Frases de Joel Neto

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Frases de Joel Neto. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Sei que um homem com um mínimo de volume inspira segurança a uma mulher. Para dizer a verdade, faço um julgamento moral dos homens que têm demasiado cuidado com o seu aspecto. Num mundo tão cheio de tentações, em alguma delas se há-de cair – e antes na boa mesa do que na droga ou na política.

Um homem passional, tão igualmente dado à destemperança súbita como a actos de irredutível nobreza.

Era um homem com um problema momentâneo de auto-estima e que tinha um cão que tratava como a uma pessoa. O mundo estava cheio de homens assim, pelo que não seria mais um a perturbar o equilíbrio cósmico.

Não eram só as crianças que gostavam de histórias repetidas. Talvez a isto nos resumíssemos todos, pensou: ao conforto de um caminho já trilhado, que nos leva de regresso a casa.

O problema resulta estrutural para a música popular portuguesa contemporânea: as letras são hoje meros alinhamentos métricos para preencher os espaços sonoros vazios. É carregar pela boca – e, para quem é, bacalhau basta.

Quando uma pessoa quer muito acreditar numa coisa, é fácil reunir provas da sua existência.

Não há ódio como aquele em que a culpa se transforma quando já não se pode transformar em mais nada.

Nós nunca sabemos bem o que a nossa memória vai reter – e não raras vezes damos por nós surpreendidos com uma recordação inútil, tirada de um filme série B ou apenas de um dia sem inspiração (mas que, apesar disso, nos repovoa sempre que determinada situação se repete).

Um homem pode ser infiel à sua mulher e, no entanto, amá-la eterna e incondicionalmente. Uma mulher infiel simplesmente já não ama o seu marido.

O problema deste tempo (…) é o Bem reduzir-se tantas vezes à categoria de efeito colateral do Mal.

É melhor esperares antes de absolveres um pobre velho. Tempos houve que este homem não foi um pobre velho.

Se alguém tende a sacralizar a cultura popular, é por uma razão muito simples: porque não tem pernas para a cultura erudita.

Há muito tempo que vinha tomando atenção a conversas daquela natureza: entre operários ao almoço, entre uma esteticista e uma cliente, entre dois gravatas que se cruzavam no quiosque, entre miúdas bebendo copos na rua. Ninguém se ouvia. E talvez a explicação até estivesse na escola, que ensinara a participação, mesmo a alarve, quando a inteligência, muito provavelmente, se encontrava no silêncio. Em todo o caso, não se podia entender este mundo sem considerar a solidão – e essa é que era a tragédia.

As crianças, nem é preciso dizê-lo, são crudelíssimas. Nascem selvagens, infinitamente mais mesquinhas do que pretendeu Rousseau – e naquelas idades, desprovidas tantas vezes dos mais básicos códigos de socialização (que muitas não chegarão a integrar), estão ainda perigosamente próximas da irracionalidade absoluta.

No fundo, era tudo tão maquinal e coreografado, tudo tão simples e ingénuo, que já não podia ofender ninguém, aquele primeiro acto da nossa farsa anual. Mas a verdade é que por detrás da comédia se ocultavam mágoas antigas, demasiado antigas – e que, nessas mágoas, todos éramos, ao mesmo tempo, vítimas e algozes. Cada família seu manicômio, dizia o povo, e talvez até o dissesse bem.

Limitou-se a esticar o braço para receber o cumprimento da mulher, como se só agora ela se tivesse lembrado de o fazer. Sentiu a mão dela na sua, tépida como um pequeno pássaro febril, e teve a estranha certeza de que não voltaria a partir.

Um homem passa por tudo: coisas boas e coisas más, casamentos e divórcios, nascimentos e mortes – e não consegue, no fim, construir um olhar suficientemente irónico que o livre do azedume? Ou é estúpido ou a vida foi-lhe especialmente ingrata – e, como três quartos dos velhos maus que conheço são pelo menos de classe média, portanto fundamentalmente ricos, eu começava a confiar mais na primeira hipótese.

[Sobre os Açores] O cheiro doce do húmus, aquela delicada combinação de erva molhada, leite morno e bosta de vaca, provocava-lhe uma inesperada sensação de bem-estar.

Os ignorantes gostam de ser snobes porque também eles respeitam mais os snobes. Vêem um ignorante igual a eles, mas exacerbando maneirismos, e de pronto pensam de si para si: «Este tipo, afinal, é selecto.» Os ignorantes aprendem depressa a palavra «selecto». É outra das suas ferramentas para serem selectos. Ou snobes.

Talvez não se pudesse amar uma casa como a uma pessoa. Mas podia-se, mesmo assim, amar através de uma casa as pessoas com quem se fora feliz nela.