Poemas sobre Música

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Poemas de música escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

blues da morte de amor

já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida,

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A Velhice Pede Desculpas

Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.

Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.

Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.

Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.

Ofício de Amar

já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras
[galáxias, e
[o remorso

um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo

Ó Minha Felicidade

Revejo os pombos de São Marcos:
A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamá-los
Para prender mais uma rima às suas penas.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,
Planas, protector, sobre o edifício multicor
De que gosto, que digo eu?… Que receio, que invejo…
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
Não, não falemos disso, ó maravilha dos olhos!
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos…
Serias, em francês, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende…
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Afasta-te, música. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda não cintilam no seu esplendor de rosa;

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Um Pouco Mais de Nós

Podes dar uma centelha de lua,
um colar de pétalas breves
ou um farrapo de nuvem;
podes dar mais uma asa
a quem tem sede de voar
ou apenas o tesouro sem preço
do teu tempo em qualquer lugar;
podes dar o que és e o que sentes
sem que te perguntem
nome, sexo ou endereço;
podes dar em suma, com emoção,
tudo aquilo que, em silêncio,
te segreda o coração;
podes dar a rima sem rima
de uma música só tua
a quem sofre a miséria dos dias
na noite sem tecto de uma rua;
podes juntar o diamante da dádiva
ao húmus de uma crença forte e antiga,
sob a forma de poema ou de cantiga;
podes ser o livro, o sonho, o ponteiro
do relógio da vida sem atraso,
e sendo tudo isso serás ainda mais,
anónimo, pleno e livre,
nau sempre aparelhada para deixar o cais,
porque o que conta, vendo bem,
é dar sempre um pouco mais,
sem factura, sem fama, sem horário,
que a máxima recompensa de quem dá
é o júbilo de um gesto voluntário.

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o suporte da música

o suporte da música pode ser a relação
entre um homem e uma mulher, a pauta
dos seus gestos tocando-se, ou dos seus
olhares encontrando-se, ou das suas

vogais adivinhando-se abertas e recíprocas,
ou dos seus obscuros sinais de entendimento,
crescendo como trepadeiras entre eles.
o suporte da música pode ser uma apetência

dos seus ouvidos e do olfacto, de tudo o que se
ramifica entre os timbres, os perfumes,
mas é também um ritmo interior, uma parcela
do cosmos, e eles sabem-no, perpassando

por uns frágeis momentos, concentrado
num ponto minúsculo, intensamente luminoso,
que a música, desvendando-se, desdobra,
entre conhecimento e cúmplice harmonia.

Prazeres

O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.

Pequena Elegia de Setembro

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

lamento para a língua portuguesa

não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.

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Gargalhada

Hornem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Não vês?
É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras…

O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.

Mas é preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trémulas…

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.

Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.

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Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!

Sugestão

Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.

Quando o Meu Amor Vem Ter Comigo

quando o meu amor vem ter comigo é
um pouco como música,um
pouco mais como uma cor curvando-se(por exemplo
laranja)
contra o silêncio,ou a escuridão….

a vinda do meu amor emite
um maravilhoso odor no meu pensamento,

devias ver quando a encontro
como a minha menor pulsação se torna menos.
E então toda a beleza dela é um torno

cujos quietos lábios me assassinam subitamente,

mas do meu cadáver a ferramenta o sorriso dela faz algo
subitamente luminoso e preciso

—e então somos Eu e Ela….

o que é isso que o realejo toca

Tradução de Cecília Rego Pinheiro

As Coisas Transitórias

Irmão,
nada é eterno, nada sobrevive.
Recorda isto, e alegra-te.

A nossa vida
não é só a carga dos anos.
A nossa vereda
não é só o caminho interminável.
Nenhum poeta tem o dever
de cantar a antiga canção.
A flor murcha e morre;
mas aquele que a leva
não deve chorá-la sempre…
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Chegará um silêncio absoluto,
e, então, a música será perfeita.
A vida inclinar-se-á ao poente
para afogar-se em sombras doiradas.
O amor há-de ser chamado do seu jogo
para beber o sofrimento
e subir ao céu das lágrimas …
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Apanhemos, no ar, as nossas flores,
não no-las arrebate o vento que passa.
Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos
roubando beijos que murchariam
se os esquecêssemos.

É ânsia a nossa vida
e força o nosso desejo,
porque o tempo toca a finados.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Não podemos, num momento, abraçar as coisas,
parti-las e atirá-las ao chão.
Passam rápidas as horas,

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Dinheiro

Quem quiser ter filhos que doire primeiro
A jarra onde, inteira, caiba alguma flor!
Ai dos que têm filhos, mas não têm herdeiro!
— Dinheiro! Dinheiro!
Ó canção de Amor!

As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos.
Os amantes sonham… Sonho passageiro!
Música de estrelas: Ética de enganos;
Ilusões, perdidas depois dos vinte anos..
E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro!

Teus pais, teus irmãos e tua mulher
Cercarão teu leito de herói derradeiro
(Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!)
E hão-de ali pedir-te o que o mundo quer:
— Dinheiro! Dinheiro!

Deixa-lhes os versos que um dia fizeste,
Amarrado ao lodo, porém verdadeiro.
E eles te dirão: — Pássaro celeste,
Morreste? Morrendo, que bem que fizeste!

Ó canção de amor!
Dinheiro! Dinheiro!

Como um Adeus Português

Meu amor, desaparecido no sono como sonho de outro sonho,
meu amor, perdido na música dos versos que faço e recomeço,
meu amor por fim perdido.

Nenhuma lâmpada se acende na câmara escura do esquecimento,
onde revelo em banho de prata as imagens que guardo de ti,
imagens que se desfiam na memória de haver corpos,
na memória da alegria que sempre guardamos para dar a alguém,
tremendo de medo, tropeçando de angústia,
enternecidos,
entontecidos,
como aves canoras soltas nos vendavais.

Perdi-te no momento certo de perder-te.
Aqui estão os augúrios, além o discernimento.
O amor em surdina desfez-se no seu dizer,
entre versos pobres, um corpo cansado,
e a doença sem fim do desejo mortal.

Apagaram-se as luzes. Nunca o vento da indiferença
me abrirá as mãos.
Nunca abdicarei deste quinhão de luz, o meu amor.
E agora vejo bem como as palavras caem,
não valem,
se desfolham e são pisadas por qualquer afirmação da vida,
da vida que não era para nós.

Da Música

A musica derrama-se
no corpo terroso
da palavra. Inclina-se
no mundo em mutação
do poema.

A música traz na bagagem
a memória do sangue; o caminho
do sol: Lume e cume
de palavras polidas.

A música rompe um rio de lava
por si mesmo criado. Lágrima
endurecida
onde cabem o mar
e a morte.

O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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