Quem Somos
Quem somos, senão o que imperfeitamente
sabemos de um passado de vultos
mal recortados na neblina opaca,
imprecisos rostos mentidos nas páginas
antigas de tomos cujas palavrasnão são, de certo, as proferidas,
ou reproduzem sequer actos e gestos
cometidos. Ergue-se a lâmina:
metal e terra conhecem o sangue
em fronteiras e destinos poucoa pouco corrigidos na memória
indecifrável das areias.
A lápide, que nomeia, não descreve
e a história que o historia,
eco vário e distorcido, é jádiversa e a si própria se entretece
na mortalha de conjecturados perfis.
Amanhã seremos outros. Por ora
nada somos senão o imperfeito
limbo da legenda que seremos.
Poemas sobre Sangue
209 resultadosCisne
Amei-te? Sim. Doidamente!
Amei-te com esse amor
Que traz vida e foi doente…À beira de ti, as horas
Não eram horas: paravam.
E, longe de ti, o tempo
Era tempo, infelizmente…Ai! esse amor que traz vida,
Cor, saúde… e foi doente!Porém, voltavas e, então,
Os cardos davam camélias,
Os alecrins, açucenas,
As aves, brancos lilases,
E as ruas, todas morenas,
Eram tapetes de flores
Onde havia musgo, apenas…E, enquanto subia a Lua,
Nas asas do vento brando,
O meu sangue ia passando
Da minha mão para a tua!Por que te amei?
— Ninguém sabe
A causa daquele amor
Que traz vida e foi doente.Talvez viesse da terra,
Quando a terra lembra a carne.
Talvez viesse da carne
Quando a carne lembra a alma!
Talvez viesse da noite
Quando a noite lembra o dia.— Talvez viesse de mim.
E da minha poesia…
Mater Dolorosa
Sozinha, olho para o teu corpo e sei como é dentro de mim que ele
existe;
desde que nasceste compreendi que podiam apenas os meus braços
acolher-te. Fico de novo presa
a este sofrimento. Sentia como chegava a sombra e com ela o que
seria apenas
o teu espírito, perdido como as primeiras imagens que se
desprendem agora
nesta manhã tranquila. Há-de a sua recordação ser talvez a mesma
que vinha com os sonhos ainda suspensos pelas mãos que se
tomam
mais leves, iniciais. Poderia descer para mim este sangue; ele
pertencia-me
como se a luz viesse apenas recolhê-lo. O resto era o que se não
separava
da noite, dessas vestes que ficam caídas sobre o teu corpo
como se fossem a piedade; era tão pouco o que recebias. Ajudo-te
com o meu silêncio. Julgo que talvez nele chegue um pouco
de calor
a que sozinho te poderias acolher. Assim repousas junto de mim
e principio a olhar-te. Que idade era a tua quando se uniram
as mãos? Espero há muito as palavras que traziam consigo
uma recordação que não podia existir na tua voz apagada;
As Balas
Dá o Outono as uvas e o vinho
Dos olivais o azeite nos é dado
Dá a cama e a mesa o verde pinho
As balas dão o sangue derramadoDá a chuva o Inverno criador
As sementes da sulcos o arado
No lar a lenha em chama dá calor
As balas dão o sangue derramadoDá a Primavera o campo colorido
Glória e coroa do mundo renovado
Aos corações dá amor renascido
As balas dão o sangue derramadoDá o Sol as searas pelo Verão
O fermento ao trigo amassado
No esbraseado forno dá o pão
As balas dão o sangue derramadoDá cada dia ao homem novo alento
De conquistar o bem que lhe é negado
Dá a conquista um puro sentimento
As balas dão o sangue derramadoDo meditar, concluir, ir e fazer
Dá sobre o mundo o homem atirado
À paz de um mundo novo de viver
As balas dão o sangue derramadoDá a certeza o querer e o concluir
O que tanto nos nega o ódio armado
Que a vida construir é destruir
Balas que o sangue derramadoQue as balas só dão sangue derramado
Só roubo e fome e sangue derramado
Só ruína e peste e sangue derramado
Só crime e morte e sangue derramado.
Ode Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
A Cidade de Palaguin
Na cidade de Palaguin
o dinheiro corrente era olhos de crianças.
Em todas as ruas havia um bordel
e uma multidão de prostitutas
frequentava aos grupos casas de chá.
Havia dramas e histórias de era uma vez
havia hospitais repletos:
o pus escorria da porta para as valetas.
Havia janelas nunca abertas
e prisões descomunais sem portas.
Havia gente de bem a vagabundear
com a barba crescida.
Havia cães enormes e famélicos
a devorar mortos insepultos e voantes.
Havia três agências funerárias
em todos os locais de turismo da cidade.
Havia gente a beber sofregamente
a água dos esgotos e das poças.
Havia um corpo de bombeiros
que lançava nas chamas gasolina.Na cidade de Palaguin
havia crianças sem braços e desnudas
brincando em parques de pântanos e abismos.
Havia ardinas a anunciar
a falência do jornal que vendiam;
havia cinemas: o preço de entrada
era o sexo dum adolescente
(as mães cortavam o sexo dos filhos
para verem cinema).
Havia um trust bem organizado
para a exploração do homossexualismo.
O Futuro Sai da Fenda e da Ferida
a geometria abre a linha para deixar passar a Imaginação.
O FUTURO sai da FENDA e da FERIDA.
Do que antes foi, hoje sai Sangue.
Inundar o VAZIO: o FUTURO inunda o VAZIO.
Porque todo o vazio tem por INIMIGO a Imaginação.
Porque todo o vazio tem o Inimigo.
