Despedida
Uma harpa envelhece.
Nada se ouve ao longo dos canais e os remadores
sonham junto às estátuas de treva.
A tua sombra está atrás da minha sombra e dança.
Tocas-me de tão longe, sobre a falésia, e não sei se
foi amor.
Certo rumor de cálices, uma súplica ao dealbar das
ruínas,
tudo se perdeu no solitário campo dos céus.
Uma estrela caía.
Esse fogo consumido queima ainda a lembrança do
sul, a sua extrema dor anoitecida.
Não vens jamais.
O teu rosto é a relva mutilada dos passos em que me
entristeço, a absoluta condenação.
Chove quando penso que um dia as tuas rosas floriam
no centro desta cidade.
Não quis, à volta dos lábios, a profanação do jasmim,
as tuas folhas de outubro.
Ocultarei, na agonia das casas, uma pena que esvoaça,
a nudez de quem sangra à vista das catedrais.
O meu peito abriga as tuas sementes, e morre.
Esta música é quase o vento.
Passagens sobre Nudez
43 resultadosNua E Crua
Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionário ardente
Quis vê-la nua um dia; e, ousadamente,
Do áureo manto despoja a divindade;O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!Fita-a em seguida, e atônito recua…
– Ó Musa! exclama então, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tão nua?…
À nudez da Verdade quem resiste?!
O Amor E A Morte
(com tema de Augusto dos Anjos)
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.
A Minha Ausência de Ti
Foi tal e qual o inverno a minha ausência
de ti, prazer dum ano fugitivo:
dias nocturnos, gelos, inclemência;
que nudez de dezembro o frio vivo.E esse tempo de exílio era o do verão;
era a excessiva gravidez do outono
com a volúpia de maio em cada grão:
um seio viúvo, sem senhor nem dono.Essa posteridade em seu esplendor
uma esperança de órfãos me parecia:
contigo ausente, o verão teu servidoremudeceu as aves todo o dia.
Ou tanto as deprimiu, que a folha arfava
e no temor do inverno desmaiava.Tradução de Carlos de Oliveira
Sacrilégio
Como a alma pura, que teu corpo encerra,
Podes, tão bela e sensual, conter?
Pura demais para viver na terra,
Bela demais para no céu viver.Amo-te assim! – exulta, meu desejo!
É teu grande ideal que te aparece,
Oferecendo loucamente o beijo,
E castamente murmurando a prece!Amo-te assim, à fronte conservando
A parra e o acanto, sob o alvor do véu,
E para a terra os olhos abaixando,
E levantando os braços para o céu.Ainda quando, abraçados, nos enleva
O amor em que me abraso e em que te abrasas,
Vejo o teu resplandor arder na treva
E ouço a palpitação das tuas asas.Em vão sorrindo, plácidos, brilhantes,
Os céus se estendem pelo teu olhar,
E, dentro dele, os serafins errantes
Passam nos raios claros do luar:Em vão! – descerras úmidos, e cheios
De promessas, os lábios sensuais,
E, à flor do peito, empinam-se-te os seios,
Ameaçadores como dois punhais.Como é cheirosa a tua carne ardente!
Toco-a, e sinto-a ofegar, ansiosa e louca.
És como o Ar que Respiro
Qual é a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou três princípios cristãos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tão pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silêncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.
E como tu milhares de seres têem cumprido a vida em silêncio, aceitando-a sem exageros. Nas mãos das mulheres até as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pão, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. Mantêem a vida ordenada com um sorriso tímido. A mulher está mais perto que nós da natureza e de Deus.
Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.
Vi a cena de nudez, parei o filme e tirei minhas roupas. Pedi a minha melhor amiga para dar uma olhada e comparar. Ela me disse: ‘Você está fabulosa, pronta para fazer isso’
Soneto Da Ilha
Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alísios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambêm um mar que me molhava o sono.E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexoEstelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.
Despede Teu Pudor
Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memória
Uma nudez nascida para a glória
Sofrer de meu olhar que te heroízaTudo teu corpo tem, não te humaniza
Uma cegueira fácil de vitória
E como a perfeição não tem história
São leves teus enredos como a brisaConstante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opõe à luta e luto
E tombo como um sol abandonadoEnquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.
