O Poema Original
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Poemas sobre Amor
694 resultadosCanção da Saudade
Se eu fosse cego amava toda a gente.
Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha irmã gemea que nasceu sem vida, e amo-a a fantazia-la viva na minha edade.
Tu, meu amor, que nome é o teu? Dize onde vives, dize onde móras, dize se vives ou se já nasceste.
Eu amo aquella mão branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés perdidas em mares longissimos.
Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas.
Eu amo aquellas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas.
Eu amo os cemiterios – as lágens são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos florídos virgens núas, mulheres bellas rindo-se para mim.
Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. Eu amo a lua do lado que eu nunca vi.
Se eu fosse cego amava toda a gente.
Dentes
Os dentes, porque são dentes,
iniciais. Na espuma,
porque não são saliva
estas ondas
pouco mordentes; este
sal que sobe quase
doce; donde?Numa espécie
de fogo: amor é fogo
que arde sem se ver;
porque não é
de facto fogo este frio aceso;
da saliva à lava
passa pela espuma.Só os dentes.
Duros, ácidos, concentram-se
tacteando a pele,
tatuando signos sempre
moventes
de fúria. Mordida
a pele cintila; espelho
dos dentes, do seu esmalte voraz;
suavemente.
Escavação
Numa ânsia de ter alguma cousa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh’alma perdida não repousa.Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à fôrça de sonhar…Mas a vitória fulva esvai-se logo…
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo…
– Onde existo que não existo em mim?. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d’amor sem bôcas esmagadas –
Tudo outro espasmo que princípio ou fim…
A Alvorada do Amor
Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:“Chega-te a mim! entra no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
Unidentified Male Figure
Warhol
Olhem, olhem: apruma-se o Amor,
O decote, a cabeleira que nele poisava,
O Amor, como se pavoneia, o Amor.
Mãos na fralda, entreolham-se.
Mostra o sovaco rapado, ossudo, até ao sabugo.
Avança os músculos vincados das omoplatas.
Passeava, passeava, e se tudo tarda,
E nada, hora a hora passada, cabeceava.
Encostado ao muro, ali, aí mijava. (Claro, Andy agachou-se,
Tirando-o por debaixo da saia.)
À Espera do Amado
Disse-me baixinho:
— Meu amor, olha-me nos olhos.
Ralhei-lhe, duramente, e disse-lhe:
— Vai-te embora.
Mas ele não foi.
Chegou ao pé de mim e agarrou-me as mãos…
Eu disse-lhe:
— Deixa-me.
Mas ele não deixou.Encostou a cara ao meu ouvido.
Afastei-me um pouco,
fiquei a olhá-lo e disse-lhe:
— Não tens vergonha? Nem se moveu.
Os seus lábios roçaram a minha face.
Estremeci e disse-lhe:
— Como te atreves?
Mas ele não se envergonhou.Prendeu-me uma flor no cabelo.
Eu disse-lhe:
— É inútil.
Mas ele não fez caso.
Tirou-me a grinalda do pescoço
e abalou.
Continuo a chorar,
e pergunto ao meu coração:
Porque é que ele não volta?Tradução de Manuel Simões
Ama-me
Aos amantes é lícito a voz desvanecida.
Quando acordares, um só murmúrio sobre o teu ouvido:
Ama-me. Alguém dentro de mim dirá: não é tempo, senhora,
Recolhe tuas papoulas, teus narcisos. Não vês
Que sobre o muro dos mortos a garganta do mundo
Ronda escurecida?Não é tempo, senhora. Ave, moinho e vento
Num vórtice de sombra. Podes cantar de amor
Quando tudo anoitece? Antes lamenta
Essa teia de seda que a garganta tece.Ama-me. Desvaneço e suplico. Aos amantes é lícito
Vertigens e pedidos. E é tão grande a minha fome
Tão intenso meu canto, tão flamante meu preclaro tecido
Que o mundo inteiro, amor, há de cantar comigo.
Destino
Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Florece!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem…
Ai!, não mo disse ninguém.Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino .
Vim cumprir o meu destino…
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.
Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãeTudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesano meio de um laranjal…
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
Na Ampla Praça há apenas Plátanos
Na ampla praça há apenas plátanos.
Nem crianças a correm de tão fria,
nem estátuas a comovem bronzeadas.
Das margens secas, com ilhas e outras casas,
janelas, se as há, são quase setas.
O frio perfurou tábuas e latas.
Um vento seco corta junto aos olhos.O espaço é recomposto agora mesmo: na praça
estou na sombra dos plátanos
e tudo vejo com vontade e amor.
Mas não chega a presença ou a vontade.
Outros não chegam, ou aparecem apressados.
Nomes se referem. Desenha-se um olhar.
Apenas gesto, memória, sombra rara.Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me.
Das margens sempre vem algum calor.
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se.
As casas iluminam-se. Um grito
cobre a sombra e assim anima
a ampla solidão de todos nós.
Constância Feminina
Agora já me amaste por um dia inteiro.
Amanhã, quando partires, o que dirás?
Irás antedatar algum voto mais recente?
Ou dizer que, agora,
Já não somos exactamente os mesmos de antes?
Ou que as juras, feitas por medo reverencial
Ao Amor e à sua ira, se podem renegar?
