Ăltimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, jĂĄ tarde, eternamente,Achei (ia jurĂĄ-lo!) Ă nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovĂvel, era
Espelho de pés leves, depois lassos!E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadĂĄver, preso ao teu e ao vento…â VaivĂ©m sexual, que o mar lega aos defuntos? â
Se em vida, agora, tudo nos separa
à meu amor, apodreçamos juntos!
Passagens sobre Pés
670 resultadosMuito tempo hå que a mentira se tem posto em pés de verdade, ficando a verdade sem pés e com dobradas forças a mentira.
Barriga cheia, pé dormente.
Soneto Para EugĂȘnia
O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tĂŁo distante e tĂŁo perto em ventania,
sitiando limites na viagem.Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vĂŁo em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparåvel névoa pressentida
nos livros que nĂŁo leste, nesses poucosmomentos que sobravam da medida.
AngĂșstia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.Vida que bem mereces por inteiro,
e Ă© pouca a que te dou de companheiro.
Soneto Da Ilha
Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alĂsios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pĂ©s com seus dedos de mar.Longos ĂȘxtases tinha; amava a Deus em Ăąnsia
E a uma nudez qualquer ĂĄvida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distĂąncia
Era tambĂȘm um mar que me molhava o sono.E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexoEstelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.
Amo-te com Toda a Loucura dos Meus Primeiros Anos
Meu anjo, minha vida, que sei eu mais? Amo-te com toda a loucura dos meus primeiros anos. Volto a ser para ti o irmĂŁo da AmĂ©lie; esqueço tudo desde que tu consentiste que eu caĂsse a teus pĂ©s. Sim, espero-te Ă beira mar, onde tu quiseres, muito longe do Mundo. Enlacei finalmente esse sonho de felicidade que hĂĄ tanto tempo persigo. Foi a ti que eu adorei tanto tempo antes de te conhecer. SerĂĄs a minha vida; verĂĄs o que ninguĂ©m poderĂĄ saber senĂŁo apĂłs a minha morte; depositĂĄ-lo-ei nas mĂŁos daquele que virĂĄ depois de nĂłs. Acolhe tudo o que aqui ponho para ti. AmanhĂŁ Ă s duas horas serei eu quem irĂĄ pedir-to.
Toada Para Solo De Ocarina
Fio tĂȘnue do cĂ©u em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalhacomo tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhadoNesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco ébrio que sempre desafinaE colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud
Despede Teu Pudor
Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memĂłria
Uma nudez nascida para a glĂłria
Sofrer de meu olhar que te heroĂzaTudo teu corpo tem, nĂŁo te humaniza
Uma cegueira fĂĄcil de vitĂłria
E como a perfeição não tem história
SĂŁo leves teus enredos como a brisaConstante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opÔe à luta e luto
E tombo como um sol abandonadoEnquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.
Da Nossa Semelhança com os Deuses
Da nossa semelhança com os deuses
Por nosso bem tiremos
Julgarmo-nos deidades exiladas
E possuindo a Vida
Por uma autoridade primitiva
E coeva de Jove.Altivamente donos de nĂłs-mesmos,
Usemos a existĂȘncia
Como a vila que os deuses nos concedem
Para, esquecer o estio.
NĂŁo de outra forma mais apoquentada
Nos vale o esforço usarmos
A existĂȘncia indecisa e afluente
Fatal do rio escuro.Como acima dos deuses o Destino
Ă calmo e inexorĂĄvel,
Acima de nĂłs-mesmos construamos
Um fado voluntĂĄrio
Que quando nos oprima nĂłs sejamos
Esse que nos oprime,
E quando entremos pela noite dentro
Por nosso pé entremos
Alegra-te quando sofres. Teus pĂ©s nĂŁo sofrem quando adormecem, mas sim quando estĂĄ passando a dormĂȘncia.
