Passagens sobre Noite

1300 resultados
Frases sobre noite, poemas sobre noite e outras passagens sobre noite para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Xácara do Infinito

Fazia papa-luaça
com lama azul dos paúis;
e embaciava a vidraça;
ou de olhos baços, azuis,
parados, largos, serenos,
como o silêncio dos mudos,
ou fitos, picos, pequenos,
venenos de ângulos agudos.

Ou gargalhava estridente
como um riscar de repente
de uma faúlha de luz
em escuros de urros e uuus
que arrefecia os cabelos!
E a dissonância em novelos
rolava fundo e medonho
a meio do chão:.. Catrapuz!…
como um vómito de luz
a estoirar dentro dum sonho!

Ou escancarava a vidraça
a rir pedradas de lata;
mas logo o feixe-desfeixe
porque a lata se desata
e cai em pata de pata
na lájea das cousas mortas
das mortas noites sem portas!

E logo a Noite corria,
e a vista via… – não via:
porque entre o ver e o não ver
há uma distância a correr
que pode ser… – ou não ser
uma distância a valer!

Aquele espaço intervalo
dum cabelo ou duma unha
à sensação de ter unha
é uma distância a cavalo
como a distância da unha
ao movimento da unha!

Continue lendo…

A Vida em Conformidade com Princípios mais Elevados

Se a pessoa der ouvidos às subtis mas constantes sugestões do seu espírito, sem dúvida autênticas, não vê a que extremos, e até loucura, ele pode levá-la; contudo, por aí envereda o seu caminho à medida que cresce em resolução e fé. A mais leve objecção segura que um homem sadio fizer, com o tempo prevalecerá sobre os argumentos e costumes da humanidade. Nenhum homem jamais seguiu a sua índole a ponto de esta o extraviar. Embora o resultado fosse fraqueza física, ainda assim talvez ninguém pudesse dizer que as consequências eram lamentáveis, já que representariam a vida em conformidade com princípios mais elevados. Se o dia e a noite são de tal natureza que vós os saudais com alegria, se a vida emite uma fragrância de flores e ervas aromáticas e se torna mais elástica, mais cintilante e mais imortal – aí está o vosso êxito.
A natureza inteira é a vossa congratulação e tendes motivos terrenos para bendizer-vos. Os maiores lucros e valores estão ainda mais longe de serem apreciados. Chegamos facilmente a duvidar de que existam. Logo os esquecemos. Constituem, entretanto, a realidade mais elevada.
Talvez os factos mais estarrecedores e verdadeiros nunca sejam comunicados de homem a homem.

Continue lendo…

Se tomardes a vida com excessiva severidade, que atracção tem? Se a manhã não vos convidar a novas alegrias e se à noite não esperardes nenhum prazer, valerá a pena vestir-se e despir-se?

Mundos Extintos

São tão remotas as estrelas que,
apesar da vertiginosa velocidade da luz,
elas se apagam. e continuam a brilhar durante séculos.

MORREM OS MUNDOS… Silenciosa e escura,
Eterna noite cinge-os. Mudas, frias,
Nas luminosas solidões da altura
Erguem-se, assim, necrópoles sombrias…

Mas pra nós, di-lo a ciência, além perdura
A vida, e expande as rútilas magias…
Pelos séculos em fora a luz fulgura
Traçando-lhes as órbitas vazias.

Meus ideais! extinta claridade –
Mortos, rompeis, fantásticos e insanos
Da minh’alma a revolta imensidade…

E sois ainda todos os enganos
E toda a luz, e toda a mocidade
Desta velhice trágica aos vinte anos…

Soneto Da Desesperança

De não poder viver sua esperança
Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho
Secreto, onde ao sabor do seu capricho
Fugisse a vê-la como uma criança.

Tão cauteloso fez-se em seus cuidados
De não mostrá-la ao mundo, que a queria
Que por zelo demais, ficaram um dia
Irremediavelmente separados.

Mas eram tais os seus ciúmes dela
Tão grande a dor de não poder vivê-la,
Que em desespero, resolveu-se: – Mato-a!

E foi assim que triste como um bicho
Uma noite subiu até o nicho
E abriu o coração diante da estátua.

Sobre todas as coisas, para que alguém se torne digno de confiança, tão certo quanto a noite sucede o dia, é preciso nunca ser falso consigo mesmo.

Soneto XIX

Qual mísera Calisto, quando atenta
Que abrindo o dia vão ao largo estanho
As mais estrelas a seu doce banho,
Só com seu Plaustro só ficar lamenta,

Tal, quando me a memória representa
Banharem-se outros nesse mar estranho,
De graças mil gosando bem tamanho,
A falta dessa glória me atormenta.

E como inda que irada Juno a tolha
Decer ao mar, não deixa em noite clara
Ferir nele seus raios do alto assento,

Assi, por mais que a sorte em tudo avara
Para si deste corpo a parte escolha,
Livre, porém, me fica o pensamento.

Como é difícil acordar calado. Se na calada da noite eu me dano. Quero lançar um grito desumano.

