Poemas sobre Espaço

148 resultados
Poemas de espaço escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Febre Vermelha

Rozas de vinho! Abri o calice avinhado!
Para que em vosso seio o labio meu se atole:
Beber até cair, bebedo, para o lado!
Quero beber, beber até o ultimo gole!

Rozas de sangue! Abri o vosso peito, abri-o!
Montanhas alagae! deixae-as trasbordar!
As ondas como o oceano, ou antes como um rio
Levando na corrente Ophelias de luar…

Camelias! Entreabri os labios de Eleonora!
Desabrochae, á lua, a ancia dos vossos calis!
Dá-me o teu genio, dá! ó tulipa de aurora!
E dá-me o teu veneno, ó rubra digitalis…

Papoilas! Descerrae essas boccas vermelhas!
Apagae-me esta sede estonteadora e cruel:
Ó favos rubros! os meus labios são abelhas,
E eu ando a construir meu cortiço de mel…

Rainunculos! Corae minhas faces-de-terra!
Que seja sangue o leite e rubins as opalas!
Tal se vêm pelo campo, em seguida a uma guerra,
Tintos da mesma cor os corações e as balas!…

Chagas de Christo! Abri as petalas chagadas!
N’uma raiva de cor, n’uma erupção de luz!
Escancarae a bocca, ás vermelhas rizadas,
Cancros de Lazaro!

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A Teia da Esperança

A teia tecida
nas noites de esperança,
rasgada e ferida,
segue a nossa andança.

E juntos, mãos dadas,
olhamos pra ela,
vontades paradas,
quais barcos sem vela.

Amigo, que o braço
cansado de tédio
ergamos no espaço!
É esse o remédio.

Depois de cerzidas,
não ficam marcadas
profundas feridas
em teias rasgadas!

Poema da Eterna Presença

Estou, nesta noite cálida, deliciadamente estendido sobre a relva,
de olhos postos no céu, e reparo, com alegria,
que as dimensões do infinito não me perturbam.
(O infinito!
Essa incomensurável distância de meio metro
que vai desde o meu cérebro aos dedos com que escrevo!)

O que me perturba é que o todo possa caber na parte,
que o tridimensional caiba no dimensional, e não o esgote.

O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo.
E em mim continuaria a caber se me cortassem braços e pernas
porque eu não sou braço nem sou perna.

Se eu tivesse a memória das pedras
que logo entram em queda assim que se largam no espaço
sem que nunca nenhuma se tivesse esquecido de cair;
se eu tivesse a memória da luz
que mal começa, na sua origem, logo se propaga,
sem que nenhuma se esquecesse de propagar;
os meus olhos reviveriam os dinossáurios que caminharam sobre a Terra,
os meus ouvidos lembrar-se-iam dos rugidos dos oceanos que engoliram
continentes,

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Entre a Flor e o Tempo

Também de dor se morre pois é morte
o sentimento ausente. O ser feliz
é ser presente, sem que mais importe
esse profundo sulco e a cicatriz
que no corpo nos marca o sofrimento.
Assim é nossa vida, sempre o lance
de viver, mesmo em dor, e dos momentos
erguer templos, embora breve o alcance
em nós do tempo. E o que restar do ardor
com que se vive o amor enfim carrega
em rosa mais perfeita e em outro amor
sonhado da extensão de nossa entrega.
No impulso com que o espaço alcança o tempo
a vida se ergue além do sofrimento.

O Amor é o Amor

O amor é o amor — e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?…

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor
e trocamos — somos um? somos dois?
espírito e calor!

O amor é o amor — e depois?

Do Inquieto Oceano da Multidão

Do inquieto oceano da multidão
veio a mim uma gota gentilmente
suspirando:

— Eu te amo, há longo tempo
fiz uma extensa caminhada apenas
para te olhar, tocar-te,
pois não podia morrer
sem te olhar uma vez antes,
com o meu temor de perder-te depois.

— Agora nos encontramos e olhamos,
estamos salvos,
retorna em paz ao oceano, meu amor,
também sou parte do oceano, meu amor,
não estamos assim tão separados,
olha a imensa curvatura,
a coesão de tudo tão perfeito!
Quanto a mim e a ti,
separa-nos o mar irresistível
levando-nos algum tempo afastados,
embora não possa afastar-nos sempre:
não fiques impaciente — um breve espaço
e fica certa de que eu saúdo o ar,
a terra e o oceano,
todos os dias ao pôr-do-sol
por tua amada causa, meu amor.

Ó HÍMEN! Ó HIMENEU!