Coração Habitado
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Largo do Espírito Santo
Nem mais, nem menos: tudo tal e qual
o sonho desmedido que mantinhas.
Só não sonharas estas andorinhas
que temos no beiral.E moramos num largo… E o nome lindo
que o nosso largo tem!
Com isto não contáramos também.
(Éramos dois sonhando e exigindo.)Da nossa casa o Alentejo é verde.
É atirar os olhos: São searas,
são olivais, são hortas… E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!E o pão da nossa mesa!… E o pucarinho
que nos dá de beber!… E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre um ninho…E o nosso quarto? Agora podes dar-me
teu corpo sem receio ou amargura.
Olha como a Senhora da moldura
sorri à nossa alma e à nossa carne.Em tudo, ó Companheira,
a nossa casa é bem a nossa casa.
Até nas flores. Até no azinho em brasa
que geme na lareira.Deus quis. E nós ao sonho erguemos muros,
rasguei janelas eu e tu bordaste
as cortinas.
História Antiga
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Caminharemos de Olhos Deslumbrados
Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.Nus e ensanguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
E coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.
Autobiografia de um Só Dia
A Maria Dulce e Luiz Tavares
No Engenho Poço não nasci:
minha mãe, na véspera de mim,veio de lá para a Jaqueira,
que era onde, queiram ou não queiram,os netos tinham de nascer,
no quarto-avós, frente à maré.Ou porque chegássemos tarde
(não porque quisesse apressar-me,e se soubesse o que teria
de tédio à frente, abortaria)ou porque o doutor deu-me quandos,
minha mãe no quarto-dos-santos,misto de santuário e capela,
lá dormiria, até que para ela,fizessem cedo no outro dia
o quarto onde os netos nasciam.Porém em pleno Céu de gesso,
naquela madrugada mesmo,nascemos eu e minha morte,
contra o ritual daquela Corteque nada de um homem sabia:
que ao nascer esperneia, grita.Parido no quarto-dos-santos,
sem querer, nasci blasfemando,pois são blasfêmias sangue e grito
em meio à freirice de lírios,mesmo se explodem (gritos, sangue),
de chácara entre marés, mangues.
you are welcome to elsinore
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipícioAo longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posiçãoEntre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeitaEntre nós e as palavras,
Funchal
O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, construída por náufragos.
Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim as rajadas de vento do mar. Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa dois peixes, segundo uma antiga receita da Atlântida, pequenas explosões de alho.
O óleo flui sobre as rodelas do tomate. Cada dentada diz que o oceano nos quer bem, um zunido das profundezas.
Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos as agrestes colinas floridas, sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, bem-vindos, não envelhecemos. Mas já suportámos tantas coisas juntos, lembramo-nos disso, horas em que também de pouco ou nada servíamos ( por exemplo, quando esperávamos na bicha para doar o sangue saudável – ele tinha prescrito uma transfusão). Acontecimentos, que nos podiam ter separado, se não nos tivéssemos unido, e acontecimentos que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!
Eles tornaram-se pedras, pedras claras e escuras, pedras de um mosaico desordenado.
E agora aconteceu: os cacos voam todos na mesma direcção, o mosaico nasce.
Ele espera por nós. Do cimo da parede,
Os Homens Gloriosos
Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna.Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração.Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduze-me ao pó que fui!
Reduze a pó minha memória!Reduze a pó
a memória dos homens,
fingir que está tudo bem
fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
A Essência não se Perde
Com a firmeza de passos sem retorno,
carregar o que foi dentro de si,
sem chorar a partida, sem temer
deixar o que afinal vai bem marcado
com seu selo de coisa inesquecível.
A essência não se perde, vai connosco
e extravasa dos dedos quando escrevem,
salta fora da boca quando fala,
transpira pela pele, sai dos ossos,
é lançada dos músculos em arco
e circula no sangue das artérias.
Os pagos, as querências não se perdem,
se penetram nos ossos, moram neles,
não como o minuano passageiro,
mas sim como a medula que sustenta
o circuito do corpo e o movimenta,
impedindo que pare, morra e penda
como trouxa de pano, como penca
tombada de seu pé, como o vazio,
a coisa sem recheio, a casca murcha,
o fruto despojado de si mesmo.
Não te amo
Não te amo, quero-te: o amor vem d’alma.
E eu n’alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai! não te amo, não!Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror…
Mas amar!… não te amo, não.
Febre Vermelha
Rozas de vinho! Abri o calice avinhado!
Para que em vosso seio o labio meu se atole:
Beber até cair, bebedo, para o lado!
Quero beber, beber até o ultimo gole!Rozas de sangue! Abri o vosso peito, abri-o!
Montanhas alagae! deixae-as trasbordar!
As ondas como o oceano, ou antes como um rio
Levando na corrente Ophelias de luar…Camelias! Entreabri os labios de Eleonora!
Desabrochae, á lua, a ancia dos vossos calis!
Dá-me o teu genio, dá! ó tulipa de aurora!
E dá-me o teu veneno, ó rubra digitalis…Papoilas! Descerrae essas boccas vermelhas!
Apagae-me esta sede estonteadora e cruel:
Ó favos rubros! os meus labios são abelhas,
E eu ando a construir meu cortiço de mel…Rainunculos! Corae minhas faces-de-terra!
Que seja sangue o leite e rubins as opalas!
Tal se vêm pelo campo, em seguida a uma guerra,
Tintos da mesma cor os corações e as balas!…Chagas de Christo! Abri as petalas chagadas!
N’uma raiva de cor, n’uma erupção de luz!
Escancarae a bocca, ás vermelhas rizadas,
Cancros de Lazaro!
Hino à Solidão
Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,