A InfluĂȘncia dos Livros
NĂŁo hĂĄ dĂșvida nenhuma: se um leitor nĂŁo se tem firme nos pĂ©s diante de certos livros e de certos autores, acontece-lhe como quando a gente se debruça a uma alta janela e olha com adesĂŁo exagerada para o fundo: atira-se dali abaixo. E coisa curiosa: tanto monta que o aceno venha dum clĂĄssico, como dum romĂąntico, como dum realista, como dum futurista. Desde que a mĂŁo feiticeira que o faz saiba da sua poda, um homem, que ainda ontem era enforcado de Villon, passa a satĂąnico de Baudelaire sem qualquer cerimĂłnia.
DistĂąncia
NĂŁo vĂĄs para tĂŁo longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pĂ© de mim…
Tenho o desejo doido de contar-te
Estas saudades que nĂŁo tinham fim.NĂŁo vĂĄs para tĂŁo longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d’antes,
E se nas tuas mĂŁos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.NĂŁo vĂĄs para tĂŁo longe!
Tenho medo
Do silĂȘncio pesado d’esta sala…
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!NĂŁo vĂĄs para tĂŁo longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nĂłs dois…
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.Não vås para tão longe!
Fica. Inda Ă© tĂŁo cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!NĂŁo vĂĄs para tĂŁo longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!…
Paira nas velhas ruĂnas do conventoQue alĂ©m se avista,
Em brigas, valer de pés.
Quem dorme em pé não cai da cama.
Se vocĂȘ tem cĂ©rebro e sapatos nos pĂ©s, e o caminho nĂŁo for agradĂĄvel, vĂĄ por outro que julgar melhor.
Ode Marcial
InĂșmero rio sem ĂĄgua â sĂł gente e coisa,
Pavorosamente sem ĂĄgua!Soam tambores longĂnquos no meu ouvido
E eu não sei se vejo o rio se ouço os tambores,
Como se nĂŁo pudesse ouvir e ver ao mesmo tempo
Helahoho! Helahoho!A mĂĄquina de costura da pobre viĂșva morta Ă baioneta…
Ela cosia Ă tarde indeterminadamente…
A mesa onde jogavam os velhos,Tudo misturado, tudo misturtado com os corpos, com sangues,
Tudo um sĂł rio, uma sĂł onda, um sĂł arrastado horrorHelahoho! Helahoho!
Desenterrei o comboio de lata da criança calcado no meio da estrada,
E chorei como todas as mĂŁes do mundo sobre o horror da vida.
Os meus pĂ©s panteĂstas tropeçaram na mĂĄquina de costura da viĂșva que mataram Ă baioneta
E esse pobre instrumento de paz meteu uma lança no meu coraçãoSim, fui eu o culpado de tudo, fui eu o soldado todos eles
Que matou, violou, queimou e quebrou,
Fui eu e a minha vergonha e o meu remorso com uma sombra disforme
Passeiam por todo o mundo como Ashavero,
O homem é um verme. Deus não tem nada com este grão de areia, que lançou no oceano, a turbilhÔes, com a ponta de um pé.
HĂĄ tempos estou vivendo uma estĂłria-de-amor-impossĂvel que rebenta a saĂșde: sei que nĂŁo dĂĄ pĂ© de jeito nenhum e nĂŁo consigo me libertar, esquecer.
Tu Ă Noite
Tu Ă noite havias de escutar
A trovoada e o ar ambulante.
Tu nessa margem hĂĄs-de virar
Para onde estão as intempéries dominantes.Toda essa honrada esperança
RuirĂĄ na ardĂłsia,
E destroçarå o inverno
Que vocifera a teus pés.Se bem que ardam os altares apaixonantes,
E que o sol deliberado
Faça ladrar a åguia,
Tu avançarås na corda bamba.
Saudade do Teu Corpo
Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo â como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que nĂŁo mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…Ȉ o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar Ă© escuridade…Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
Ă de noite este corpo que me assombra…
VĂȘs?! A saudade Ă© um escultor antigo!