O hímen! O himeneu!
Por que, me atormentas assim?
Por que, me provocas só
durante um breve momento?
Por que é que não continuas?
Por que, perdes logo a força?

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Memória

I

Na cristalina, líquida presença,
crescente lua no abismo enquanto
o mar se cala, desconheço a margem
onde me espera no desejo
esguio do poente a deusa branca…

À ínfima visão dum lírio encosto
o meu soluço! O espaço é grande…
Não invoco o lugar mas a verdade
surge aquém da espera…

Gaivotas sussurrantes, deixo a música
morrer, pegadas frescas, desperdícios
quentes na relva da minha alma…

II

Quando se oculta julgando a noite
indefesa enorme, a fugidia
estrela me ilumina e desce!

Vem até mim, quebrada a natural
cadência do seu mundo, e cresce… cresce…
Tentáculos de luz me envolvem. Comovido,
aperto em minhas mãos o elanguescente
ardor do seu chegar…

III

Reconquisto agora o teu rosto, um horizonte,
silêncio de grito suspenso, labirinto,
mais desfeito
no hálito das nuvens…

Me surges tão sem ti
que envolve o dia a espessura deste longe…
E afogo assim na íntima, na única
beleza do teu rasto,
o meu soluço de água…

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Origens

Quando ainda não éramos,
víamos em toda a direção,
não obstante o Céu
por sobre nós conviesse
a cabeça terrena.
Mas, ai, o terrível instante
em que já não mais
o olho que vira se mantinha.
Tudo então se pensou.
E as nuvens, a cor
das águas azuis que se entregavam
em flores sexuais se entregavam
em flores sexuais se bipartiram
abrindo em volta de nós
os espaços da dor.

E eis nosso dia.

Ser Real quer Dizer não Estar Dentro de Mim

Seja o que for que esteja no centro do Mundo,
Deu-me o mundo exterior por exemplo de Realidade,
E quando digo «isto é real», mesmo de um sentimento,
Vejo-o sem querer em um espaço qualquer exterior,
Vejo-o com uma visão qualquer fora e alheio a mim.

Ser real quer dizer não estar dentro de mim.
Da minha pessoa de dentro não tenho noção de realidade.
Sei que o Mundo existe, mas não sei se existo.
Estou mais certo da existência da minha casa branca
Do que da existência interior do dono da casa branca.
Creio mais no meu corpo do que na minha alma,
Porque o meu Corpo apresenta-se no meio da realidade.
Podendo ser visto por outros,
Podendo tocar em outros,
Podendo sentar-se e estar de pé,

Mas a minha alma só pode ser definida por termos de fora.
Exista para mim — nos momentos em que julgo que efectivamente existe —
Por um empréstimo da realidade exterior do Mundo.

Se a alma é mais real
Que o mundo exterior, como tu, filósofo, dizes,
Para que é que o mundo exterior me foi dado como tipo da realidade?

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O Seu Nome

I

Ella não sabe a luz suave e pura
Que derrama n’uma alma acostumada
A não vêr nunca a luz da madrugada
Vir raiando senão com amargura!

Não sabe a avidez com que a procura
Ver esta vista, de chorar cançada,
A ella… unica nuvem prateada,
Unica estrella d’esta noite escura!

E mil annos que leve a Providencia
A dar-me este degredo por cumprido,
Por acabada já tão longa ausencia,

Ainda n’esse instante appetecido
Será meu pensamento essa existencia…
E o seu nome, o meu ultimo gemido

II

Oh! o seu nome
Como eu o digo
E me consola!
Nem uma esmola
Dada ao mendigo
Morto de fome!

N’um mar de dôres
A mãe que afaga
Fiel retrato
De amante ingrato,
Unica paga
Dos seus amores…

Que rota e nua,
Tremulos passos,
Só mostra á gente
A innocente
Que traz nos braços
De rua em rua;

Visto que o laço
Que a prende á vida
E só aquella
Candida estrella
Que achou cahida
No seu regaço;

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Não Choro pela Pátria

Não choro pela pátria Ninguém chora pela pátria
Retém-se o grito que lavra pelo corpo
sulcos sangrentos e o faz sentir em si a pele
que se separa e se encolhe ante a violência
da dispersão comum e do falso fulgor
que encobre a irreparável divisão
de se ter perdido o universo e a viva comunidade
Onde estão aqueles que poderiam metamorfosear
a indigência da separação real
abrindo um espaço de respiração solar
e reunir num todo os que conhecem a sua solidão
e os que nem sequer sentem a vertigem de a nada pertencerem
senão à negação que se afirma em lugar da integridade viva?

No Fim

No fim de tudo dormir.
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser…,
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.

