Estar bem disposto é uma mistura de sentido de proporção, sentido de humor, capacidade de disfarce, e vontade de agradar. É raro ver um português bem disposto. O melhorzinho que se arranja hoje em dia é a nossa versão anos 90 da sociabilidade, que não consiste em estar bem disposto mas em estar «disponível». Como quem diz: «Eu por mim não me vou dispor bem, mas se houver aí alguém que se queira aventurar, estou disposta a deixá-lo mexer na minhas peças a ver se acerta e me põe bem…».
Frases sobre Bem de Miguel Esteves Cardoso
25 resultadosO grande amor nunca pode acabar bem. Mesmo que ambos morram ao mesmo tempo, num desastre, será sempre uma tragédia. Assim é com todos os amores que temos: morremos enquanto os amamos. Morre quem amamos e, ao mesmo tempo, quem nos amava.
Bendito o dia. Bendita a hora. Bem digo eu, com o mais doce amor, que a hora em que a conheci e me apaixonei por ela foi a hora da minha glória, o momento mais sentido, aberto e despreocupado da minha vida. Ela não é como o calor. Ela é rara ser como ele, embora possa. Ela é como o clima; ela é como Portugal, de norte a sul e de litoral a interior. O meu amor nasceu ontem. Eu nasci um segundo depois.
Deve-se ter o mínimo de respeito pelo sofrimento e sofrer-se sozinho. Os portugueses não são capazes. Exibem as más-disposições de uma maneira assustadora. Se andam de trombas, andam trombudos pela rua. Não disfarçam. Deviam disfarçar. Usar capote como o «Elephant Man». Mesmo quando estão indispostos sem saber bem porquê, anunciam «Não sei o que tenho, mas não tenho andado nada bem…».
Querer estar bem com todos é, quanto a mim, mais odioso que ter ódio a toda a humanidade. O amigalhaço é aquele que acaba por ser inimigo de todos, na maneira como se comporta, para ser amigo só de si mesmo, no resultado desse comportamento. A amizade só faz sentido quando traduz claramente uma escolha.
Fazer por estar bem disposto é como fazer um ramo de flores com aquilo que se tem em casa. Usa-se o que se tem e faz-se o melhor que se pode.
Dado o pouco a que se presta a TV em matéria de discussão de ideias, é natural que a atenção, aflita à procura de um foco, se concentre no espectáculo nada elevado mas divertido dos mútuos assanhamentos da política. Fazem bem jornalistas e realizadores em deixar chover as chapadas ao gosto dos pugilistas.
O português tem uma tendência ridícula e cobarde para estar bem com todos. Em mais nenhuma parte do mundo existem tantos amigos de tanta gente. Por muito que se maldigam e traiam, seja em particular ou em público, dois portugueses, quando se encontram, desfazem-se em desculpas, «Aquilo foi um desentendimento… eu gosto muito de si, sabe?».
Se os portugueses dormissem bem, não andávamos todos a dormir.
Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
O mal do amor dos filhos é que, quando corre mal, passa-nos como uma lâmina pelo coração e fá-lo em bifinhos. Quando corre bem faz-nos o coração em bifinhos também. A diferença está apenas no tempero.
Viver torna-se uma tão estúpida obsessão que dormir bem – sempre mais do que se precisaria, esticando a ronha até ao limite do olho fechado – é cada vez mais considerado como um abraço acamado que se dá à Morte. Que disparate: dormir é viver bem.
Não há solidão mais bonita que a boa companhia de quem se quer bem. Essa é uma companhia aérea correndo os ceús, descendo em direcção a nós, e depois novamente levantada nos braços, nunca realmente aterrando. Essa é a companhia que se forma, quase uma escritura de amor que se assina, quando duas solidões escolhidas se encontram. «É sempre de duas solidões boas que nasce a melhor das companhias».
Como num encontro puro, a curiosidade de conhecer melhor outra pessoa sente-se como uma espécie de alegria. As perguntas, só de serem feitas, já fazem bem. Quando dois amantes passam horas numa conversa de chacha, o que interessa foram as horas a passar.
Tanta gente me pergunta porque é que eu estou sempre bem disposto que me decidi a responder. O segredo é que eu também estou sempre mal disposto. Faço é por não estar.
O português é curto, mas tem o corpo bem feitinho. É feiote, mas tem os olhos profundos e um caracol moreninho. Em público, pode ser gingão e malandreco, mas quando se apanha a sós, é ternurento e maneirinho.
Como é que eu faço por estar bem disposto, encontrando-me na verdade tão triste e miserável como vocês todos? Há várias técnicas. A mais importante é a técnica do «proporcionamento». Consiste em atribuir a um dado problema pessoal a proporção que tem no mundo. Há tanta gente a sofrer de verdade, a morrer, de fome, de doenças, de terramotos, que o nosso sofrimento, quando é publicamente exibido, é pequenino e obsceno.
A caligrafia – que é escrever bem, com beleza e legibilidade – continua a ser, por muito fútil que possa parecer, um triunfo gráfico da nossa alma.
A solidão portuguesa tem a ver com que o que faz falta, isto é, com a falta que os portugueses conseguem fazer. Portugal é uma fábrica de ausências. Ninguém é capaz de inventá-las tão bem como nós. Ninguém é capaz de se convencer com tanto êxito da grande falta que podem fazer as coisas inexistentes.
Diz-se que o ciúme está associado ao desejo de propriedade de quem se ama – o que será verdade, mas não será, certamente, tão mau como hoje se pensa. Deseja-se possuir só quando não se sente possuir, e o ciúme é arma de incerteza com que o amor – e o conhecimento da pessoa amada como pessoa separada e inapropriável – se faz inevitavelmente (e muito bem) pagar.