Ode a Lídia
Esta súbita chuva que desaba
pela pele morena
de teu rosto
por teu riso por teus ombros
pelos teus longos
cabelos
cai na terra
— ouve bem —com o peso, o
doce peso de miléniosPois verdade é que outra
é a água
mas a mesma
(escorrendo pela
gloriosa nudez
de teu corpo)
mesmo o cheiro húmido
da terra, mesmo
nas árvores
o áspero, esperado canto
de verãoTudo, nada mudou
Pois verdade é que outra
é a água
mas a mesma
(escorrendo pela
gloriosa nudez
de teu corpo)
mesmo o cheiro húmido
da terra, mesmo
nas árvores
o áspero, esperado canto
de verãoTudo, nada mudou
Bebe pois desta água
bebe
bebe com todo o teu corpo
até que toda te farte
bebe
até que te embriague
a milenar
experiência
do planetaBebe e
(sábia)
colhe nas mãos o momento
que esvoaça
— este breve momento em que
como duas crianças
somos
e amamos
O pudor inventou a roupa para que se tenha mais prazer com a nudez.
A nudez é sempre incompleta; nunca se vê o corpo de todos os lados.
A dor pede pudor. O sofrimento é uma nudez – não se mostra aos públicos.
Minha Mãe, Minha Mãe!
Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!…
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
O Mundo, o Demónio e a Carne
Relâmpago adormecido
entre a malva e o estalo
tua penúria, ó Mundo
é a minha penúria.
Somos a mesma falta
de olhos a perseguir
a visão que negou
o barro de meu rosto.Demónio entre o retinir
das esporas e o redondo
dia,
que fizeste da luz
a arder em minha alma?
Sou teu cúmplice na mão
que apertou o pensamento
em sua nudez.Carne de minha carne
entre uma pedra e outra
abre-se o trigo
da maldição.
Nossos corpos são nossos
mas o abraço rói
o hálito que foi um
antes de existirmos.
Labirinto ou Alguns Lugares de Amor
O outono
por assim dizer
pois era verão
forrado de agulhasa cal
rumorosa
do sol dos cardossem outras mãos que lentas barcas
vai-se aproximando a águaa nudez do vidro
a luz
a prumo dos mastrosos prados matinais
os pés
verdes quaseo brilho
das magnólias
apertado nos dentesuma espécie de tumulto
as unhas
tão fatigadas dos dedoso bosque abre-se beijo a beijo
e é branco
Os Amantes com Casa
Andavam pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Respiravam exaustos como se tivessem
nascido da terra
de dentro das sementeiras.
Beijavam-se magoados
até se magoarem mais.
Um no outro eram prisioneiros um do outro
e livres libertavam-se
para a vida e para o amor.
Vivendo a própria morte
voltavam a andar pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Então era a música, como se
cada corpo atravessasse o outro corpo
e recebesse dele nova presença, agora
serena e mais pobre mas avidamente rica
por essa pobreza.
A nudez corria-lhes pelas mãos
e chegava aonde tudo é branco e firme.
Aquele fogo de carne
era a carne do amor,
era o fogo do amor,
o fogo de arder amando-se e por toda a casa,
contra as paredes, no chão.
Se mais não pressentissem bastaria
aquela linguagem de falar tocando-se
como dormem as aves.
E os olhos gastos
por amor de olhar,
por olhar o amor.
E no chão
contra as paredes se amaram e
pela casa andavam como
se dentro das sementeiras respirassem.
O homem só peca contra o homem e contra as suas criações. Só para olhos verdadeiramente impuros é que a nudez de Miguel Ângelo precisava de camisas.
O mais difícil é não fazer nada: ficar sem fazer nada é a nudez final.
Cantar do Amigo Perfeito
Passado o mar, passado o mundo, em longes praias,
de areia e ténues vagas, como esta
em que haverá de nossos passos a memória
embora soterrada pela areia nova,
e em que sobre as muralhas quanta sombra
na pedra carcomida guarda que passámos,
em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas esta, ó meu amigo?Aqui passeámos tanta vez, por entre os corpos
da alheia juventude, impudica ou severa,
esplêndida ou sem graça, à venda ou pronta a dar-se,
ido na brisa o sol às mais sombrias curvas;
e o meu e o teu olhar guiando-se leais,
de nós um para o outro conquistando
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó meu amigo?Também aqui relembro as ruas tenebrosas,
de vulto em vulto percorridas, lado a lado,
numa nudez sem espírito, confiança
tranquila e áspera, animal e tácita,
já menos que amizade, mas diversa
da suspeição do amor, tão cauta e delicada
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda as recordas, diz, ó meu amigo?Também aqui,