Poemas sobre Ninguém

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Poemas de ninguém escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Tenho Tanto Sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

A Secreta Viagem

No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada…
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa…
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos…
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa…

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem…
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa… alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

Nas Praças

Nas praças vindouras — talvez as mesmas que as nossas —
Que elixires serão apregoados?
Com rótulos diferentes, os mesmos do Egito dos Faraós;
Com outros processos de os fazer comprar, os que já são nossos.

E as metafísicas perdidas nos cantos dos cafés de toda a parte,
As filosofias solitárias de tanta trapeira de falhado,
As idéias casuais de tanto casual, as intuições de tanto ninguém —
Um dia talvez, em fluido abstrato, e substância implausível,
Formem um Deus, e ocupem o mundo.
Mas a mim, hoje, a mim
Não há sossego de pensar nas propriedades das coisas,
Nos destinos que não desvendo,
Na minha própria metafisica, que tenho porque penso e sinto.

Não há sossego,
E os grandes montes ao sol têm-no tão nitidamente!

Têm-no? Os montes ao sol não têm coisa nenhuma do espírito.
Não seriam montes, não estariam ao sol, se o tivessem.

O cansaço de pensar, indo até ao fundo de existir,
Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo.

E por que é que há propósitos mortos e sonhos sem razão?

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De Esquecer

Demorei-me muito tempo ao pé de ti.
As portas fechadas por dentro, como se encerrasses
o amor e a lei. Demorei-me demais. Ao fim da tarde,
nesse mesmo dia que já morreu,
olhámo-nos devagar, mas distraídos. Diria até que anoiteceu.

Nunca falámos do amor que chega tarde.
Nem o interpelámos (como se já não pudesse
ter nome). Fingia ter esquecido o teu corpo
nas muralhas. Nas areias.

Vês aqui alguma figura? Ninguém vê.
Repara no ponto preto que alastra na margem do quadro,
nas minhas lágrimas desse tempo.
Relê.

O Segredo

Deus não sabe os meus segredos.
As paredes sem ouvidos não escutam
a confidência interminável.
O que perco, ninguém sabe. Dissolve-se em mim,
luminária secreta, sílaba que os lábios não ousam murmurar
diante de teu corpo no escuro,
constelação.

E o sobejo de mim, último raio de sol,
fulge no deserto. E nos penhascos
ressoa
constelado
o meu grito de amor.

Louvor do Esquecimento

Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.

Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.

O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.

Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?

A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.

Tradução de Paulo Quintela

Homem para Deus

Ele vai só ele não tem ninguém
onde morrer um pouco toda a morte que o espera
Se é ele o portador do grande coração
e sabe abrir o seio como a terra
temei não partam dele as grandes negações
Que há de comum entre ele e quem na juventude foi
que mão estendem eles um ao outro
por sobre tanta morte que nos dias veio?
E no seu coração que todo o homem ri e sofre
é lá que as estações recolhem findo o fogo
onde aquecer as mãos durante a tentação
é lá que no seu tempo tudo nasce ou morre
Não leva mais de seu que esse pequeno orgulho
de saber que decerto qualquer coisa acabará
quando partir um dia para não voltar
e que então finalmente uma atitude sua há-de implicar
embora diminuta uma qualquer consequência
O que deus terá visto nele para morrer por ele?
Oh que responsabilidade a sua
Que não dê como a árvore sobre a vida simples sombra
que faça mais do que crescer e ir perdendo vestes

Oh que difícil não é criar um homem para deus

O Noivado do Sepulcro

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!… mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D’entre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!… na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!… com sombrio espanto
Olhou em roda… não achou ninguém…
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

“Mulher formosa, que adorei na vida,
“E que na tumba não cessei d’amar,
“Por que atraiçoas, desleal, mentida,
“O amor eterno que te ouvi jurar?

“Amor! engano que na campa finda,
“Que a morte despe da ilusão falaz:
“Quem d’entre os vivos se lembrara ainda
“Do pobre morto que na terra jaz?

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Nas Águas Vosso Amor Ponde

A palavra que te disse,
talvez por ser tão pequena,
em tais desprezos perdeu-se
que não deixou nem pena.

Murmurei-a a uma cisterna
de turvas águas antigas
e foi-se de cova em cova
em múltiplas cantigas.

Amadores deste mundo,
nas águas vosso amor ponde;
que elas vos darão resposta,
quando ninguém responde.

Usos Deste Mundo

Nas praças uns perguntam novidades;
Outros dão volta às ruas, ao namoro;
Este usuras cobrar, esse as demandas
Lembrar corre ao Juiz que se diverte.
Ir de Jano aprender a ser bifronte,
De Mercúrio, no trato, a ser bilingue,
Franco no prometer, no dar escasso.
C’os olhos fitos no ávido interesse
Ser consigo leal, com todos falso
É ser homem capaz, home’ entendido.
Assim, que vemos nós por este esconso
Mundo? Vemos logrões, vemos logrados;
Ninguém vês ir com cândido desejo
Aos Sénecas, aos Sócrates de agora
Perguntar as lições tão necessárias
De ser honrado, ser com todos justo.
Tão sobejos se crêem de honra e virtude,
Que cuida cada um poder de sobra
Mostrar na Ocasião virtude a rodo,
E chega a Ocasião, falha a virtude.

