as situações perigosas; procura prever tudo quanto seja previsível; procura conjecturar tudo o que pode ser-te nocivo muito antes de que te suceda, para assim o evitares. Para tanto, ser-te-á da maior utilidade a autoconfiança, a firmeza de ânimo apta a tudo enfrentar. Quem tem ânimo para suportar a fortuna é capaz de precaver-se contra ela;
Quantas vezes a fortuna que buscamos fica atrás.
Senhor Antão De Sousa De Menezes
Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima.
Todo o Esforço se Desvia
Todo esforço, qualquer que seja o fim para que tenda, sofre, ao manifestar-se, os desvios que a vida lhe impõe; torna-se outro esforço, serve outros fins, consuma por vezes o mesmo contrário do que pretendera realizar. Só um baixo fim vale a pena, porque só um baixo fim se pode inteiramente efectuar. Se quero empregar meus esforços para conseguir uma fortuna, poderei em certo modo consegui-la; o fim é baixo, como todos os fins quantitativos, pessoais ou não, e é atingível e verificável. Mas como hei-de efectuar o intento de servir minha pátria, ou alargar a cultura humana, ou melhorar a humanidade? Nem posso ter a certeza dos processos nem a verificação dos fins.
A homem de esforço, a fortuna lhe põe ombro.
A fortuna e o humor governam o mundo.
Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido
Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitória.Impressa tenho na alma larga história
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.
Prospecção
Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
A fortuna atira uns à lama, para elevar outros à glória.
A fortuna corrige vários defeitos que a razão não saberia corrigir.
A fortuna é madrasta da experiência.
O emigra verga a mola
Num país que não é seu
Produz fortunas alheias
Com as mãos que Deus lhe deu.
Um Silêncio Cauto e Prudente é o Cofre da Sensatez
– (…) Vós quereis tentar a sorte na grande cidade, e sabeis bem que é lá que deveis gastar essa aura de valentia que a longa inacção dentro destas muralhas vos houver concedido. Procurareis também a fortuna, e devereis ser hábil a obtê-la. Se aqui aprendeste a escapar à bala de um mosquete, lá deveis aprender a saber escapar à inveja, ao ciúme, à rapacidade, batendo-vos com armas iguais com os vossos adversários, ou seja, com todos. E portanto escutai-me. Há meia hora que me interrompeis dizendo o que pensais, e com o ar de interrogar quereis mostrar-me que me engano. Nunca mais o façais, especialmente com os poderosos. Às vezes a confiança na vossa argúcia e o sentimento de dever testemunhar a verdade poderiam impelir-vos a dar um bom conselho a quem é mais do que vós. Nunca o façais. Toda a vitória produz ódio no vencido, e se se obtiver sobre o nosso próprio senhor, ou é estúpida ou é prejudicial. Os príncipes desejam ser ajudados mas não superados.
Mas sede prudente também com os vossos iguais. Não humilheis com as vossas virtudes. Nunca falei de vós mesmos: ou vos gabaríeis, que é vaidade, ou vos vituperaríeis,
O tempo é o único capital das pessoas que têm como fortuna apenas a sua inteligência.