Marketing
Aqui a meu lado o bom cidadão
escolheu Sagres
que é tudo tudo cerveja
a pausa que refresca
a longa pausa de um longo cigarro King Size.
atenção ao marketing.
Eu não gosto de cerveja
mas tenho de gostar que os outros gostem de cerveja
sobretudo da Sagres
para não contrariar os fabricantes de cerveja.
atenção ao marketing.
ninguém contraria os fabricantes da Opel e da Super
[Silver
nem os fabricantes de alcatifas para panaceias
nem as panaceias nem os códigos e os édredons macios
nem as mensagens de natal dos estadistas
nem os negociantes de armas da Suiça
nem o homem da capa negra que virou costas ao
[Palmolive.[…]
Sagres é uma boa cerveja
e eu acabarei por gostar da Sagres
como gosto do Rexina.
Sagres é a pausa que refresca e tem vitaminas
todas as bebidas da televisão têm vitaminas
mesmo as do programa literário que é detergente
e eu uso-as e sou um cidadão perfeito
e até já consigo adormecer sem hipnóticos
depois de tomar o Tofa descafeínado
e no Verão visto calções de banho de fibras sintéticas
para me banhar na Torralta
cidadão perfeito perfeitamente bronzeado com o Ambre
[Solaire.
Poemas sobre Ninguém
215 resultadosO Homem e o Mar
Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente.Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Dás-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!E há séculos mil, séc’ulos inumeráveis,
Que os dois vos combateis n’uma luta selvagem,
De tal modo gostais n’uma luta selvagem,
Eternos lutador’s ó irmãos implacáveis!Tradução de Delfim Guimarães
Tempo
Tempo — definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado,
Amargura maior, fotografada.Tempo…
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!
Quem é homem de bem
Quem é homem de bem,
não trai
O amor que lhe quer
seu bem
Quem diz muito que vai
não vai
Assim como não vai
não vem
Quem de dentro de si
não sai
Vai morrer sem amar
ninguém
O dinheiro de quem
não dá
é o trabalho de quem
não tem
Capoeira que é bom
não cai
E se um dia ele cai
Cai bem!
Alma Humana, Formada de Coisa Nenhuma
Anjo:
Alma humana, formada
de nenhüa cousa, feita
mui preciosa,
de corrupção separada,
e esmaltada
naquela frágoa perfeita,
gloriosa;
planta neste vale posta
pera dar celestes flores
olorosas,
e pera serdes tresposta
em a alta costa
onde se criam primores
mais que rosas;planta sois e caminheira,
que ainda que estais, vos is
donde viestes.
Vossa pátria verdadeira
é ser herdeira
da glória que conseguis:
andai prestes.
Alma bem-aventurada,
dos anjos tanto querida,
não durmais;
um ponto não esteis parada,
que a jornada
muito em breve é fenecida,
se atentais.(…)
Adianta-se o Anjo, e vem o Diabo a ela [Alma], e diz o Diabo:
Tão depressa, ó delicada,
alva pomba, pera onde is?
Quem vos engana,
e vos leva tão cansada
por estrada,
que somente não sentis
se sois humana?
Não cureis de vos matar,
que ainda estais em idade
de crecer.
Tempo há i pera folgar
e caminhar…
Vivei à vossa vontade,
Estão Todas as Verdades à Espera em Todas as Coisas
Estão todas as verdades
à espera em todas as coisas:
não apressam o próprio nascimento
nem a ele se opõem,
não carecem do fórceps do obstetra,
e para mim a menos significante
é grande como todas.
(Que pode haver de maior ou menor
que um toque?)Sermões e lógicas jamais convencem
o peso da noite cala bem mais
fundo em minha alma.(Só o que se prova
a qualquer homem ou mulher,
é que é;
só o que ninguém pode negar,
é que é.)Um minuto e uma gota de mim
tranquilizam o meu cérebro:
eu acredito que torrões de barro
podem vir a ser lâmpadas e amantes,
que um manual de manuais é a carne
de um homem ou mulher,
e que num ápice ou numa flor
está o sentimento de um pelo outro,
e hão-de ramificar-se ao infinito
a começar daí
até que essa lição venha a ser de todos,
e um e todos nos possam deleitar
e nós a eles.
Poema do homem-rã
Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus
[braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Coração sem Imagens
Deito fora as imagens.
Sem ti, para que me servem
as imagens?Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em qualquer parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.
Definição do Amor
“Amor é fogo que arde sem se ver
é ferida que doi e não se sente
é um contentamento descontente
é dor que desatina sem doer”
(Camões)Que o poeta de todos os poetas
me conceda boa estrela
que a estrela de todos os astros
me premeie na lapela
prémios de honor
prefiro os muitos
oferecidos pelas mãos do amor
coroando o amor e seus heterónimos
nem vão caber nos JerónimosAmores anónimos não há
e assim foi pela madrugada
mesmo que seja um “assim fosse”
vou nomear-te namorada
ninguém já soube o que é o amor
se o amor é aquilo que ninguém viu
uma cor que fugiu
de um pano leve
e pairou serena e breve
no ar
(Pousa agora, borboleta
na pena deste poeta:)É uma cor que dá na vida
o amor
é uma luz que dá na cor
É uma cor que dá na vida
o amor
é uma luz que dá na cor
mas é uma batalha perdida
que se trava com ardor
é uma cor que dá na vida
o amor
dor que desatina sem doerSe devagar se vai ao longe
devagar te quero perto
mesmo que o que arde nunca cure
vou beijar-te a sol aberto
é já dos livros que o instante
se parece tanto com a eternidade
e que o amor,
Uma Recordação
Não há homem que consiga deixar uma marca
nela. Todo o passado se dilui num sonho
como uma rua na manhã e só fica ela.