Chegada a Hora o Sonho Será Terra

Chegada a hora o sonho será terra,
o medo dará seu último vintém,
e o passado e o futuro serão guerra
do não-ser sobre terras de ninguém
Árvore gémea à que em dor se enterra,
o céu descerá em busca de outro além,
e unidos ambos, corpo e céu, a alma er-
rará distante, mas morta, também.
Será possível mesmo o fim de tudo,
tudo tão rápido? Ó pássaro ao vento,
ó ave sombria: cantai num templo mudo,
a atroz saudade da alma nunca vista,
passo perdido em negro firmamento,
paisagem morta — que a terra conquista!

Ladainha dos Póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

Fala de Mãe e Filho

«Meu filho:
onde vais
que tens do rio o caminhar?»

Não espreites a estrada, mãe,
que eu nasci
onde o tempo se despenhou.

«Meu filho:
onde te posso lembrar
se apenas te dei nome para te embalar ?»

Mãe, minha mãe:
não te pese saudade
que eu voltarei sempre
como quem chega do mar.

«Meu filho:
onde te posso nascer
se meu ventre seco
nunca ninguém gerou?»

Mãe, nascerás sempre
na pedra em que te escuto:
a tua ausência, meu luto,
teu corpo para sempre insepulto.

Sabedoria I, III

Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?

Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto é igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,

Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.

Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.

E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!

Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?

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Onde Nasceu a Ciência e o Juízo?

MOTE

— Onde nasceu a ciência?…
— Onde nasceu o juízo?…
Calculo que ninguém tem
Tudo quanto lhe é preciso!

GLOSAS

Onde nasceu o autor
Com forças p’ra trabalhar
E fazer a terra dar
As plantas de toda a cor?
Onde nasceu tal valor?…
Seria uma força imensa
E há muita gente que pensa
Que o poder nos vem de Cristo;
Mas antes de tudo isto,
Onde nasceu a ciência?…

De onde nasceu o saber?…
Do homem, naturalmente.
Mas quem gerou tal vivente
Sem no mundo nada haver?
Gostava de conhecer
Quem é que formou o piso
Que a todos nós é preciso
Até o mundo ter fim…
Não há quem me diga a mim
Onde nasceu o juízo?…

Sei que há homens educados
Que tiveram muito estudo.
Mas esses não sabem tudo,
Também vivem enganados;
Depois dos dias contados
Morrem quando a morte vem.
Há muito quem se entretém
A ler um bom dicionário…
Mas tudo o que é necessário
Calculo que ninguém tem.

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Surdina

No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio…
Pálida, Vênus se levanta…
Que frio!

Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece…
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?

Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas.
Que frio!

Ninguém… A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece…
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?

Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!

Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?

Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
A morte é o último conforto…
Que frio!

Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro… E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.

E com que mágoa o sino canta,

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Lua Adversa

Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…

Ode Marcial

Inúmero rio sem água — só gente e coisa,
Pavorosamente sem água!

Soam tambores longínquos no meu ouvido
E eu não sei se vejo o rio se ouço os tambores,
Como se não pudesse ouvir e ver ao mesmo tempo
Helahoho! Helahoho!

A máquina de costura da pobre viúva morta à baioneta…
Ela cosia à tarde indeterminadamente…
A mesa onde jogavam os velhos,

Tudo misturado, tudo misturtado com os corpos, com sangues,
Tudo um só rio, uma só onda, um só arrastado horror

Helahoho! Helahoho!

Desenterrei o comboio de lata da criança calcado no meio da estrada,
E chorei como todas as mães do mundo sobre o horror da vida.
Os meus pés panteístas tropeçaram na máquina de costura da viúva que mataram à baioneta
E esse pobre instrumento de paz meteu uma lança no meu coração

Sim, fui eu o culpado de tudo, fui eu o soldado todos eles
Que matou, violou, queimou e quebrou,
Fui eu e a minha vergonha e o meu remorso com uma sombra disforme
Passeiam por todo o mundo como Ashavero,

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Não Receeis Fazer Bem

Senhoras não hajais medo
não receeis fazer bem
tende o coração mui quedo
e vossas mercês verão cedo
quão grandes bens do bem vem.
Não torvem vosso sentido
as cousas qu’haveis ouvido
porqu’é lei de deos d’amor
bem, vertude nem primor
nunca jamais ser perdido.

Por verdes o galardão
que do amor recebeu
porque por ele morreu
nestas trovas saberão
o que ganhou ou perdeu.
Não perdeu senão a vida
que pudera ser perdida
sem na ninguém conhecer
e ganhou por bem querer
ser sua morte tão sentida.

Ganhou mais que sendo dantes
nom mais que fermosa dama
serem seus filhos ifantes
seus amores abastantes
de deixarem tanta fama.
Outra mor honra direi:
como o príncepe foi rei
sem tardar mas mui asinha
a fez alçar por rainha
sendo morta o fez por lei.

Os principais reis d’Espanha
de Portugal e Castela
e emperador d’Alemanha
olhai que honra tamanha
que todos decendem dela.
Rei de Nápoles também
duque de Bregonha a quem
todo França medo havia
e em campo el rei vencia
todos estes dela vem.

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Dispersão

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é familia,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem familia).

O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traíu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho,

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