O Mundo Só se Dá para os Simples

Minha gula pelo mundo: eu quis comer o mundo e a fome com que nasci pelo leite — esta fome quis se estender pelo mundo e o mundo não se queria comível. Ele se queria comível sim — mas para isso exigia que eu fosse comê-lo com a humildade com que ele se dava. Mas fome violenta é exigente e orgulhosa. E quando se vai com orgulho e exigência o mundo se transmuta em duro aos dentes e à alma. O mundo só se dá para os simples e eu fui comê-lo com o meu poder e já com esta cólera que hoje me resume. E quando o pão se virou em pedra e ouro aos meus dentes eu fingi por orgulho que não doía eu pensava que fingir força era o caminho nobre de um homem e o caminho da própria força. Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito e era com o mesmo material que eu iria a ele. E depois foi quando o amor pelo mundo me tomou: e isso já não era a fome pequena, era a fome ampliada. Era a grande alegria de viver — e eu pensava que esta sim,

Continue lendo…

As Rosas Amo dos Jardins de Adônis

As Rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Boa Noite

Boa noite, meu amor, – diz boa noite, querida,
vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez,
a noite assim azul, cheia de luz, não vês?
Parece que nos chama e a sonhar nos convida…

O céu é aquela folha onde deixei perdida
a história de um amor, que te contei talvez,
– hoje, nela eu não creio, e tu também não crês,
– mas, para que falar nessa história esquecida?…

Boa noite, meu amor… Vê se sonhas também…
“Um castelo encantado… um país muito além
e um príncipe ao teu lado amoroso e cortês…”

Com o céu azul assim, talvez dormir consiga,
vou sonhar…vou sonhar contigo, minha querida,
vê se sonhas também comigo alguma vez!.

Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

O coração de uma mulher é uma parte dos céus; mas como o firmamento, muda noite e dia.

Estátua

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, de frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correto
Desse entreaberto lábio gelado…

Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.

Quem parte treme, quem regressa teme. Tem-se medo de se ter sido vencido pelo Tempo, medo de que a ausência tenha devorado as lembranças. A saudade é um morcego cego que falhou fruto e mordeu a noite.

Espaços em Branco

Ao fim da noite, no frio do táxi, pousas
a cabeça no meu ombro – e assim entramos
duma vez e inteiramente na nossa vida.
Lá fora, pelo contrário, tudo perde realidade;

há em toda a parte um sossego abstracto,
as ruas parecem pintadas – betão entre
as árvores – numa tela baça. Vamos por lugares
que não reconheço, a minha geografia é vaga

e omissa como a dos velhos cartógrafos
que desenhavam um mundo cheio de espaços
em branco. É onde estamos agora, num
intervalo do mapa rente à primeira manhã –

que será a nossa e também a última.

Soneto XXVII

Enfim que me cortais o fio leve
Que me tecia em vão minha esperança,
Quanto me prometeu, quão pouco alcança,
De quão larga me foi quanto hoje é breve,

C’um doce engano um tempo me deteve.
Guardou-me para agora esta mudança,
Mas não me mudará da segurança
Que meu amor a vossos olhos deve.

Mas ai fermosos olhos que tornastes
Descubrir-me esta noite essa lux vossa,
Qual Lua à nau que lida em bravo pego.

Mas não seja essa lux que me mostrastes
Só porque ver o meu naufrágio possa,
Que é menor o pirigo a quem vai cego.

O Amor no Chão

O vento da outra noite derrubou o Amor
Que, no mais misterioso recanto do parque,
Nos sorria, ao esticar malignamente o arco,
E cujo ar nos fez meditar com fervor!

O vento da outra noite derrubou-o! O mármore
com o sopro da manhã, disperso, gira. É triste
Olhar o pedestal, onde o nome do artista
Se lê com muito esforço à sombra de uma árvore,

É triste ver em pé, sozinho, o pedestal!
Melancólicos vêm e vão pensamentos
No meu sonho, onde o mais profundo sofrimento
Evoca um solitário futuro fatal.

É triste! — E mesmo tu, não é? ficas tocada
Plo cenário dolente, embora te divirtas
Com a borboleta rubra e de oiro, que se agita
Sobre a alameda, além, de destroços juncada.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Um Escritor é Uma Contradição

Um escritor é uma coisa curiosa. É uma contradição e, também, um contra-senso. Escrever também é não falar. É calar. É gritar sem ruído. Um escritor é, muitas vezes, repousante: ouve muito. Não fala muito porque é impossível falar a alguém de um livro que se escreveu e, sobretudo, de um livro que se está a escrever.
É impossível. É o oposto do cinema, o oposto do teatro e de outros espectáculos. É o oposto de todas as leituras. É o mais difícil de tudo. É o pior. Porque um livro é o desconhecido, é a noite, é fechado, é assim. É o livro que avança, que cresce, que avança em direcções que julgávamos ter explorado, que avança em direcção ao seu próprio destino e ao do seu autor, então aniquilado pela sua publicação: a sua separação dele, do livro sonhado, como da criança recém-nascida, sempre a mais amada.

Mors Liberatrix

(A Bulhão Pato)

Na tua mão, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas,
Brilha uma espada feita de cometas,
Que rasga a escuridão como um luzeiro.

Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo involto na noite que projectas…
Só o gládio de luz com fulvas betas
Emerge do sinistro nevoeiro.

— «Se esta espada que empunho é coruscante,
(Responde o negro cavaleiro-andante)
É porque esta é a espada da Verdade.

Firo, mas salvo… Prostro e desbarato,
Mas consolo… Subverto, mas resgato…
E, sendo a Morte, sou a Liberdade.»