Poemas sobre Espaço

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Poemas de espaço escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

No Fim

No fim de tudo dormir.
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser…,
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.

A Leitora

A leitora abre o espaço num sopro subtil.
Lê na violência e no espanto da brancura.
Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.
Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.
Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.

Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.
Desce pelos bosques como uma menina descalça.
Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva
em chama de água. Na imaculada superfície
ou na espessura latejante, despe-se das formas,

branca no ar. É um torvelinho harmonioso,
um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira
na sede obscura de palavras verticais.
A água move-se até ao seu princípio puro.
O poema é um arbusto que não cessa de tremer.

Definição

Quem esquece o amor, e o dissipa, saberá
que sentimento corrompe, ou apenas se o coração
se encontra no vazio da memória? O vento
não percorre a tarde com o seu canto alucinado,
que só os loucos pressentem, para que tu
o ignores; nem a sabedoria melancólica das árvores
te oferece uma sombra para que lhe
fujas com um riso ágil de quem crê
na superfície da vida. Esses são alguns limites
que a natureza põe a quem resiste à convicção
da noite. O caminho está aberto, porém,
para quem se decida a reconhecê-los; e os própnos
passos encontram a direcção fácil nos sulcos
que o poema abriu na erva gasta da linguagem. Então,
entra nesse campo; não receies o horizonte
que a tempestade habita, à tarde, nem o vulto inquieto
cujos braços te chamam. Apropria-te do calor
seco dos vestíbulos. Bebe o licor
das conchas residuais do sexo. Assim, os teus lábios
imprimem nos meus uma marca de sangue, manchando
o verso. Ambos cedemos à promiscuidade do poente,
ignorando as nuvens e os astros. O amor
é esse contacto sem espaço,

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Há em Cada Coisa Aquilo que Ela É que a Anima

Também sei fazer conjecturas.
Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.
Na planta está por fora e é uma ninfa pequena.
No animal é um ser interior longínquo.
No homem é a alma que vive com ele e é já ele.
Nos deuses tem o mesmo tamanho
E o mesmo espaço que o corpo
E é a mesma coisa que o corpo.
Por isso se diz que os deuses nunca morrem.
Por isso os deuses não têm corpo e alma
Mas só corpo e são perfeitos.
O corpo é que lhes é alma
E têm a consciência na própria carne divina.

Tenho Tudo

Tenho tudo o que não quero.
Perder não é senão o intervalo
entre aguardar e nada ter.
(Que melodia é esta que povoa
o espaço em meu redor?)

Tenho tudo. Nada quero.
Meu coração desconhece
o compasso que amanhece
tudo em torno.
No entanto,
meus passos seguem.
No encalço de quê?

Tenho tudo: a noite
abrigada em meu peito,
a música de meus passos,
a relva, a distância coberta
por inesquecível melodia.
Não quero mais do que tenho.
(Um canto flutua no ar vazio.)

Tenho tudo:
os pássaros que me fogem dos olhos
para saudar, no horizonte,
a úmida manhã que principia.

Árvore

Conheço as suas raízes. É tudo o que vejo.
Há um movimento que a percorre devagar. Não sei
se ela existe. Imagino apenas como são os ramos,
este odor mais secreto, as primeiras folhas
aquecidas. Mas eu existo para ela. Sou
a sua própria sombra, o espaço que fica à volta
para que se torne maior. É assim que chega
o que não passa de um pressentimento. Ela compreende
este segredo. Estremece. Comigo procuro trazer
só um pouco de terra. É a terra de que ela precisa.

Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

Projecto de Bodas

Hoje apetece que uma rosa seja
o coração exterior do dia
e a tua adolescência de cereja
no meu bico de Isolda cotovia.

Hoje apetece a intuição dum cais
para a lucidez de não chegar a tempo
e ficarmos violetas nupciais
com a lua a celebrar o casamento.

Apetece uma casa cor-de-rosa
com um galo vermelho no telhado
e os degraus duma seda vagarosa
que nunca chegue à varanda do noivado.

Hoje apetece que o cigarro saiba
a ter fumado uma cidade toda.
Ser o anel onde o teu dedo caiba
e faltarmos os dois à nossa boda.

Hoje apetece um interior de esponja
E como estátua a que moldar o vento.
Deitar as sortes e, se sair monja,
Navegar ao acaso o meu convento.

Hoje apetece o mundo pelo modo
Como vai despenhar-se um trapezista.
Abrir mais uma flor no nosso lodo:
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista.

Hoje apetece que a cor dum automóvel
Seja o Egipto de novo em movimento;
E que no espaço duma gota imóvel
Caiba a possível capital do vento.

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Inquérito

Pergunta às árvores da rua
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.

Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.

Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.

Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.

Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,

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Nasceu um Menino

Nasceu, nasceu um Menino,
Nasceu um Menino mais,
No bercinho pouco fino
Das palhas duns animais!

Que num vil curral por quarto
E entre uns pedregulhos nus,
Teve a santa dor do parto
A Mulher que o deu à luz.

Mas de cada vez, no mundo,
Que mais um ser aparece,
Quem pode descer ao fundo
Do que o Destino nos tece?

À hora em que Este chegava,
Lá para um cerro distante,
Por cada fibra chorava
Una velho cedro gigante.

Chorava porque sabia
Que em seu peito condenado
Aquele Menino, um dia,
Seria crucificado.

Ora cada vez, no mundo,
Que nasce mais um Menino,
Quem pode descer ao fundo
Do que nos tece o Destino?

Já, pelos céus fora, um astro
Descendo sobre o curral,
Abre para sempre um rastro
De alvor sobrenatural.

E o velho cedro, que chora
Porque se julga precito,
Pelos séculos em fora
Será sagrado e bendito.

Que abertos pelos espaços,
No azul sereno e profundo,

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Era um Pássaro Alto

Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nós devoramos o nosso amor.

Era a sombra de uma mão sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua própria extensão.

Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.

Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.

Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lírio.

Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar.

Com a Altura da Idade a Casa se Acrescenta

Com a altura da idade a casa se acrescenta.
Não é que aumente a quantidade ao espaço.
Mas, sendo mais longínquos, o desapego pensa
maior distância quando se fica a olhá-lo.
Ou, se quiserem, uma realeza
se instala à volta dessa altura de anos,
de forma a que os objectos apareçam
na luz de quase já nem os amarmos.
Então a casa distende-se na intensa
inteligência de estarmos
a ver as coisas amarem-se a si mesmas.
Ou com a forma a difundir seu espaço.

Amar é Pensar

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

Amor Místico

Quando a minha alma nasceu
Para onde olhou primeiro,
E viu tudo um nevoeiro,
Foi lá cima para o céu…
Que a alma nunca lhe passa
De ideia a fonte da graça!

Em toda a ânsia de luz,
Em toda a ânsia de gozo,
Sempre aquele olhar ansioso
Nesse ideal de Jesus…
Nesse bem que não se exprime…
Êxtase de amor sublime!

Olhava da solidão,
Onde se sentia presa,
Com a natural tristeza
Dos ferros de uma prisão…
À espera sempre da hora
Que lhe raiasse a aurora!

Bem a chamavam de cá
Sempre os cuidados do dia;
Ela, que nunca os ouvia,
Olhava, mas para lá…
Donde ela mesmo viera,
Donde todo o bem se espera!

Um dia (nem eu sei qual,
Que em suma foi isso há tanto!)
Vê com uns olhos de espanto
Romper-se a névoa geral;
E como um sol recortado
Nesse mar enevoado…

E dentro desse clarão,
Como em círculo de prata,
Que imagem se lhe retrata,
Fosse verdade ou visão?

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O Grito

Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse

Z

As formas, as sombras, a luz que descobre a noite
e um pequeno pássaro

e depois longo tempo eu te perdi de vista
meus braços são dois espaços enormes
os meus olhos são duas garrafas de vento

e depois eu te conheço de novo numa rua isolada
minhas pernas são duas árvores floridas
os meus dedos uma plantação de sargaços

a tua figura era ao que me lembro da cor do jardim.

H

Sei que dez anos nos separam de pedras
e raízes nos ouvidos

e ver-te, ó menina do quarto vermelho,
era ver a tua bondade, o teu olhar terno
de Borboleta no Infinito

e toda essa sucessão de pontos vermelhos no espaço
em que tu eras uma estrela que caiu
e incendiou a terra

lá longe numa fonte cheia de fogos-fátuos.

Eu não Quero o Presente, Quero a Realidade

Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.

Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

Ofício de Amar

já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras
[galáxias, e
[o remorso

um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo

Um Ofício que Fosse de Intensidade e Calma

Um ofício que fosse de intensidade e calma
e de um fulgor feliz E que durasse
com a densidade ardente e contemporâneo
de quem está no elemento aceso e é a estatura
da água num corpo de alegria E que fosse   fundo
o fervor de ser a metamorfose da matéria
que já não se separa da incessante busca
que se identifica com a concavidade originária
que nos faz andar e estar de pé
expostos sempre à única face do mundo
Que a palavra fosse sempre   a travessia
de um espaço em que ela própria fosse aérea
do outro lado de nós e do outro lado de cá
tão idêntica a si que unisse o dizer e o ser
e já sem distância e não-distância nada a separasse
desse rosto que na travessia é o rosto do ar e de nós próprios