A Leitora

A leitora abre o espaço num sopro subtil.
Lê na violência e no espanto da brancura.
Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.
Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.
Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.

Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.
Desce pelos bosques como uma menina descalça.
Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva
em chama de água. Na imaculada superfície
ou na espessura latejante, despe-se das formas,

branca no ar. É um torvelinho harmonioso,
um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira
na sede obscura de palavras verticais.
A água move-se até ao seu princípio puro.
O poema é um arbusto que não cessa de tremer.

Definição

Quem esquece o amor, e o dissipa, saberá
que sentimento corrompe, ou apenas se o coração
se encontra no vazio da memória? O vento
não percorre a tarde com o seu canto alucinado,
que só os loucos pressentem, para que tu
o ignores; nem a sabedoria melancólica das árvores
te oferece uma sombra para que lhe
fujas com um riso ágil de quem crê
na superfície da vida. Esses são alguns limites
que a natureza põe a quem resiste à convicção
da noite. O caminho está aberto, porém,
para quem se decida a reconhecê-los; e os própnos
passos encontram a direcção fácil nos sulcos
que o poema abriu na erva gasta da linguagem. Então,
entra nesse campo; não receies o horizonte
que a tempestade habita, à tarde, nem o vulto inquieto
cujos braços te chamam. Apropria-te do calor
seco dos vestíbulos. Bebe o licor
das conchas residuais do sexo. Assim, os teus lábios
imprimem nos meus uma marca de sangue, manchando
o verso. Ambos cedemos à promiscuidade do poente,
ignorando as nuvens e os astros. O amor
é esse contacto sem espaço,

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Há em Cada Coisa Aquilo que Ela É que a Anima

Também sei fazer conjecturas.
Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.
Na planta está por fora e é uma ninfa pequena.
No animal é um ser interior longínquo.
No homem é a alma que vive com ele e é já ele.
Nos deuses tem o mesmo tamanho
E o mesmo espaço que o corpo
E é a mesma coisa que o corpo.
Por isso se diz que os deuses nunca morrem.
Por isso os deuses não têm corpo e alma
Mas só corpo e são perfeitos.
O corpo é que lhes é alma
E têm a consciência na própria carne divina.

Tenho Tudo

Tenho tudo o que não quero.
Perder não é senão o intervalo
entre aguardar e nada ter.
(Que melodia é esta que povoa
o espaço em meu redor?)

Tenho tudo. Nada quero.
Meu coração desconhece
o compasso que amanhece
tudo em torno.
No entanto,
meus passos seguem.
No encalço de quê?

Tenho tudo: a noite
abrigada em meu peito,
a música de meus passos,
a relva, a distância coberta
por inesquecível melodia.
Não quero mais do que tenho.
(Um canto flutua no ar vazio.)

Tenho tudo:
os pássaros que me fogem dos olhos
para saudar, no horizonte,
a úmida manhã que principia.

Árvore

Conheço as suas raízes. É tudo o que vejo.
Há um movimento que a percorre devagar. Não sei
se ela existe. Imagino apenas como são os ramos,
este odor mais secreto, as primeiras folhas
aquecidas. Mas eu existo para ela. Sou
a sua própria sombra, o espaço que fica à volta
para que se torne maior. É assim que chega
o que não passa de um pressentimento. Ela compreende
este segredo. Estremece. Comigo procuro trazer
só um pouco de terra. É a terra de que ela precisa.

Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

Projecto de Bodas

Hoje apetece que uma rosa seja
o coração exterior do dia
e a tua adolescência de cereja
no meu bico de Isolda cotovia.

Hoje apetece a intuição dum cais
para a lucidez de não chegar a tempo
e ficarmos violetas nupciais
com a lua a celebrar o casamento.

Apetece uma casa cor-de-rosa
com um galo vermelho no telhado
e os degraus duma seda vagarosa
que nunca chegue à varanda do noivado.

Hoje apetece que o cigarro saiba
a ter fumado uma cidade toda.
Ser o anel onde o teu dedo caiba
e faltarmos os dois à nossa boda.

Hoje apetece um interior de esponja
E como estátua a que moldar o vento.
Deitar as sortes e, se sair monja,
Navegar ao acaso o meu convento.

Hoje apetece o mundo pelo modo
Como vai despenhar-se um trapezista.
Abrir mais uma flor no nosso lodo:
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista.

Hoje apetece que a cor dum automóvel
Seja o Egipto de novo em movimento;
E que no espaço duma gota imóvel
Caiba a possível capital do vento.

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Inquérito

Pergunta às árvores da rua
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.

Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.

Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.

Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.

Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,

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