Absurdo
Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mãos
e crescia nas coisas reduzindo-as
à ausência mais completa do existir.Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silêncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,ninguém pôde saber do imprevisível,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavase que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mágoa sempre nova de perdê-la.
Passagens sobre Noite
1300 resultadosPara Quê?!
Tudo é vaidade neste mundo vão…
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!…Beijos de amor! Pra quê?! … Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!…
A morte é a frescura da noite e a vida o dia sufocante.
Embirração
(A Machado de Assis)
A balda alexandrina é poço imenso e fundo,
Onde poetas mil, flagelo deste mundo,
Patinham sem parar, chamando lá por mim.
Não morrerão, se um verso, estiradinho assim,
Da beira for do poço, extenso como ele é,
Levar-lhes grosso anzol; então eu tenho fé
Que volte um afogado, à luz da mocidade,
A ver no mundo seco a seca realidade.Por eles, e por mim, receio, caro amigo;
Permite o desabafo aqui, a sós contigo,
Que à moda fazer guerra, eu sei quanto é fatal;
Nem vence o positivo o frívolo ideal;
Despótica em seu mando, é sempre fátua e vã,
E até da vã loucura a moda é prima-irmã:
Mas quando venha o senso erguer-lhe os densos véus,
Do verso alexandrino há de livrar-nos Deus.Deus quando abre ao poeta as portas desta vida,
Não lhe depara o gozo e a glória apetecida;
E o triste, se morreu, deixando mal escritas
Em verso alexandrino histórias infinitas,
Vai ter lá noutra vida insípido desterro,
Se Deus, por compaixão, não dá perdão ao erro;
Se tu viesses ver-me…
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e riE é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
Sobretudo, não acredite que os seus amigos lhe telefonarão todas as noites, como deviam, para saber se não é precisamente essa a noite em que decidiu suicidar-se. Ou, mais simplesmente, se não tem necessidade de companhia, se não está com vontade de sair. Oh, não! Se telefonarem, esteja descansado. Será na noite em que já não está só e a vida é bela.
Que Pesa o Escrúpulo do Pensamento?
Azuis os montes que estão longe param.
De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.
Débil como uma haste de papoila
Me suporta o momento. Nada quero.
Que pesa o escrúpulo do pensamento
Na balança da vida?
Como os campos, e vário, e como eles,
Exterior a mim, me entrego, filho
Ignorado do Caos e da Noite
Às férias em que existo.
Na Confusão Do Mais Horrendo Dia
Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos
Lar: o sítio de último recurso – aberto toda a noite.
O Céu, de Opacas Sombras Abafado
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato à fereza
Do ciúme e saudade, a que ando afeito.Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.
Noites Gélidas
Merina
Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alemã que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gás dá noites de balada;
Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passinho curto e em suas lãs forrada,
Recorda-me a elegância, a graça, a galhardia
De uma ovelhinha branca, ingênua e delicada.
Bemdito Sejas
Bemdito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dôr,
Estremecendo, acórda…A minha dôr é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.Canto e chóro amargamente;
Mas a dôr, indiferente,
Continúa…Então,
Febríl, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
– E a minha dôr adormece,
E o leão é socegado.Quanto mais bêbo mais dórme:
Vinho adorado,
O teu poder é enorme!E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!Grande vida!
– Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!
Eu era um funcionário do governo durante a manhã e um escritor à noite.
Não Sei para que Vos Quero
Não sei para que vos quero,
pois me de olhos não servis,
olhos a que eu tanto quis!VOLTAS
Pera que me fostes dados,
vós só a chorar vos destes;
e, se eu tenho cuidados,
meus olhos, vós mos fizestes.
Desque neles me pusestes,
do descanso me fugis,
olhos a que eu tanto quis!Quando vós primeiro vistes,
que não me era bom sabíeis,
mas, por gozar do que víeis,
em meu dano consentistes.
O que então me encobristes
agora mo descobris,
olhos a que eu tanto quis!Meus olhos, por muitas vias
usais comigo cruezas;
tomais as minhas tristezas
pera vossas alegrias.
Entram noites, entram dias,
olhos, nunca me dormis,
olhos a que eu tanto quis!Ando-vos a vós buscando
cousas que vos dêem prazer,
e vós, quanto podeis ver,
tristezas me andais tornando.
Agora vou-vos cantando,
vós a mim chorando me is,
olhos a que eu tanto quis!
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!
O Amor não Acontece. Decide-se.
Há quem julgue que o amor é alheio à vontade humana, algo superior que elege, embala e conduz… e que quase nada se pode fazer perante tamanha força. Isso é uma mera paixão no seu sentido menos nobre. E, nesse caso, sim, o amor acontece… Ao contrário, amar é estar acima das paixões e dos apetites. Mesmo quando o amor nasce de uma espontaneidade, resulta de um claro discernimento.
O amor decorre de uma decisão. De um compromisso. Constrói-se de forma consciente. Através do heroísmo de alguém livre que decide ser o que poucos ousam. Escolhe para fim de si mesmo ser o meio para a felicidade daquele a quem ama. Sim, decide-se amar e, sim, decide-se a quem amar.
O amor autêntico é raro e extraordinário, embora o seu nome sirva para quase tudo… a maior parte das vezes designa egoísmos entrelaçados, cada vez mais comuns. São poucos os que se aventuram, os que arriscam tudo, os que se dispõem a amar mesmo quando sabem que poucos sequer perceberão o que fazem, o seu porquê e o para quê.
O amor não supõe reciprocidade. Amar é dar-se por completo e aceitar tudo… não se contabilizam ganhos e perdas,
A esperança se adquire. Chega-se à esperança através da verdade, pagando o preço de repetidos esforços e de uma longa paciência. Para encontrar a esperança é necessário ir além do desespero. Quando chegamos ao fim da noite, encontramos a aurora.
É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com Sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.
Meus pais sacrificaram toda a vida por mim. Nunca vou esquecer isso. Minha mãe era tão boa, e à noite quando fecho os olhos posso sentir a presença dela. E quando volto para casa, Graceland, sei que ela está lá. Posso sentir
A Graça
Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,.
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d’ouro e púrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus,