Poemas sobre Segredos

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Poemas de segredos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Segredo e o Mistério

Mistérios a pouco e pouco vão morrendo
e extenuados de vigília os anjos
são afinal a sussurrantes sibilinas vozes
que desvendam adivinham segredos
atrás de sentinelas
cuja ferocidade é uma ironia de ternura…
Na palidez da luz
cercando uma velha cabeça
a quem um sono de embrião já tolda os olhos
sorriem enigmáticos os sonhos.

O Pecado da Gula

Ontem à tarde saí.
Queria passear as lembranças
que um dia de chuva faz crescer em nós.
Há dias que o vento rondava a casa
cheio de segredos incompletos
a roçar-me a orelha. E eu não resisto
ao sabor do vento
e a uma boa história para enganar o frio.

É fácil perdermo-nos nas ruas.
Nunca se regressa pelos mesmos caminhos
mas todos parecem iguais
com o cheiro da chuva a deixar o alcatrão
e a subir na memória
de outras ruas.
Mas há só um caminho que trilhamos. O corpo
é uma bússola fiel que segue pela estrada
enquanto o pó se levanta
muito para além dos nossos passos.

Mania da Dúvida

Tudo para mim é um duvidar
Com a normalidade sempre em cisão,
E o seu incessante perguntar
Cansa meu coração.
As coisas são e parecem e o nada sustém
O segredo da vida que contém.

A presença de tudo sempre perguntando
Coisas de angústia premente,
Em terrível hesitação experimentando
A minha mente.
É falsa a verdade? Qual o seu aparentar
Já que tudo são sonhos e tudo é sonhar?

Perante o mistério vacila a vontade
Em luta dividida dentro do pensar,
E a Razão cede, qual cobarde,
No encontrar
Mais do que as coisas em si revelam ser,
Mas que elas, por si só, não deixam ver.

Romance do Terceiro-Oficial de Finanças

Ah! as coisas incríveis que eu te contava
assim misturadas com luas e estrelas
e a voz vagarosa como o andar da noite!

As coisas incríveis que eu te contava
e me deixavam hirto de surpresa
na solidão da vila quieta!…
Que eu vinha alta noite
como quem vem de longe
e sabe o segredo dos grandes silêncios
– os meus braços no jeito de pedir
e os meus olhos pedindo
o corpo que tu mal debruçavas da varanda!…

(As coisas incríveis eu só as contava
depois de as ouvir do teu corpo, da noite
e da estrela, por cima dos teus cabelos.
Aquela estrela que parecia de propósito para enfeitar os teus cabelos
quando eu ia namorar-te…)

Mas tudo isso, que era tudo para nós,
não era nada da vida!…
Da vida é isto que a vida faz.
Ah! sim, isto que a vida faz!…
– isto de tu seres a esposa séria e triste
de um terceiro-oficial de finanças da Câmara Municipal!…

Ausência

Fala

Ouvir-te-ei
Ainda que os segredos
As amoras me chamem

Diz-me
Que existirão lágrimas para chorar
Na velhice
Na solidão

Ainda que acordes os olhos dos deuses

Fala

Ouvir-te-ei
A coragem

Alguém de nós que já não está

Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso

que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos

que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens

e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso

Tradução de Cecília Rego Pinheiro

Que Vistes Meus Olhos

ALHEIO

Que vistes meus olhos
Neste bem, que vistes
Que vos vejo tristes?

VOLTAS

As vossas lembranças
Não vos dão tormentos,
Nem levam os ventos
Vossas esperanças.
Não sei que mudanças
Vós de novo vistes,
Que vos vejo tristes.
Que dor ou que medos
Causam vossa dor?
Lágrimas d’amor
Descobrem segredos.
Eu vos via ledos;
Vós não sei que vistes,
Que vos vejo tristes.

O Cerimonial das Mãos

Mãe, onde foi que deixaste a outra metade,
a que anunciava o sol na turvação das noites,
a que iluminava a sombra no cerimonial das mãos?
Em que côncavo de rochas buscava abrigo
essa outra metade que eu via projectada
para fora de mim como um sonho evadindo-se
do círculo de medos em que a fúria se jogava?
Eu era gémeo de todos os assombros
e os meus segredos era com essa outra metade
que os partilhava à revelia das bocas
que em surdina me traçavam o destino.
Quanto de mim se perdia nessa metade
que me furtava o riso e me deixava a culpa,
que me feria o ventre e me fustigava a pele?
Quanto de mim me flagelava
sem que eu lhe conhecesse morada ou nome?
Mãe, eu pedia uma trégua ao vento
e um punhal à chuva e com ambos queria
separar de mim a metade incandescente
que à beira dos meus gestos
ganhava altura de nuvem e fulgor de estrela.
Mãe, eu vejo-me outro nesta cama
que guarda os instrumentos liquefeitos da insónia
e sei que não sou eu quem lá está,

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Cantar do Amigo Perfeito

Passado o mar, passado o mundo, em longes praias,
de areia e ténues vagas, como esta
em que haverá de nossos passos a memória
embora soterrada pela areia nova,
e em que sobre as muralhas quanta sombra
na pedra carcomida guarda que passámos,
em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas esta, ó meu amigo?

Aqui passeámos tanta vez, por entre os corpos
da alheia juventude, impudica ou severa,
esplêndida ou sem graça, à venda ou pronta a dar-se,
ido na brisa o sol às mais sombrias curvas;
e o meu e o teu olhar guiando-se leais,
de nós um para o outro conquistando
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó meu amigo?

Também aqui relembro as ruas tenebrosas,
de vulto em vulto percorridas, lado a lado,
numa nudez sem espírito, confiança
tranquila e áspera, animal e tácita,
já menos que amizade, mas diversa
da suspeição do amor, tão cauta e delicada
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda as recordas, diz, ó meu amigo?

Também aqui,

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Num Dia Excessivamente Nítido

Num dia excessivamente nítido,
Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito
Para nele não trabalhar nada,
Entrevi, como uma estrada por entre as árvores,
O que talvez seja o Grande Segredo,
Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam.
Vi que não há Natureza,
Que Natureza não existe,
Que há montes, vales, planícies,
Que há árvores, flores, ervas,
Que há rios e pedras,
Mas que não há um todo a que isso pertença,
Que um conjunto real e verdadeiro
É uma doença das nossas idéias.
A Natureza é partes sem um todo.
Isto é talvez o tal mistério de que falam.
Foi isto o que sem pensar nem parar,
Acertei que devia ser a verdade
Que todos andam a achar e que não acham,
E que só eu, porque a não fui achar, achei.

Um Segredo

Meu pai tinha sandálias de vento
só agora o sei.
Tinha sandálias de vento
e isto nem sequer é uma maneira de dizer
andava por longe os olhos fugidos a expressão em
[nenhures
com as miraculosas instantaneidades que nos fazem
[estar em todos os sítios.

Andava por longe meu pai sonhando errando vadiando
mas toda a sua ausência era
o malogro de o ser
só agora o sei.
Andava por longe ou sentíamo-lo longe
vem dar no mesmo
e no entanto víamo-lo sempre
ali plantado de imobilidade absorta
no cepo de carvalho raiado de negro
a que o caruncho comera o miolo
como as lagartas esvaziam as maçãs
estranhamente quieto murcho resignado
no seu estranho vadiar
os olhos aguados numa tristeza que hoje me dói
como um apelo perdido uma coragem abortada.
Ausência era tão de mágoa urdida tão de fracasso
[tingida
ausência era
altiva e desolada altiva e triste sobretudo triste
tristeza sim tristeza solene e irremediada
só agora o sei.

Às vezes parecia-me uma águia que atravessa os ares
sulco azul
que nada distingue do azul onde foi sulcado
e por isso nem é águia nem ao menos
o que do seu voo resta para que
o sonho se faça real.

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Do Fim dos Segredos

Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leão lá dentro.

Não é mais segredo e não o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silêncio escancara

a dantes inamovível porta
e virada a página acha-se apenas
uma moeda
que não corre já.

Medo

Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem lhes digo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.

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Mater Dolorosa

Sozinha, olho para o teu corpo e sei como é dentro de mim que ele
existe;
desde que nasceste compreendi que podiam apenas os meus braços
acolher-te. Fico de novo presa
a este sofrimento. Sentia como chegava a sombra e com ela o que
seria apenas
o teu espírito, perdido como as primeiras imagens que se
desprendem agora
nesta manhã tranquila. Há-de a sua recordação ser talvez a mesma
que vinha com os sonhos ainda suspensos pelas mãos que se
tomam
mais leves, iniciais. Poderia descer para mim este sangue; ele
pertencia-me
como se a luz viesse apenas recolhê-lo. O resto era o que se não
separava
da noite, dessas vestes que ficam caídas sobre o teu corpo
como se fossem a piedade; era tão pouco o que recebias. Ajudo-te
com o meu silêncio. Julgo que talvez nele chegue um pouco
de calor
a que sozinho te poderias acolher. Assim repousas junto de mim
e principio a olhar-te. Que idade era a tua quando se uniram
as mãos? Espero há muito as palavras que traziam consigo
uma recordação que não podia existir na tua voz apagada;

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Ruinas

Pandeiros rôtos e côxas táças de crystal aos pés da muralha.

Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de princezas mortas.

Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mãos esguias e de cabelleiras embranquecidas.

Aquellas ameias cingiram uma noite peccados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites réza a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castello de nobres naquelle lugar… E a lua, a contar, pára um instante – tem mêdo do frio dos subterraneos.

Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e rizinhos de sêdas.

Aquellas ruinas são o tumulo sagrado de um beijo adormecido – cartas lacradas com ligas azues de fechos de oiro e armas reais e lizes.

Pobres velhinhas da côr do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar…

Noites de insonia com as galés no mar e a alma nas galés.

Archeiros amordaçados na noite em que o côche era de volta ao palacio pela tapada d’El-rei. Grande caçada na floresta–galgos brancos e Amazonas negras.

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Encontro

Felicidade, agarrei-te
Como um cão, pelo cachaço!
E, contigo, em mar de azeite
Afoguei-me, passo a passo…
Dei à minha alma a preguiça
Que o meu corpo não tivera.
E foi, assim, que, submissa,
Vi chegar a Primavera…
Quem a colher que a arrecade
(Há, nela, um segredo lento…)
Ó frágil felicidade!
— Palavra que leva o vento,
E, depois, como se a ideia
De, nos dedos, a ter tido
Bastasse, por fim, larguei-a,
Sem ficar arrependido…

Caminharemos de Olhos Deslumbrados

Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.

Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.

No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.

Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.

Nus e ensanguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
E coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.

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you are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras,

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Mysticismo Humano

A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!

Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…

– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…

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