Ou, como veras mortes desligam veros casamentos,
A imagem destes, os contratos dos amantes
Unem só até que o sono, imagem da morte, os separe?
Para justificar teus próprios fins,
Tendo proposto mudança e falsidade, não terás tu
Outro meio senão a falsidade para seres sincera?
Lunática vã, contra tais evasivas eu poderia
Argumentar e ganhar, se quisesse,
O que me abstenho de fazer
Porque, amanhã, poderei vir a pensar como tu.Tradução de Helena Barbas
Canção de Amor
Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
faria amor, assim, com as palavras.
Eu cantaria mesmo que tu não existisses
porque haveria de doer-me a tua ausência.Por isso canto. Alegre ou triste, canto.
Como se, cantando, tocasse a tua boca,
ainda antes da tua presença.
Direi mesmo, depois da tua morte.Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
ó minha amiga, doce companheira.
Eu festejo o teu corpo como um rio,
onde, exausto, chegarei ao mar.Sim, eu cantaria mesmo que tu não existisses,
porque nada eu direi sem o teu nome.
Porque nada existe além da tua vida,
da tua pele macia, dos teus olhos magoados.Assim quero cantar-te, meu amor,
para além da morte, para além de tudo.
Que Bem Sabe o Amor Constante
Até no carro te canto,
Fala a fala, seio a seio,
Espantado de um encanto
Que mais parece receioDe te perder à partida
Pra te ganhar à chegada,
Pois tu és a minha vida
Na ida e volta arriscada.Vai o Godinho ao volante
Com seu ar de conde antigo
Que bem sabe o amor constante
Que me aparelha contigo.Poupado na gasolina,
Discreto na confidência,
Navegador à bolina
Dos rumos da nossa ausência.Leva-me à Embaixada, ao almoço:
Travou, mas não sei que tenho:
Um resto de ardor de moço
Contigo no meu canhenho.
O Instante Antes do Beijo
Não quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
O Poema Ensina a Cair
O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excedeaté à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.
A única Doença é não Haver Paixão
A única doença é
não haver paixão.Há pessoas que encontram no mundo um mero
local de passagem, pessoas que não sentem o que
vêem, que não tocam o que encontram; há pessoas
que não percebem que tudo o que existe foi criado
para apaixonar, para absolutamente apaixonar.Se não houver paixão
para que serve haver a vida?Há pessoas
e depois existes tu.Tu e a loucura de quereres devorar o que te
rodeia, tu e essa pulsão incontrolável para todos
os segundos serem os finais, para todos os instantes
da vida terem desesperadamente de valer pela vida toda.Se não houver o que tu és
para que serve haver o amor?E depois existo eu. A apaixonada que ensinaste
a apaixonar-se. Antes de ti não havia o tesão, havia
talvez uma ligeira excitação quando algo de muito
grande me acontecia. Antes de ti não sabia a
beleza do medo, a sensação sem igual de um coração nas
mãos. Antes de ti não sabia que um coração ou está
nas mãos ou anda a rastejar pelos chãos.
A Humana Súmula
A Piedade deixaria de existir
Se não fizéssemos nós os Pobres de pedir;
E a Compaixão também acabaria
Se a todos, como nós, feliz chegasse o dia.E a paz se alcança com mútuo terror,
Até crescer o egoísmo do amor:
A Crueldade tece então a sua rede,
E lança seu isco, cuidadosa, adrede.Senta-se depois com temores sagrados,
E de lágrimas os chãos ficam regados;
A raiz da Humildade ali então se gera
Debaixo do seu pé, atenta, espera.Em breve sobre a cabeça se lhe estende
A sombra daquele Mistério que ofende;
É aí que Verme e Mosca se sustentam
Do Mistério que ambos acalentam.E o fruto que gera é o do Engano
Doce ao comer e tão malsano;
E o Corvo o seu ninho ali o faz
No mais espesso da sombra que lhe apraz.Todos os Deuses, quer da terra quer do mar,
P’la Natureza esta Árvore foram procurar;
Mas foi em vão esta procura insana,
Esta Árvore cresce só na Mente Humana.Tradução de Hélio Osvaldo Alves
Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Aliança
Por tudo quanto sei, mas não sabia,
(Feliz de quem um dia ainda o souber!)
Por essa estrela branca em noite fria!
Anunciação, talvez, de poesia…
Por ti, minha mulher!Por esse homem que sou, mas que não era,
Vendo na morte a vida que vier!
Por teu sorriso em minha vida austera.
Anunciação, talvez de Primavera…
Por ti, minha mulher!Pelo caminho humano a que vieste
Com fé no amor. — Seja o que Deus quiser!
Por certa fonte abrindo a rocha agreste…
Por esse filho loiro que me deste!
Por ti, minha mulher!Pelo perdão que espalho aos quatro ventos,
De antemão cego ao mal que me trouxer
Despeitos surdos, pérfidos momentos;
Pelos teus passos, junto aos meus, mais lentos…
Por ti, minha mulher!Nada mais digo. Nada. Que não posso!
Mas dirá mais do que eu quem não disser
Como eu?: — Avé-Maria… Padre-Nosso…
Por tudo quanto é meu (e que é tão nosso!)
Por ti, minha mulher!