Se não fosse a testa franzida por um momento
pareceria atónita. As maçãs do rosto têm sempre
um sorriso.Também não se acumulam os dias
no seu rosto, nem alteram o sorriso leve
que irradia sobre todas as coisas. Com uma firmeza dura
faz cada coisa como se fosse a primeira;
no entanto vive-a até ao último momento. O seu corpo
firme abre-se, o olhar recolhido,
a uma voz doce e algo rouca: à voz
dum homem cansado. E nenhum cansaço a toca.Quando se lhe olha para a boca, semicerra os olhos
à espera: ninguém se arriscaria.
Muitos homens conhecem o seu ambíguo sorriso
ou a súbita ruga. Se homem existiu
que a soube queixosa, humilhada de amor,
paga dia após dia, ignorando dela
por quem vive hoje.Caminhando pela rua
sorri sozinha o sorriso mais ambíguo.Tradução de Carlos Leite
Para Ser Lido Mais Tarde
Um dia
quando já não vieres dizer-me Vem
jantarquando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta quandojá não vieres dizer-me Pai
vem ver os meus deveresquando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalhopara ti será o começo de tudo
Uma outra vida haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferendaHás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instanteMas para mim será já tão frio e já tão tarde
E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara
Não Trago Recordações
Não trago recordações.
Escolheria as que não interessam a ninguém.
Como se erguesse contra mim o tiro de uma arma
ou acabasse de ler as disposições da comuna
sobre as mulheres.
Precisamos um do outro
esta noiteferido por uma bala.
Os dois os três dias que se vão seguir.
Os envelopes foram destruídos.
As coisas
as cartaso tempo é sempre magnífico.
Terra povoada de gente
mil e uma coisas que fazem uma arma
soltar o corpo
para o corpo de outro corpo.As frases começadas
hei-de um dia os mundos desta vida.
Onde Estará aquele Velho Álbum?
Onde estará aquele velho álbum? A cena
das fiandeiras sob as trombetas que o fechavam.
Os ancestrais esperam… Seria um mero encontro
não houvesse a consciências das coisas deixadas para trás.
Pompéia desenterrada. O valor menos notado
também assombra a idade. Afinal, para que encontrarmos
humanos petrificados embaixo de um tempo
que só poderia existir dentro daquilo mesmo?
O amor não foi maior ou menor para eles. Ontem
ninguém autorizou essa exibição nem a de uma família
embaixo da ponte. Mas essa parte de pedra
que nunca podemos entender e que teríamos
depois de séculos pode ainda enterrar
todos os nossos sonhos num instante.
O que Ouviu os Meus Versos
O que ouviu os meus versos disse-me: “Que tem isso de novo?”
Todos sabem que unia flor é uma flor e uma árvore é uma árvore.
Mas eu respondi, nem todos, ninguém.
Porque todos amam as flores por serem belas, e eu sou diferente
E todos amam as árvores por serem verdes e darem sombra, mas eu não.
Eu amo as flores por serem flores, diretamente.
Eu amo as árvores por serem árvores, sem o meu pensamento.
Intimidade
Que ninguém hoje me diga nada.
Que ninguém venha abrir a minha mágoa,
esta dor sem nome
que eu desconheço donde vem
e o que me diz.
É mágoa.
Talvez seja um começo de amor.
Talvez, de novo, a dor e a euforia de ter vindo ao
[mundo.
Pode ser tudo isso, ou nada disso.
Mas não o afirmo.
As palavras viriam revelar-me tudo.
E eu prefiro esta angústia de não saber de quê.
Quase um Poema de Amor
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
Cerca de Grandes Muros Quem te Sonhas
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és –
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês…
Cantigas
Quando vejo a minha amada
Parece que o Sol nasceu;
Cantai, cantai alvorada
Ó avezinhas do céu.Nessas águas do Mondego
Se pode a gente mirar,
Elas procuram sossego…
E vão caminho do mar.A rosa que tu me deste
Peguei-lhe, mudou de cor;
Tornou-se de azul-celeste
Como o céu do nosso amor.Não me fales da janela,
Que te não ouço da rua;
Fala-me de alguma estrela,
Que te vou ouvir da Lua.Dizes que a letra não deve
Ser nunca miudinha;
Mas grada ou miúda escreve,
Que o coração adivinha.Não digas que me não amas
A ver se tenho ciúme;
Os laços do amor são chamas,
E não se brinca com lume.A virgem dos meus amores
Sobressai entre as mais belas:
É como a rosa entre flores,
É como o Sol entre estrelas.Eu zombo de sol e chuva,
Noite e dia, terra e mar;
Ais de uma pobre viúva,
Se os ouço, dá-me em chorar.A sombra da nuvem passa
depressa pela seara;
Elegia do Ciúme
A tua morte, que me importa,
se o meu desejo não morreu?
Sonho contigo, virgem morta,
e assim consigo (mas que importa?)
possuir em sonho quem morreu.Sonho contigo em sobressalto,
não vás fugir-me, como outrora.
E em cada encontro a que não falto
inda me turbo e sobressalto
à tua mínima demora.Onde estiveste? Onde? Com quem?
— Acordo, lívido, em furor.
Súbito, sei: com mais ninguém,
ó meu amor!, com mais ninguém
repartirás o teu amor.E se adormeço novamente
vou, tão feliz!, sem azedume
— agradecer-te, suavemente,
a tua morte que consente
tranquilidade ao meu ciúme.